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Resenha: Doom Patrol — se já era bizarro para um gibi, imagine na TV

5 anos atrás

Quadrinhos já foram vistos como diversão infantil inocente, como grave ameaça à juventude, mas só recentemente o grande público passou a aceitar esses personagens como entretenimento para todas as idades, isso provocou uma busca por seriedade e aprovação, e os filmes e séries se afastaram de suas origens. Doom Patrol é uma série que não seria possível 5 anos atrás, e mesmo hoje eu ainda custo a acreditar que ousaram fazer algo assim. Ainda bem que fizeram.

Existem histórias que a gente tem certeza que nunca irão ser filmadas por serem muito caras, outras por excesso de violência, se bem que depois de Preacher e The Boys, não duvido de nada. Outras, como Patrulha do Destino (como a gente chamava) era certeza de não ser filmada por ser... surreal demais.

A primeira controvérsia é que Doom Patrol teria servido de inspiração para X-Men, e mesmo os criadores tinham essa idéia. Na prática Doom Patrol foi publicada pela primeira vez em Junho de 1963, e X-Men estreou em Setembro do mesmo ano. Era inviável produzir uma revista em quadrinhos do zero em tão pouco tempo.

Claro, as coincidências são muitas, ambas as histórias tratam de um grupo de gente esquisita com superpoderes morando em uma mansão chefiados por um sujeito inteligente numa cadeira de rodas, mas assim como Neil Gaiman, que foi kibado pela JK Rowling mas a versão dela seguiu caminhos completamente diferentes, Doom Patrol não tem nada a ver com X-Men em termos de história, estilo e filosofia.

Os X-Men eram vítimas da sociedade, perseguidos e incompreendidos, mas no fundo eram nobres e heroísticos. A Patrulha do Destino é um bando de rejeitados, aleijados física e psicologicamente, eles são heróis relutantes, atuam por falta de opção, agindo em casos estranhos demais para os heróis comuns.

Em Patrulha do Destino as situações são ridículas e surreais, e assim que é bom. Eles já enfrentaram até um vilão sensacionalmente ridículo, o Homem Animal Vegetal Mineral:

E se eu disser que a série de TV é tão fiel ao material original que não teve medo de botar no ar esse personagem pra lá de questionável?

Os episódios em geral são narrados pelo vilão principal, Mr Nobody, um sujeito onipotente, que parece estar o tempo todo de saco cheio e que não respeita a Quarta Parede, com direito a terminar o prólogo do episódio com "Agora cortem pra a pretensiosa sequência de abertura".

A melhor fase da Patrulha do Destino foi escrita por Grant Morrison, no final dos Anos 90, e a série de TV é baseada nela. Morrison nos deus personagens como Danny... a Rua. Isso mesmo, é uma rua senciente.

Danny tem uma população de moradores formada por gente que fugiu de casa, rejeitados, hippies, ou apenas gente comum vivendo em paz com a vizinhança. Ela se teleporta de tempos em tempos, espremendo-se entre outras ruas em cidades aleatórias, mas como Grant Morrisson não bate muito bem das idéias, Danny tem um monte de lojas masculinas, tipo lojas de armas e ferramentas, mas decoradas com motivos florais. Danny é uma rua senciente travesti.

Nessa fase a Patrulha do Destino enfrentou vários inimigos, incluindo o Descriador, uma entidade onipotente que seria o exato oposto de Deus, e cuja função seria descriar o Universo. Eles também enfrentaram a Irmandade de Dadá, um grupo de supervilões dedicados ao Dadaísmo, um movimento artístico do princípio do Século XX.

O Dadaísmo pregava a anti-arte, a quebra dos padrões estéticos e das regras convencionais, era uma turma que hoje em dia seria definida como Extrema Zoeira, com nomes como Marcel Duchamp, Theo van Doesburg e Hannah Höch.

A Irmandade não quer dominar o mundo, nem mesmo destruí-lo, eles querem apenas promover o absurdo, como uma pintura que devorou Paris, e para isso contam com supervilões improváveis como uma sonâmbula que tem incríveis superpoderes mas só quando está dormindo, e outra personagem que tem todos os superpoderes que o adversário não conseguir pensar.

Os Personagens

1 - Dr Niles Caulder

Imagina um Charles Xavier manipulador, canalha e com muito mais cabelo. Ele convenientemente aparecia quando seus novos pupilos mais precisavam, usando seus conhecimentos científicos para salvá-los, trazendo-os para sua mansão. O Chefe, como é chamado, tem contatos em todos os lugares, já fez de tudo e sabe tudo, a única coisa que ele não faz é compartilhar o que sabe ou o que está planejando.

Na série ele é interpretado pelo ex-James Bond Timothy Dalton, excelente, e foi sequestrado pelo Sr Ninguém.

2 - Cliff Steele - Homem-Robô

Cliff era um piloto de corridas bem-sucedido, famoso, casado com uma esposa-troféu (temos termo equivalente em português) e com uma linda filha, mas na realidade a esposa dava mais que chuchu na serra, e a equipe tinha que computar o efeito aerodinâmico dos chifres de Cliff nas corridas. Um dia ele sofre um acidente, com efeitos catastróficos.

É salvo pelo Chefe, que transporta seu cérebro para um corpo robótico. Ele agora vive sem poder dizer pra esposa e pra filha que está vivo, ao menos é o que o Chefe contou pra ele.

Brendan Fraser faz o personagem. Isso mesmo, o Brendan, aquele cara legal que prometia décadas de ótimos e divertidos filmes, protagonista do único filme de Indiana Jones pós-Indiana Jones que não imitava indiana Jones.

Ele consegue passar a angústia e a depressão de ser um homem dentro de um corpo mecânico, incapaz de sentir cheiros, sabores, sem sensibilidade para tocar e ser tocado, mas Brendan nem faz um personagem 100% deprimido nem trivializa sua dor, ele apenas tem coisas mais importantes pra fazer além de sentir pena de si mesmo.

A aparência arcaica, retrô mesmo a princípio contrasta com personagens robóticos bem mais avançados, como Cyborg, mas mesmo nos quadrinhos isso é explicado: Em sua arrogância o Chefe se recusa a fazer upgrades na aparência de Cliff, diz que ele é perfeito do jeito que está.

3 - Larry Trainor - O Homem-Negativo

Larry era um piloto de testes nos Anos 50, com uma carreira exemplar e uma família de comercial de margarina, até que seu avião passa por um campo radioativo, ele sofre um acidente mas sai miraculosamente vivo, porém horrivelmente queimado. Seu corpo todo coberto de bandagens dá a entender que ele é o Homem-Invisível, mas seu poder é outro. O tal campo era uma entidade de energia que agora habita o corpo de Larry.

E ele não era o único. Na versão para a TV Larry é gay, tem um caso com um colega militar, e a esposa está prestes a descobrir.

Ah sim, antes que alguém acuse os produtores de tentar lacrar, aviso que Larry ser gay foi um downgrade, na versão do Grant Morrison ele se chama Rebis, é uma entidade intersexual composta de uma amálgama de Larry, da Entidade e de sua média, Dra Eleanor Poole. Isso causa bastante confusão na cabeça de todo mundo.

4 - Crazy Jane e Cyborg

Cyborg todo mundo conhece, Victor Stone, atleta promissor, sofre acidente terrível e o pai o salva com partes robóticas. Crazy Jane é muito mais interessante. Ela sofreu todo tipo de abuso por parte do pai, e como mecanismo de defesa desenvolveu múltiplas personalidades, 64 no total. Por causa da bomba genética usada pelos Dominions no arco Invasão, da DC, cada uma das personalidades de Jane (ou Kay, a personalidade original) desenvolveu um superpoder.

Diane Guerrero está fazendo um excelente, excelente trabalho com a personagem, mudando de personalidade no meio das conversas, e principalmente mantendo interessante e empática uma personagem que por definição é babaca e desagradável com todo mundo.

Jane desenvolveu uma complicada amizade com Cliff, ela abusa e xinga, ele em troca a protege e defende.

5 - Rita Farr - Elasti-Girl

Rita é uma coleção ambulante de clichês. Imagine uma atriz dos anos 50, vivendo uma vida de glamour, egocentrismo, no topo do mundo e pisando todos abaixo dela. Um dia seu mundo desmorona, quando ela entra em contato com uma substância alienígena e seu corpo começa a derreter.

Ela vive de ilusão, do glamour passado, e só com ajuda do chefe começou a controlar seus poderes, que não são nada glamourosos. Esqueça a Elasti-Girl dos Incríveis. Rita quando perde controle vira isto:

O Ritmo

A maioria das séries baseadas em quadrinhos costuma fazer um arco de história por temporada, séries como Deuses Americanos esticam um livro a ponto do Reed Richards dizer "menos, caras". Preacher enfiou tanta gordura que na 4a temporada ainda não saíram do primeiro volume da série. e não vão chegar a lugar nenhum.

Já Doom Patrol resolveu o apocalipse em dois episódios. Há o arco principal do Chefe, sequestrado pelo Mr Nobody, mas no meio disso arcos inteiros são apresentados em episódios únicos, é o raro caso de série episódica que não é esquecível. É quase uma antologia, mas com continuidade.

A série foi renovada antes mesmo de estrear, o que é sempre um bom sinal, e com a qualidade de Doom Patrol e Titãs, está evidente que a DC aprendeu a fazer séries sérias, depois de ter dominado a arte de fazer séries farofa como Legends of Tomorrow e Flash. Um dia a Marvel aprende.

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