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Cientistas em busca de matéria escura observam um dos fenômenos mais raros do Universo

5 anos atrás

Quando os astrônomos aplicaram as leis de Newton a seus modelos tudo funcionou lindamente, até que observações mais precisas da órbita de Mercúrio começaram a desvirtuar do modelo teórica, e em Ciência a regra é clara: se a observação não bate com a teoria, jogue a teoria no lixo.

Foi preciso Einstein e sua teoria geral da relatividade para explicar a precessão do movimento de Mercúrio, causado por ele estar bem fundo no poço gravitacional do Sol, sujeito a forte distorção na estrutura do Espaço.

Tudo ficou bem, até que os cientistas descobriram as galáxias. Quer dizer, conhecidas elas já eram, mas astrônomos da antiguidade se referiam a elas como nebulosas, e achavam que eram estruturas próximas. Só no século 20 foram entendidas como imensos aglomerados de estrelas, muito, muito distantes.

Só que, aplicando as fórmulas de Newton a conta não fecha. As galáxias não conseguiriam se formar, não há massa suficiente. Nem Einstein resolvia o problema. As galáxias só conseguiriam se sustentar se houvesse muito mais massa, de um tipo que não aparecia nos telescópios, daí o nome matéria escura.

Com a adição de matéria escura a conta (quase) fecha, mas essa matéria tem algumas características muito peculiares. Imagina-se que seja um tipo de partícula subatômica desconhecida, que não reage a campos eletromagnéticos, não é afetada e nem afeta fótons, nem interage com matéria normal.

Pior: pra coisa (e por coisa eu digo o Universo), 85% de toda a matéria existente tem que ser matéria escura. Tudo que vemos, sentimos, tocamos e medimos se resume a 15% de tudo que existe no cosmos.

Apesar dessa aversão a contato, a matéria escura não é 100% invisível. Em raras ocasiões ela interage com matéria ordinária, matéria safada, e essa é a esperança de experimentos como o detector XENON1T, do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália.

O conceito é até simples. Primeiro, precisam de um gás nobre, o xenônio. Como você aprendeu na escola, os gases nobres não se combinam com nenhum outro elemento (o que é mentira aliás) e não formam compostos. Por isso são estáveis. O xenônio tem outra característica: quando excitado ele emite um fóton no espectro da luz ultravioleta.

Isso não é nada exótico ou raro, qualquer um já teve o desprazer de pegar na contramão um playboy suburbano com seu Kadett rebaixado e farol de xenônio. Essa disponibilidade do gás é um dos motivos dele ser escolhido para o experimento.

Em um tanque termicamente isolado 3.200 kg de xenônio líquido (-95C) altamente puro são despejados, e detectores de fótons altamente sensíveis (os detectores, não os fótons) são instalados.

Aí temos um problema. Mesmo com as paredes de aço, raios cósmicos de alta energia podem atravessar, excitar (ui!) os átomos de xenônio e gerar falsos positivos. A solução? Instalar tudo num laboratório subterrâneo, debaixo de 1.400 metros de montanha sólida.

Com isso o detector fica protegido de qualquer tipo de interação. Exceto neutrinos, mas aquelas desgraças atravessam 100 anos-luz de chumbo antes de interagir com alguma coisa, então nem contam.

O xenônio também foi escolhido por outro motivo: ele é um elemento muito 8 ou 80, seus vários isótopos ou têm uma meia-vida muito curta ou muito longa, então é fácil garantir que a amostra usada depois de um tempo estará estável.

Isótopos

Um elemento é definido pelo número de prótons em seu núcleo. Um próton, é hidrogênio, dois hélio, oito oxigênio e por aí vai. O número de nêutrons é variável, mas não quer dizer que um elemento com o mesmo número de prótons e nêutrons é mais estável. Alumínio, por exemplo, tem número atômico 13 (13 prótons), mas seu isótopo estável é 27AL, ou seja, alumínio com 13 prótons e 14 nêutrons. 26AL, com 13 de cada um é radioativo e tem meia-vida de 720 mil anos.

Estranhamente fizeram camisinhas de Xenônio.

Essas variações dos elementos são chamadas de isótopos, alguns são instáveis, outros duram pra sempre. Os instáveis sofrem decaimento radioativo, seus nêutrons emitem elétrons e neutrinos, viram prótons e o elemento se torna... outro elemento. O antigo sonho dos alquimistas de transformar chumbo em ouro é perfeitamente viável, mas ironicamente é bem mais simples transformar ouro em chumbo.

Alguns duram frações de segundos, outros dias, outros algumas horas. Isótopos mais instáveis são mais radioativos, no caso do xenônio temos o 127Xe, com meia-vida de 36,4 dias, o 125Xe com meia-vida de 17,9 horas e o 135Xe, com apenas 9.14 horas de meia-vida. Do outro lado temos os isótopos estáveis, que compõe a maior parte do xenônio do mundo. Entre o 128Xe e o 134Xe temos 91% de todo o xenônio, some a isso 8.85% de 136Xe, com meia-vida de 2,165 x 1021 anos e ele é basicamente estável também.

Existe um isótopo de xenônio mais estável ainda, o 124Xe, com meia-vida de 1,8 * 1022 ou 18.000.000.000.000.000.000.000 anos, DEZOITO SEXTILHÕES DE ANOS. A vida do Universo como um todo, segundo as teorias mais recentes, seria de 1014 anos, ou 100 trilhões de anos, ordens de magnitude menos do que a meia-vida do 124Xe.

Só que a beleza da teoria quântica é a incerteza. Se eu deixar um pote com 1 quilo de 124Xe parado por 18 sextilhões de anos, eu vou encontrar meio quilo de 124Xe e meio quilo de telúrio, mais precisamente 124Te. Só que NADA impede que um átomo de 124Xe decaia a qualquer momento. Só é improvável, do mesmo jeito que em teoria a formação de partículas virtuais criadas através da energia do vácuo pode sintetizar uma Luciana Vendramini inteira assim que eu estalar meus dedos.

Claro, a probabilidade é ínfima, mas no caso do xenônio temos até a explicação.

O decaimento radioativo do 124Xe se dá através de um fenômeno chamado captura dupla de elétrons. Normalmente Nêutrons emitem elétrons e viram prótons, ou Prótons emitem Pósitrons e viram Nêutrons. Em alguns casos temos a Captura de Elétrons, quando um núcleo desbalanceado, com carga positiva captura um elétron dos orbitais mais baixos.

Quando isso acontece um próton vira um nêutron e é emitido um neutrino de elétron, uma partícula de carga zero e massa insignificante.

O que é raro, raro mesmo é isso acontecer com DOIS prótons ao mesmo tempo, dada as escalas de tempo e velocidade envolvidas. Nesse caso temos a captura dupla de elétrons, e a raridade desse fenômeno é que torna a meia-vida do 124Xe tão grande.

Por isso foi com IMENSA surpresa que os cientistas detectaram um átomo decaindo de 124Xe para 124Te. É o tipo de coisa que você poderia apostar com qualquer um dos envolvidos a casa, o carro, o fiofó, eles topariam na hora, dizendo que seria basicamente impossível observar esse decaimento.

A própria quantidade de átomos não ajuda. Dos 3.400 kg de xenônio, só 0,095%, ou 3,23 kg eram 124Xe.

Mesmo assim, contra todas as probabilidades...

Esse fenômeno ter sido observado foi muito, muito mais improvável do que você sair pra rua de noite, apontar aleatoriamente pra um ponto no céu, dizer "bang" e uma supernova aparecer.

Ah sim, lembra que eu falei lá atrás sobre a matéria escura manter o Universo funcionando? Pois é. Depois que você computa a matéria escura nas equações, e compara com as observações, descobre que o Universo está se expandindo mais rápido do que deveria, e a velocidade está... aumentando.

A única explicação pra isso é alguma força desconhecida agindo sobre a matéria, e para os números baterem os cientistas batizaram de... energia escura, mas isso é assunto para outro texto.

Fontes:

  1. Observation of two-neutrino double electron capture in 124Xe with XENON1T
  2. Observing the Rarest Decay Process Ever Measured
  3. Dark Matter Detector Observes Rarest Event Ever Recorded

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