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Convertiplano: como o Brasil teve seu próprio Werner Von Braun

O Convertiplano era um projeto adiante de seu tempo, criado por um genial engenheiro alemão em um país improvável: o Brasil

4 anos atrás

Para chegarmos no convertiplano, vamos voltar um pouco no tempo. Acompanhe, gafanhoto...

Com o fim da Segunda Guerra Mundial os americanos organizaram a Operação Paperclip, que concederia asilo e cidadania para mais de 1600 cientistas, engenheiros e técnicos alemães envolvidos com o programa dos foguetes V2. Embora controversa, essa operação viabilizou a Pesquisa Espacial nos EUA e em última análise, o pouso na Lua.

O Brasil, de forma mais modesta, teve basicamente a mesma ideia.

Ao contrário do nosso patético programa espacial, a aviação foi pensada como indústria desde sua fundação. Em 1941, quando foi criado o Ministério da Aeronáutica a doutrina previa, entre outros objetivos:

  • Integração de infra-estrutura aeronáutica para uso comum, civil e militar, com grande economia de meios;
  • Lançamento das bases para implantação definitiva da indústria aeronáutica brasileira;
  • Institucionalização da pesquisa, com vistas ao desenvolvimento tecnológico

Note que implantar a indústria E fomentar pesquisa eram duas diretrizes diferentes. O Brasil iria investir diretamente em pesquisa, pois como disse o Coronel Casimiro Montenegro Filho, responsável pela implantação do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e do CTA (Centro Técnico de Aeronáutica), em São José dos Campos:

“Antes de produzirmos aeronaves, precisamos produzir engenheiros”

A estratégia (em inglês, strategy, em grego, strategos...) era simples: O ITA formaria os engenheiros, e no CTA eles pesquisariam e desenvolveriam novas tecnologias.

Para isso era preciso um plano, felizmente assim como os cilônios, nós tínhamos um, que começou em maio de 1945, quando foi trazido para o Brasil o Professor Richard Smith, chefe do Departamento de Aerodinâmica do Massachusetts Institute of Technology (MIT), pioneiro da engenharia aeronáutica, rei da cocada afro-brasileira, capo di tutti capi.

Ele foi o principal encarregado de formular os planos para a criação do ITA e do CTA, e em agosto do mesmo ano já havia um projeto preliminar, pensando um modelo de aviação nacional, com aeronaves voltadas para a nossa realidade, que era de um país muito grande com combustíveis caros e importados, o que exigia aeronaves com menor consumo, mesmo abrindo mão de velocidade e altitude, comparadas com aviões de países mais ricos e hidrocarbonetamente privilegiados.

Smith foi o primeiro reitor do ITA, que para formar engenheiros e principalmente professores de engenharia, precisava de professores, que foram devidamente importados de vários países, como EUA, China e... Alemanha, como Francis Dominic Murnaghan, Theodore Theodorsen, Charles Ingran Stanton, F. C. Philips, J. Younger, R.N. DuBois, T. V. Jones, Heinrich Peters, R. M. Otto Weinbaum, W. Kotenberg e Henrich Focke.

Os últimos nomes soam alemães e o são. Vários engenheiros que trabalharam ativamente no lado errado da Segunda Guerra Mundial foram parar no Brasil, e estão entre os docentes fundadores do ITA/CTA.

Em especial o último nome lembra alguma coisa, né? Que tal isto?

É um Focke-Wulf 190. Henrich Focke foi fundador da Focke-Wulf, e como seus olhos de águia não deixam escapar nada, você deve ter reparado na suástica na traseira do avião.

Pois é, a Focke-Wulf foi uma das empresas fundamentais para a Luftwaffe e o 3º Reich. Em 1936 ele teve alguns desentendimentos com o Partido Nazista, e foi convidado a se afastar da empresa, mas o Reichsluftfahrtminister, Herman Göring, viu o trabalho que Focke estava desenvolvendo com helicópteros, e sugeriu que ele abrisse uma empresa nessa área. Surgiu então a Focke-Achgelis.

Henrich Focke de óculos ao lado de, bem... outro sujeito aí.

Entre outros projetos ele desenvolveu o Focke-Achgelis Fa 330, um autogiro que era rebocado por submarinos e usado como plataforma de observação. No final da guerra ele Focke trabalhava no Schnellflugzeug, uma aeronave de decolagem vertical, mas o projeto não foi adiante por motivos de os nazistas perderam a guerra e a Alemanha perdeu o direito de projetar e construir aviões.

OK, sendo honesto isso é menos voar do que soltar pipa com estilo.

Diante do que com certeza foi uma proposta indecente, Henrich Focke veio para o Brasil em 1952 para trabalhar no CTA em um projeto inusitado: O Convertiplano.

Durante a Guerra Focke desenvolveu o projeto do Focke-Achgelis Fa 269, um avião que decolaria como um helicóptero, depois giraria os rotores e voaria como um avião. Igual faz o Bell Boeing V-22 Osprey.

Eles chegaram a construir e testar vários modelos em túneis de vento, construíram um mock-up em tamanho natural, construíram a complicada transmissão variável, mas em 1944 os aliados bombardearam a fábrica, muito do avião foi perdido e o projeto foi cancelado.

O Convertiplano era uma versão modernizada do Fa 269.

Projetado para ter quatro hélices, duas na frente nas pontas das asas e duas atrás presas em pilons, o Convertiplano decolaria e pousaria na vertical, voando a 500Km/h com alcance de 1500Km, ideal para as condições brasileiras, aonde cidades menores poderiam construir com muito mais facilidade um descampado do que uma pista de pouso convencional.

Para ganhar tempo, o avião usaria as asas e a cauda de um Spitfire, adquirido pelo adido militar brasileiro na Inglaterra. O avião foi comprado sem motor, mas isso foi planejado. Eles iriam usar um motor turbohélice de 3000hp Double Mamba da britânica Armstrong Siddeley, mas o que ninguém imaginava era que a empresa se negaria a vender seu equipamento mais avançado para um programa avançado de um avião revolucionário projetado por um ex-colaborador da Alemanha Nazista.

OK pensando bem talvez fosse um problema previsível.

O jeito foi adaptar o projeto para usar um motor radial Wright 3350, que pesava bem mais (1212Kg vs 320Kg do Double Mamba) e era bem menos potente, 2200hp.

Com isso o Convertiplano teve seu tamanho reduzido, originalmente ele levaria dois pilotos e quatro passageiros, com a perda de potência o compartimento de passageiros foi eliminado, restringindo o avião ao transporte de carga.

Como em 1952 o Brasil tinha a mesma capacidade industrial do Condado, os rotores forem feitos na Suécia, e a complicada transmissão foi projetada por Willi Bussmann, um dos vários engenheiros alemães trazidos por Focke para o projeto. Construída na Alemanha pela BMW, a geringonça impressionava, sendo capaz de transferir o torque do motor para os quatro conjuntos de hélices, mesmo durante a rotação de voo vertical para horizontal.

Claro, nem tudo são flores, e a mudança de motor a jato para um radial, com cilindros convencionais introduziu um monte de vibrações indesejáveis.

Em 1953 com a transmissão já no Brasil uma estrutura de testes foi construída, o motor Wright instalado e os sistemas acionados, foi quando descobriram as vibrações. Ao mesmo tempo a fuselagem estava sendo construída, mas o projeto estava ficando cada dia mais caro e menos versátil.

A Aeronáutica viu que ficaria com um avião fraco demais, que não compensaria seu custo.

Foi sugerida uma modificação na qual o Convertiplano HC-1b seria ampliado para o Convertiplano HC-II, com o retorno da cabine de passageiros e o uso de quatro motores a jato General Electric T58, de 1400hp cada, mas esse não saiu do papel.

Em 1954 Heinrich Focke voltou para a Alemanha, mas deixou dois legados importantes:

O primeiro, o Beija-Flor I, um projeto do que se tornaria o primeiro helicóptero projetado e construído no Brasil. Ele voou pela primeira vez em 1959, mas o Governo não soube o que fazer com ele, e nunca se tornou um produto comercial.

O segundo legado, foram as dezenas de engenheiros e técnicos alemães que vieram com Fock para o projeto do Convertiplano. A maioria voltou para casa, mas vários ficaram em São José dos Campos, e foram parte do primeiro quadro de funcionários da Embraer.

Com o súbito envenenamento por chumbo que vitimou Getúlio Vargas em 1954, o Brasil passou por um período bem confuso, e no meio ao bundalelê reinante, o projeto do Convertiplano foi cancelado em 1955, e custou o equivalente hoje a US$ 78 milhões.

Foi uma pechincha, estamos aproveitando os benefícios desse investimento até hoje, a Embraer é referência mundial, exemplo do Brasil Que Deu Certo e São José dos Campos é repleta de empresas de alta tecnologia.

ITA, em São José dos Campos

Óbvio, é inegável que assim como a NASA, a indústria aeronáutica brasileira teve sua origem em um monte de gente de passado questionável, mas a regra é clara: Namorada, esposa e cientista alemão, não têm passado. É uma atitude que exige um certo malabarismo moral, mas extremamente pragmática, talvez facilitada pela simpatia que Vargas tinha com a Alemanha.

A importação de cérebros (nos primórdios do ITA/CTA havia professores e pesquisadoresde 16 países), o investimento em educação de excelência, um projeto claro de longo prazo conseguiram que mesmo com um fracasso, o Convertiplano, muita coisa fosse aprendida, e o Brasil de importador virou exportador de engenheiros aeronáuticos, com alunos estrangeiros fazendo fila para ingressar no ITA.

Embraer C-390 Millennium. Quando a gente quer a gente faz.

Infelizmente essa foi uma rara ocasião na História em que o Brasil acertou alguma coisa que não fosse uma bola de futebol.

Fontes:

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