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A NASA realmente descobriu um universo paralelo onde o tempo anda para trás?

A notícia de que um universo paralelo foi descoberto pela NASA correu a Internet mas em verdade, nada disso aconteceu. Leia e desvende o sensacionalismo

4 anos atrás

Não. A NASA não descobriu um universo paralelo aonde o tempo anda para trás. É tudo groselha de imprensa sensacionalista e jornalismo científico feito por estagiários, relaxe.

OK, quer uma explicação mais detalhada? Eu explico, mas como diz o Lito, senta que lá vem história. Vamos ter que entender alguns conceitos e então você verá a imensa bobagem que estão espalhando por aí...

Essa história toda envolve neutrinos, mas que diabo são neutrinos? Por muito tempo eles foram apenas partículas teóricas, mas eles estão entre nós. Faça isto: Olhe para a ponta do seu dedo. neste exato momento 100 bilhões de neutrinos vindos do Sol estão atravessando-o. Sentiu o formigamento? OK, pare de show, entre as características dos neutrinos está a baixíssima capacidade de interagir com matéria normal.

Um neutrino pode atravessar 100 anos-luz de chumbo antes de colidir com um átomo, então há pouquíssimas chances de seu dedo ser atingido, afetar o DNA e ele ter filhos-dedos esquisitos com os dedinhos da Eliana.

Claro, a muito custo conseguimos desenvolver equipamentos para detectar neutrinos. Um desses equipamentos é o japonês (claro) Super-Kamiokande, um detector que consiste em uma câmara com 15 andares de altura, 50 mil toneladas de água ultra-pura e 13 mil fotomultiplicadores, tudo 1km dentro de uma montanha.

Esses detectores não só conseguem identificar neutrinos, como sua direção e, mais importante, sua energia em elétrons-volt. O eV é uma unidade que indica a quantidade de energia cinética de uma partícula, mas também é usada como unidade de massa (eu falei que era complicado).

Energia cinética é fundamental, se um millenial vegano lançar com as mãos uma bala de 30mm contra você, nada vai acontecer, ele nem vai conseguir levantar o projétil do chão.

Já se o mesmo projétil for disparado do canhão GAU-8 Avenger de um A-10, a uma velocidade de 1Km/s um tiro desses é suficiente para te cortar ao meio.

Partículas com mais energia interagem com mais partículas à sua volta, quanto menos energia mais difícil detectar o bicho. Neutrinos em repouso têm uma energia potencial de menos de 2eV, e isso é muito próximo de nada. O Super-Kamiokande detecta neutrinos bem mais energizados, na faixa de 5.5 a 20MeV. 10 milhões de vezes mais energia parece muito, mas ainda não é quase nada.

Um mosquito em voo tem energia equivalente a 1TeV, um trilhão de elétrons-volt.

Detectores de neutrinos são populares na Antártica, pois ficam longe de fontes de ruído eletromagnético, e os vários quilômetros de gelo funcionam como filtros para outras partículas e raios cósmicos.

Entre esses detectores temos o Icecube Neutrino Observatory: Ele foi fundamental nessa bobagem que estamos esclarecendo.

Junto com o IceCube, há outro experimento, um telescópio de neutrinos chamado... ANITA (Antarctic Impulsive Transient Antenna) ele consiste de um conjunto de antenas e detectores presos a um balão flutuando a 35 mil metros de altitude e apontado para... baixo. Ironicamente é mais fácil detectar neutrinos através da Terra do que olhando para cima.

Nós detectamos as colisões dos neutrinos com outras partículas, para cima temos apenas uns 80Km de atmosfera rarefeita, para baixo temos pelo menos 4000 metros de gelo, milhares de vezes mais denso do que o ar. E como raios cósmicos teriam que atravessar toda a Terra até chegar no ANITA, o planeta serve como um filtro, só conseguem chegar até ele resultados de colisões próximas, e somente neutrinos têm chance de atravessar o planeta antes de atingir algo.

Exceto que ANITA captou colusões de neutrinos de alta energia, na faixa de 1018eV, e isso, bem, não é possível.

Anita, pronta para voar.

Matéria comum é extremamente transparente para neutrinos, mas da mesma forma que um espelho reflete luz normal sem problemas mas é derretido por um laser, um neutrino de altíssima energia não tem chance de atravessar a Terra sem atingir nada bem antes de chegar no gelo da Antártica.

Imagine um neutrino de baixa energia como uma hipotética criança educada andando calmamente entre as mesas de um restaurante. Um neutrino de alta energia é uma daquelas crias de satã que correm entre as mesas agitando os braços e derrubando copos de chopp, e eventualmente enfiando a mão na sua batata-frita, pegando um punhado e saindo correndo (caso real).

Quando os cientistas usando o ANITA detectaram dois eventos com neutrinos de alta energia, tentaram formular explicações, que caem em três categorias:

1 – Falhas de Equipamento

Alguns anos atrás surgiu uma notícia de que neutrinos se movendo acima da velocidade da Luz haviam sido descobertos. No final era apenas interferência nos cabos de alguns equipamentos. Talvez os eventos detectados pelo ANITA sejam um mau-contato, um detector com defeito ou um pico de voltagem.

2 – Efeitos Ambientais

Raios cósmicos atingindo os detectores, alguma interação desconhecida entre o gelo e neutrinos normais, um evento cósmico como uma explosão de raios gama, esses eventos podem ter gerado a anomalia.

3 – Uma nova Física

Talvez os neutrinos de alta energia consigam atravessar a Terra sem nada atingir se todo o Modelo Padrão que descreve tudo que conhecemos sobre física de partículas esteja errado. OU, se for o caso, um modelo matemático bem esotérico e improvável permita esse comportamento dos neutrinos.

Essa explicação é complicada, o Modelo Padrão se sustenta muito bem.

Claro, ele tem lacunas, como a gravidade, que não se encaixa direito, mas imagine assim: Você ganha um bolo de chocolate. Mesmo sem saber a receita, prova o bolo e identifica que contém leite, chocolate, ovos. Talvez não saiba todos os ingredientes, nem as quantidades, mas através de experimentação consegue identificar mais e mais componentes, suas proporções e cria bolos cada vez mais parecidos.

O que absolutamente não pode acontecer é você experimentar os ingredientes do bolo de chocolate e tirar do forno uma lasanha. Isso seria uma violação do Modelo Padrão.

Preliminarmente os dois primeiros fatores, efeitos ambientais ou falha sistêmica foram descartados, mas isso não quer dizer que os cientistas saíram correndo atrás de universos paralelos. Primeiro de tudo, eles respeitam esse cara aqui:

O nome dele é Guilherme de Ockham (1287 – 1347), ele foi um frade, teólogo e filósofo que formulou um princípio usado até hoje, chamado Navalha de Occam.

Basicamente ele determina que dado um problema com duas soluções igualmente satisfatórias, a mais simples em geral é a correta. Imagine que você escuta um galope na rua. Uma possibilidade é que algum carroceiro está passando, recolhendo sucata, mas também é possível que uma zebra tenha fugido do zoológico e veio parar na sua rua.

As duas soluções explicam o som do galope, mas uma é muitíssimo mais provável do que a outra.

A Navalha de Occam é sistematicamente ignorada por teóricos da conspiração e ufeiros em geral, que acreditam que é mais provável um círculo em plantação ser obra de uma espécie alienígena que viajou centenas de anos-luz para amassar mato, do que o negócio ser feito por desocupados com uma tábua, uma corda e um bom suprimento de uísque.

E de onde veio o Universo Paralelo?

O pessoal da Física Quântica gosta de de vez em quando deixar a imaginação rolar solta, e um caso desses resultou em um paper que criou um modelo aonde o neutrino de alta energia seria possível, pois seria fruto da simetria CPT (Carga, Paridade, Tempo) em um modelo aonde dois universos seriam criados no Big Bang, um de matéria, outro de antimatéria, e uma partícula criada em um apareceria em outro também.

Obviamente essa explicação é só uma curiosidade matemática, estamos falando de dois eventos mal-explicados em um aparelho delicado no meio da Antártica, as chances disso ser razão suficiente para justificar um Universo inteiro são mínimas. Como disse o Dr James O’Donoghue, cientista planetário:

“E pensar que eu sou cuidadoso o suficiente para omitir dados de Júpiter quando o ruído está um pouco mais alto, apenas para ver outras pessoas dobrarem o número de universos apelas para explicar seus resultados”

A mídia sensacionalista, claro, não quer saber desses detalhes. Os jornaleiros começaram a pesquisar papers, de vez em quando achavam uma palavra que entendiam, e montaram um cenário insano e astronomicamente improvável. Equivale a eu chegar atrasado no serviço, e ao invés de dizer que perdi o ônibus, falar que estava servindo café na cama para a Luciana Vendramini.

Já existem vários papers trabalhando hipóteses mais prováveis, ninguém que valha seu PhD está pensando em universos paralelos ou novas Leis da Física. É possível? Sim, mas imensamente improvável, demais para pensarmos nesse tipo de hipótese tão cedo.

O que aconteceu afinal?

Um detector de neutrinos na Antárctica detectou dois eventos que teoricamente não poderiam existir. Podem ser falhas de metodologia, ruído no sistema, alguma interação ambiental desconhecida. Jornalistas sensacionalistas interpretaram errado papers sobre o caso e inventaram toda uma ficção sobre a NASA ter detectado um Universo Paralelo aonde o tempo anda para trás.

ANITA sequer é um projeto só da NASA, é um consórcio com 11 instituições, do University College de Londres ao JPL, passando pela Universidade Nacional de Taiwan e a Universidade do Kansas.

Basicamente conseguiram transformar duas partículas subatômicas em um Universo inteiro, tudo atrás de cliques.

O que realmente realmente aconteceu?

OK, é informação secreta mas não tem jeito, iria vazar. Os neutrinos de alta energia detectados pelo ANITA foram emitidos por uma instabilidade no stargate do Site Beta, que todos sabemos, fica na Antártica.

Fontes:

  1. Robles-Pérez, S. J. (2019). Time Reversal Symmetry in Cosmology and the Creation of a Universe–Antiuniverse Pair. Universe5(6), 150. doi: 10.3390/universe5060150
  2. Illuminati, G., Coleiro, A., & Barrios, J. (2017). Search for time correlations between ANTARES neutrino candidates and IceCube/High-Energy Starting Events. Proceedings of 35th International Cosmic Ray Conference — PoS(ICRC2017). doi: 10.22323/1.301.0987
  3. Anchordoqui, L. (2018). Upgoing ANITA events as evidence of the CPT symmetric universe. Letters in High Energy Physics1(1), 13–16. doi: 10.31526/lhep.1.2018.03
  4. ChoSep, A., PriceMay, M., ServiceMay, R. F., VogelMay, G., CohenMay, J., HeidtMay, A., … HeidtApr, A. (2018, September 27). Oddball particles tunneling through Earth could point to new physics. Retrieved from https://www.science.org/content/article/oddball-particles-tunneling-through-earth-could-point-new-physics

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