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Resenha: SHAFT, o filme que a Netflix não quer que você assista

5 anos atrás

Assim, na lata: Tem um Shaft novo com o Samuel Jackson na Netflix. Não é o de 2000, é zero-bala, de 2019, com pegada mais de comédia e excelente, mas ninguém está falando dele.

Shaft foi lançado nos cinemas nos EUA dia 14 de Junho, mas no resto do mundo a distribuição ficou a cargo da Netflix, que por sua vez parece meio desconfortável. Até faz sentido. Shaft é produto de outra geração, não combina com os tempos modernos, politicamente corretos e os millenials que abundam na Netflix.

Shaft é um fenômeno cultural, um dos filmes que deu início ao cinema de Blaxploitation, no comecinho dos Anos 1970.

Tudo começou quando Hollywood se tocou que o Black Money era verde como qualquer outro, e que havia toda uma comunidade negra que estava cansada de ser coadjuvante, queria ser herói de suas próprias histórias, e mais ainda: Queria histórias como as que estavam acostumados a ver no cinema com protagonistas brancos.

O resultado foi hilário, emocionante e inovador, com filmes improváveis como Blácula e...

A Blaxploitation abriu espaço para negros em todas as áreas. Atores, técnicos, diretores, produtores e... músicos. Em plena era da discoteca Funk, Soul eram as grandes trilhas dos filmes, a ponto de em 1971 Isaac Hayes (sim, o Chef de South Park) ganhar um Oscar de Canção Original pelo tema de Shaft.

Shaft é o Star Wars da Blaxploitation, com a diferença que todos os lados são negros, menos os vilões, que são italianos. Na história John Shaft é uma figura idealizada, o Alfa Black, Negão Responsa, que não leva desaforo pra casa, Shaft é violento mas justo, defende a comunidade, os homens o invejam e as mulheres o desejam. Ele foi chamado de James Bond Negro, mas a verdade foi dita em uma cena do filme novo, quando o filho de Shaft diz sobre o pai "não ligue, ele acha que é o James Bond Negro", ao que Shaft responde:

"Bitch please, se aquele motherfucker existisse ele acharia que sou eu"

No cinema a versão original durou por três filmes com Richard Roundtree no papel principal, culminando no inacreditável Shaft in Africa, de 1973. Depois disso ator e personagem foram parar em uma série de TV que durou 7 episódios de 0 minutos, mas era um Shaft completamente amaciado, sem a nudez, palavrões e violência do original.

Em 2000 Shaft voltou aos cinemas com Samuel Jackson no papel de John Shaft II, sobrinho do Shaft original, que também aparece no filme. Sim, ainda é o Richard Roundtree.

Em essência ele era o mesmo personagem do tio, um detetive particular, ex-policial que cansou de trabalhar pro "Homem" e decidiu levar Justiça para a comunidade negligenciada pela sociedade. Shaft é tudo que há de errado com o mundo (segundo o Tumblr): Masculinidade tóxica, um código de honra pessoal estilo "homem não chora", ele bebe e fuma, transa sem ser por amor e resolve os problemas na porrada.

Ou seja: Ele é igual a TODOS os detetives de cinema, TV e livros até o final dos Anos 80, e foi libertador para o público americano ver um negro agindo tão impunemente quanto Kojack, Baretta, ou Bogart em quase todos os seus papéis.

Em 2000 Shaft já não teve tanto impacto, afinal de contas o público já estava acostumado com detetives negros, de Roger Murtaugh a Axel Foley, mas mesmo assim faturou apreciáveis US$100 milhões, ficando em 33º lugar na bilheteria, na frente de filmes como Homens de Honra, Limite Vertical, 102 Dálmatas e Almost Famous.

A versão de 2019 retoma Samuel Jackson como Shaft, mas agora ele tem... um filho. Sim, por inacreditável que pareça John Shaft não usava camisinha.

JJ Shaft (Jessie Usher)  é um mauricinho. Criado pela mãe, mantido longe do pai para não pegar as más influências, ele quase não bebe, é moço respeitador que não sabe como cortejar a moça que aquece de longe seu puro coração. Não tem álcool em casa, só água de coco. Detesta armas e trabalha pro FBI, mas não é um agente, é um nerd. Analista técnico, trabalha com computadores.

Quando um amigo de JJ morre de uma suposta overdose a polícia e o FBI não acreditam que há algo suspeito, e JJ decide investigar, mas seu jeito de mauricinho e sua falta de jogo de cintura nas ruas do Harlem fazem com que ele leve uma surra de uma gangue de traficantes.

Ele decide então apelar para o pai, que não vê desde criança e acha que o negligenciou, mas na verdade a mãe impediu Shaft de ver o filho, e escondia todos os presentes, menos os politicamente incorretos, como camisinhas e revistas pornográficas.

O filme então se desenvolve como o clássico filme policial com uma dupla de dois tiras, incompatíveis mas tendo que trabalhar juntos. Shaft tenta se aproximar do filho, que é almofadinha demais para aceitar o modo de vida do pai, mas acaba se rendendo.

JJ reclama que Shaft é sexista, violento, faz coisas ilegais o tempo todo e nunca pede desculpas por nada, mas percebe que ali, na realidade das ruas as coisas funcionam de forma diferente do que ele aprendeu no Tumblr.

A grande sacada de Shaft 2019 é que JJ não é um banana. Ele sabe se defender, e o faz magistralmente quando ele e Sasha, sua amiga / médica / crush de infância são atacados pelos traficantes vilões malvadões. A cena toda é um tapa na cara no discurso pacifista violência não leva a nada, com Sasha ficando visivelmente excitada ao ver JJ dar conta de vários assassinos, sem nem pestanejar.

A Violência

Estranhamente o filme é bem menos violento do que poderia ser. A maioria dos tiros miraculosamente atinge ombros e pernas, e Shaft só tortura um bandido uma vez. O confronto final com os 3 Shafts (sim, Richard Roundtree também está nesse filme, como poderia não estar?) tem seus momentos, mas também é bem menos violento do que um episódio de Demolidor.

AH sim, os produtores penaram pra achar a arte marcial menos ameaçadora e mais millenial possível para JJ lutar: Capoeira.

Apesar do choque de gerações, Shaft não é um veículo para dizer que millenials são desprezíveis e insuportáveis, Shaft e JJ aceitam que cada um na sua é a melhor forma de conviver. JJ diz que não gosta quando Shaft usa o termo "nigger", e Shaft por sua vez continua usando normalmente. Shaft sabe que não é mais seu papel criar o filho.

Aliás nessa versão Samuel Jackson passa a ser filho do John Shaft original, ele até explica que o pai, que era péssimo, passou muito tempo mentindo que era tio dele.

Outra curiosidade: Em Django Livre o protagonista passa o filme tentando libertar a esposa, também escrava. No final descobrimos que a esposa do chutador de bundas Django foi batizada pelos antigos mestres e se chama...

Broomhilda Von Shaft.

Tarantino criou uma obra prima de faroeste e Blaxploitation e como cereja do bolo transformou seu protagonista em antepassado do Shaft, insinuando toda uma geração de chutadores de bundas.

Ah, Netflix

Infelizmente todo o entusiasmo pelo filme de 2019 parece não ter sensibilizado a Netflix. Um monte, um monte mesmo de gente veio comentar comigo que tinham visto a chamada, Shaft com Samuel Jackson e passaram direto, achando que era o filme de 2000. Eu que sou alérgico a teorias conspiratórias, comecei a sentir um cheiro de uma ligeira campanha de desinformação, uma forma de enterrar o filme no fundo do catálogo, pois ele não reflete os valores que a empresa defende.

Pois bem, Netflix, lamento informar mas não deu certo. Um monte de gente já está sabendo que Shaft está de volta, desbocado, mulherengo, chutando bundas e, como um blog de floquinhos ofendidos definiu em sua resenha, "machista, homofóbico e contrário aos direitos humanos".

Ele é isso tudo? Claro que não. Ele é Shaft, ele só vai ser contra você se você for um bad mother (Shut your mouth)!

Conclusão:

Shaft não é um filme que vai mudar o mundo, não tem denúncia social, usa e abusa de estereótipos, e é propositalmente ofensivo pros ofendidos profissionais. Também não tem um grande orçamento, custou entre US$25 e US$30 milhões, então não espere Thanos nesse. É um filme de um personagem de um tempo que não existe mais, mas que não se agarra à realidade como um fóssil. Shaft tem luz própria, a realidade é quem se agarra a ele!

Cotação:

5/5 Alexandras Shipp, afinal eu não vou fazer uma resenha incorreta de um filme politicamente incorreto e não aproveitar pra mostrar essa tchutchuquinha.

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