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O Vexame do Galaxy Fold — a culpa é toda… nossa

5 anos atrás

As Interwebs estão zoando fortemente a Samsung, a imprensa especializada por sua vez está descendo a lenha, há quem chama o Galaxy Fold de "pedaço de lixo", mas essa não foi a primeira e nem será a última vez em que um produto passa por uma falha constrangedora perfeitamente evitável. E também não será dessa vez que alguém perceberá que a culpa não é da empresa, nem das estrelas, é da gente.

Todo mundo se lembra do antennagate, quando o iPhone da vez tinha uma recepção péssima, pois o posicionamento da mão do usuário ocultava a área da antena do aparelho. Tivemos o Palm Foleo, um antecessor dos netbooks, criado para funcionar como acessório para um smartphone, provendo tela decente e teclado de gente. Ele foi anunciado, apresentado com pompa e circunstância e cancelado dias antes de começar a ser vendido.

A lista é imensa, e não é de hoje. Eu tive um jogo da Microsoft, um simulador de combate espacial desses da vida, comprado em loja, caixa, vários CDs, lindo. Fui instalar, nada. Era pré-internet, então tive que fazer a coisa mais humilhante possível para um nerd hétero de sexo masculino: liguei pro suporte.

Aparentemente eles criaram os masters dos CDs e não testaram, aí não perceberam que um arquivo essencial da instalação do CD 1 foi colocado no CD 2. Tinha toda uma sequência de instruções para criar um disquete de boot com os arquivos corretos. No final funcionou, e o jogo era uma bosta.

Na época eu já fiquei espantado, como a Microsoft deixa produzirem milhares de cópias de um CD sem ter um corno pra testar?

Hoje eu entendo.

Quando começou o papo de celular dobrável o que mais vi foi gente xingando... a Apple. Reclamaram que era obsoleta, retrógrada, que a concorrência estava lançando novidade atrás de novidade. O fato do iPhone funcionar perfeitamente bem não era desculpa.

Celulares se tornaram carros de luxo (embora curiosamente celulares de luxo sejam um nicho basicamente morto). Todo ano é preciso um aparelho novo, mais rápido, mais caro, com mais potência, mais memória, mais armazenamento, mesmo 99% dos usuários mantendo o mesmo uso e os mesmos aplicativos de sempre.

Mesmo quem não compra os aparelhos topo de linha se ressente se seu fabricante não lançar algo lindo mágico e caro.

Essa tendência é a mesma do mercado automobilístico, o carro do ano tem que ser diferente, do contrário não conta, decepciona o consumidor. O custo de produção nunca é amortizado pois toda hora precisam introduzir modificações. Mas nem sempre foi assim.

O primeiro Ford Modelo T saiu da linha de montagem em 1908 custando o equivalente hoje a US$ 23 mil. Com variações essencialmente estéticas e uma estrutura básica mantida a mesma, a Ford conseguiu otimizar a produção a ponto de em 1925 o mesmo carro estar custando US$ 3.714.

A Volkswagen tinha um comercial ótimo anunciando o "novo fusca" nos anos 70 onde a única mudança era o espelho retrovisor, e isso era um ponto positivo, o carro era vendido como perfeito como estava, e o consumidor aceitava pois dentro do que o Fusca se propunha a fazer, era mesmo.

De lá pra cá caímos em um ciclo consumista onde é absolutamente inconcebível você comprar um produto igual ao que te atende perfeitamente hoje. Toda vez que falo que estou de olho em um Galaxy S9, me olham como se eu estivesse mastigando dinheiro, com um sorvete na testa. TEM que ser o S10, mas melhor esperar um pouco, o S11 vem aí e será maravilhoso!

Agora a triste e cruel realidade: um ano é muito pouco tempo para desenvolver um produto do zero. Quase todos são desenvolvidos em ciclos bem maiores, mas se você levar três anos para lançar um celular, corre o risco da concorrência anunciar alguma novidade e você só poderá reagir dali a uns dois anos.

Misture a isso a indústria de boatos, e temos soluções de carregamento sem fio capengas, 5G que ninguém padronizou ainda, mas saiu no celular, hardware que ninguém sabe ainda como funciona e fabricantes que não confiam no que vendem, então não liberam APIs para terceiros.

A solução seria os fabricantes adotarem a filosofia de que vai sair quando estiver pronto, quebrando esse ciclo de lançamentos anuais, mas sabe o que acontecerá com quem fizer isso? Vai falir.

O consumidor que reclama dos lançamentos nas coxas é o primeiro a chamar a empresa de obsoleta se ela não fizer seus lançamentos atuais. A Apple tem equipamentos ótimos (exceto pra consertar) e qualquer um seria extremamente feliz com um Macbook topo de linha, mas seis meses de lançados e a mídia especializada já está criando artigos reclamando do equipamento "obsoleto".

O Macbook da imagem acima é um MacBook Pro 2016, atualização do modelo de 2012. Tem CPU Intel Core i5 de oitava geração, 8 GB de RAM, 128 GB de SSD, resolução de 2.560 × 1.600, touchbar, pacote completo.  Novo sai a US$ 1.800. Usado, bem mais barato.

É uma pucta máquina, leve, portátil, um computador elegante para tempos mais civilizados, mas o pessoal do Digital Trends em 2019 deu 3 estrelas pra ele. COMO ASSIM? Ele atende as necessidades de 99,9% dos usuários, ele não ficou mais lento ou mais barulhento do que era. Os softwares não estão mais pesados nem imensamente mais complexos.

A Apple menos, mas a concorrência acaba tendo que lançar máquinas novas todo ano, criando um line-up de produtos desnecessariamente complexo, dificultando logística, suporte, tudo. E não, os fabricantes não são malvados por fazerem máquinas impossíveis de ganhar upgrades. O problema é outro.

Os consumidores exigem máquinas impossivelmente finas, o que dificulta usar componentes discretos. Mesmo um SSD em formato 2.5" já é grande demais para a maioria dos notebooks high-end.

Esses mesmos consumidores, quando tinham máquinas com capacidade de upgrade, não faziam, pois preferiam comprar o notebook novo, modelo saído do forno, a usar um mais antigo todo novo por dentro, mas que os amigos não saberiam só de olhar.

Não vou ser hipócrita pagando de comunista anti-consumismo, eu sou consumista até o talo, e eu sei que eu ajudo a financiar essa caca, mas ao menos reconheço ser parte do problema. Eu não vou culpar a Apple ou a Samsung por empurrarem produtos novos todo ano, quando é isso que o público exige. Henry Ford disse uma vez que os consumidores poderiam ter Modelos T nas cores que quisessem, desde que fosse preto, mas quando isso começou a afetar as vendas, bem...

Como orgulhoso membro da Master Race eu também babo a cada lançamento da Nvidia, mas sejamos honestos, faz realmente diferença na vida de alguém se a placa nova que custou US$2500 te dá 2fps a mais que a do ano anterior? Quantos núcleos CUDA você usa? Esse ciclo louco de lançamentos empurra o preço pra cima de tal forma que mesmo o mercado de placas de gerações anteriores tem seu preço inflacionado. O sujeito mesmo quando não pode pegar uma GPU high-end se esforça pra conseguir uma logo abaixo, sem precisar.

E isso é tão surreal e artificial que o mercado de consoles funciona perfeitamente bem sem essa corrida armamentista. O Xbox 360 teve um ciclo de vida de 2005 a 2016, onze anos é mais que uma vida, em informática, é uma dinastia inteira, mas não consta que os caixistas no final tivessem abandonado a plataforma.

Se gamers conseguem ser felizes com um equipamento de 11 anos, qual o motivo de gente se endividar pra comprar uma Nvidia Geforce RTX 2080 Ti Phoenix 11gb Gddr6 Gainward, que no Mercado Livre está custando R$ 8 mil? Eu entendo o mercado de alto luxo, não esse estranho mercado de massa high-end que nossa indústria se tornou.

A triste realidade é que isso não vai mudar, nós queremos nossos novos brinquedos, e queremos agora. A empresa que falar que vai fazer direito e só soltará um celular novo a cada 4 anos será varrida do mapa.

No final, só nos resta lamentar, por todos os envolvidos.

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