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The Happiness of All Mankind, Chernobyl, Episódio 4 – Resenha (com spoilers)

No quarto episódio de Chernobyl, vemos o dia a dia dos soldados responsáveis por matar os animais radioativos e a terrível missão dos "robôs" humanos

5 anos atrás

O quarto e penúltimo episódio de Chernobyl mantém o nível altíssimo da minissérie da HBO, e tem algumas das suas cenas mais fortes até agora. Assim como as minhas três primeiras resenhas, essa tem vários spoilers, assim se você não viu, recomendo que pare de ler agora e assista.

Cena mostra idosa e sua vaca como exemplo da retirada de pessoas da zona de exclusão de Chernobyl

O episódio começa de uma forma diferente, mostrando como exemplo da evacuação da zona de exclusão uma simpática senhora russa ordenhando a sua vaca, enquanto um soldado avisa a ela que ela precisa ir embora dali, pois não é mais seguro ficar na região. A senhora diz que tem 82 anos, que morou nesta casa sua vida inteira, e que ele que ele não é o primeiro soldado a parar na sua porta com uma arma querendo que ela saia de lá.

É tocante ver a reação da senhora sendo obrigada a deixar tudo que tem pra trás. Seu relato dá ao soldado uma pequena mostra da história da Rússia e da União Soviética, enquanto o diretor nos mostra suas fotos da família. O soldado perde a paciência e joga fora o balde com o leite. A senhora pega o balde e volta a ordenhar a vaca, o que o deixa sem nenhuma alternativa a não ser atirar na vaca.

É claro que nenhum animal foi ferido na produção de Chernobyl, como Craig Mazin garantiu no quarto episódio do podcast da série, mas mesmo assim, pra quem ama animais, esse é o simplesmente o episódio mais doloroso até agora, e não é fácil assistir o que acontece na tela.

Lyudmilla Ignatenko em cena do quarto episódio de Chernobyl

Enquanto isso, Lyudmilla, a viúva do bombeiro Vasily, se mudou para Kiev, cidade na qual vai levar adiante a sua gravidez, mesmo tendo sido exposta a uma quantidade imensa de radiação no hospital em Moscou. Se o primeiro episódio se passa em algumas horas, o segundo e o terceiro em algumas semanas, no penúltimo a trama se alonga por mais tempo, e isso é mostrado na série através da gravidez da personagem da atriz Jessie Buckley, que vai permeando as outras cenas.

Vemos então a chegada a Chernobyl do General Tarakanov (vivido pelo ator Ralph Ineson), que era o chefe da Defesa Civil na União Soviética, e tinha sido mostrado rapidamente na série no comitê do acidente em Moscou. Ele, Legasov e Shcherbina começam a planejar como irão remover os pedaços de grafite (extremamente radioativo) do teto da usina, e a missão é conseguir fazer isso sem colocar a vida de nenhum soldado em risco.

Na série, Legasov explica ao General que os telhados ganharam apelidos de mulheres, de acordo com o seu nível de contaminação. A área K (Katya) tinha contaminação de 1000 roentgen (por hora), a área N (Nina na série, Natasha na vida real), até 2000 roentgen e a mais terrível de todas, a área M (Masha), com nível de radiação de 10.000 roentgen, com uma dose fatal em apenas três minutos.

No podcast, Mazin explica que na verdade, foi o próprio Tarakanov que os batizou, inspirados em suas irmãs. Masha era sua irmã mais velha, e possivelmente, a mais temperamental. A primeira ideia para remover o grafite é usar rovers lunares russos, (Lunokhod SRT-1) forrados de chumbo para proteger da radiação.

Além de acompanhar as ações dela e dos personagens principais da série, Legasov, Shcherbina e Ulana, o quarto episódio nos apresenta para novos rostos e novas histórias, como o jovem Pavel (Barry Keoghan), que não é militar, mas foi escalado mesmo assim para trabalhar. Na chegada dele ao acampamento, vemos um pouco do dia a dia dos liquidadores, regado a muita vodka, é claro.

Ele é escalado para controle animal, ou seja, executar os animais radioativos, em sua maioria domésticos, mas que não podem ser deixados para trás. Pavel é treinado por Bacho (vivido pelo ator Fares Fares), um veterano que o avisa que ele deve matar os animais, mas não pode deixá-los sofrer, caso contrário, ele irá matá-lo.

Bacho e Pavel em cena do quarto episódio de Chernobyl

A cena na qual ele ensina Pavel a usar a cueca de chumbo para proteger sua virilha da radiação é inspirada em fatos reais, os soldados realmente usavam restos do material de outras áreas da usina para criarem proteções caseiras. Bacho também mostra a ele várias equipes responsáveis por diferentes ações como cortar árvores e evacuar cidades, entre outras, mas o roteiro da série acaba usando o tal controle animal como exemplo para todas elas.

As investigações de Ulana sobre a causa do acidente a levam para a Biblioteca da Universidade de Moscou, e depois de uma longa pesquisa, ela vai até a bibliotecária e requisita vários documentos. Depois da intervenção do responsável, ela consegue acesso a apenas um dos textos, e mesmo assim, com algumas páginas arrancadas.

A cena clássica do pôster de Chernobyl é deste quarto episódio

Vemos então os liquidadores em ação em tratores, helicópteros, e também a cena icônica da borrifação que acabou virando o pôster da série. Vemos o destino dos rovers, que não duram nem alguns minutos. Tarakanov explica a Legasov que eles estão tentando conseguir um robô da polícia alemã ocidental.

No hospital em Moscou, Ulana tenta novamente conversar com Dyatlov sobre o que ela descobriu na biblioteca, mas ele mais uma vez não parece interessado em colaborar. Incrivelmente, o personagem ainda está incrédulo quanto ao reator ter realmente explodido, o que Ulana resolve mostrando a ele uma foto. Ele então resolve olhar o livro, mas não está disposto a ajudar, pois acredita que possa estar se comprometendo. Ulana diz a ele que não está interessada em culpá-lo, e sim em descobrir a verdade, que segundo Dyatlov, não existe.

O episódio nos mostra a equipe formada por Bacho, Pavel e Garo (Alexej Manvelov) em ação. Bacho explica que Pavel deve chamar os animais assobiando, assim quando eles se aproximarem esperando comida ou abrigo, começar a atirar. A partir daí, os que escaparem irão escondem nas casas, e Pavel deve ir de uma em uma para garantir que nenhum escape.

A cena com filhotes é a mais difícil de assistir, e mesmo que o diretor não mostre nada na tela, cada som de tiro dói na nossa alma. Craig Mazin conta que o roteiro tinha outra cena ainda mais gráfica que chegou a ser filmada, mas que acabou sendo cortada pois o intuito da série não era simplesmente chocar as pessoas. De qualquer forma, o que foi mantido já serve como exemplo da situação que os soldados tinham que enfrentar.

Faixa que dá nome ao quarto episódio de Chernobyl

O título do episódio (A Alegria de Toda a Humanidade) é tirado de uma frase estampada em uma faixa caída em uma cidade abandonada na zona de exclusão, onde os três personagens estão bebendo vodka em um intervalo de um dia de trabalho bastante difícil, tanto para eles quanto para nós, espectadores.

O episódio ainda mostra os animais sendo enterrados, ao som de uma música tradicional russa cantada por Bacho. Mais uma vez temos uma cena de concreto sendo derramado, desta vez não sobre caixões de chumbo e sim sobre os corpos dos animais abatidos.

Voltando a missão de remover o grafite do telhado Masha, algo vital para construir o sarcófago de proteção ao redor do reator, uma das soluções imaginadas é o robô The Joker, criado pela Alemanha Ocidental, e que ele não dura muito tempo até ser inutilizado pela radiação.

Quando Shcherbina descobre que o robô não funcionou por conta da decisão de preservar o regime, vemos o ator Stellan Skarsgård dar um show destilando todo o ódio do personagem em uma ligação. Ao final da cena, deu pena do telefone. Ele conta que a Legasov e Tarakanov que a posição oficial do Estado é que uma catástrofe nuclear global não é possível na União Soviética, e que os alemães tinham sido informados que o nível mais alto de radiação detectado tinha sido de 2000 roentgens, ou seja o número da propaganda, e assim o robô nunca iria funcionar.

O desespero deles pra encontrar alguma solução é bem mostrado pelos três atores, e dá origem a ideias bem malucas, como a sugestão de Tarakanov de atirar nos pedaços de grafite, mesmo com um reator aberto bem ao lado. Segundo o podcast, esse tipo de sugestão realmente foi feita. É aí que Legasov apresenta a terrível solução de usar "bio-robôs", ou seja, soldados que fariam o serviço em um tempo cronometrado. Mais uma vez, o olhar do ator Jared Harris diz muito.

General Tanakarov em cena do quarto episódio de Chernobyl

Vemos o discurso de Tarakanov para os soldados com as instruções do que eles precisam fazer nos 90 segundos que estiverem no telhado. Esse discurso foi retirado de vídeos, e é totalmente real. Nesse momento temos a melhor sequência do episódio, e talvez da minissérie inteira, a que se passa em tempo real no telhado da usina chamado de Masha.

Quando o cronômetro é acionado, o tempo dos soldados em cima do telhado é real, e isso é algo extremamente agoniante para quem está assistindo. A sensação de estar lá junto com os soldados é nítida, muito por conta da incrível direção de Johan Renck, da fotografia de Jakob Ihre e também do efeito sonoro do detector de radiação.

Na terceira vez que assisti ao episódio eu cronometrei a cena no relógio, e de um sinal sonoro até o outro, ela dura exatos 90 segundos, mas como um dos soldados acaba ficando preso em uma pedra, e ainda por cima tropeça em uma poça d'água, a cena se estende por mais 30 segundos do lado de fora, e cada um deles é angustiante.

Em uma cena rápida, vemos que Lyudmilla acaba perdendo o bebê em Kiev, e depois a série nos leva a cidade fantasma de Pripyat, na qual acontece um encontro secreto entre Shcherbina, Legasov e Ulana, longe dos olhos da KGB. Legasov conta a Ulana que Dyatlov, Bryukhanov e Fomin serão julgados pelo acidente, e que eles terão que depor no julgamento.

Legasov também diz a ela que irá a Viena para falar sobre o acidente, e contar a verdadeira história do que aconteceu. Ulana então mostra a ele suas descobertas em Moscou, mas Shcherbina diz que eles não poderão contar a verdade sobre o que causou o acidente, um erro de projeto do reator da usina sobre o qual os funcionários nada sabiam.

Ulana mostra o artigo para Legasov, dizendo que duas páginas foi removidas, mas ele sabe bem o que é documento. Ele então conta de um erro semelhante em uma usina em Leningrado em 1975, mas que não fazia ideia de que isso poderia causar uma explosão no reator. Apesar do aviso ter sido feito 10 anos antes, ninguém tomou nenhuma providência por conta da burocracia e do regime.

Ulana pergunta a Legasov se ele vai contar a verdade, mas Shcherbina diz a ela que ela está sendo ingênua. Ulana diz que existem 16 reatores RBMK em funcionamento na União Soviética, e que eles precisam tornar o caso público para que todos para que eles sejam corrigidos.

Shcherbina então conta a ela como as coisas funcionam na União Soviética, dizendo que a KGB irá atrás da família de Legasov se ele contar a verdade, e que tudo pode ser resolvido em um acordo secreto. Ulana então conta a ele como Lyudmilla Ignatenko perdeu seu bebê, e que sua médica disse que a mãe só sobreviveu por o feto ter absorvido toda a radiação a qual ela foi exposta.

Voltamos a usina, e mais um discurso de Tarakanov, desta vez dizendo aos soldados que eles são os últimos de 3.828 homens "bio-robôs" dedicados a remover os destroços radioativos do telhado. Mais uma vez, o incrível discurso do General é real, e foi retirado de vídeos feitos nesse momento histórico.

Alguns podem interpretar Chernobyl como uma crítica pura e simples a União Soviética, mas ele vai muito além disso. É claro que a série não poupa a ridícula burocracia da União Soviética dos anos 80, que permitiu que algo assim acontecesse e ainda fosse acobertado por um tempo, mas ela também nos mostra os grandes heróis que evitaram o pior em ação.

Todos nós devemos muito a cada um destes "bio-robôs", verdadeiros heróis em uma missão praticamente suicida, que sacrificaram boa parte de suas vidas para proteger a humanidade de uma catástrofe nuclear muito pior, e os heróis que conseguiram conter o acidente eram todos cidadãos soviéticos.

A cena que termina o episódio mostra Lyudmilla olhando pro nada na maternidade do hospital enquanto escuta o choro dos bebês de outras mães, sem acreditar no que ela fez com a sua vida.

Leia também nossa resenha do último episódio de Chernobyl, Vichnaya Pamyat.

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