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Exército quer criar um America’s Army made in Brazil

O Exército brasileiro quer fazer um game pra promover sua imagem. O que não faz muito sentido é quererem que ele saia em 2021.

4 anos atrás

Sendo realista, a proposta do Exército não vai acontecer, a coisa toda é vaga demais, e a menos que muita gente ganhe muita coisa por fora, não há como viabilizarem a ideia do jogo, o que é sinceramente uma pena.

Para resumir, o Exército Brasileiro soltou uma portaria dando início ao Projeto Missão Verde-Oliva, uma iniciativa para promover a imagem da corporação através de um videogame.

Um monte de gente “denunciou” que a ideia era antiga, mas o uso de videogames por militares vem bem antes do 2002 do lançamento do America’s Army. Em 1996 os Fuzileiros Navais americanos já usavam o Marine Doom, uma versão adaptada do clássico jogo, e jogos, mesmo de tabuleiro sempre fizeram parte do treinamento militar.

O America’s Army, entretanto, não foi pensado originalmente como peça de treinamento. Ele era uma ferramenta de recrutamento, criada para mostrar aos jovens gamers como era o ambiente de combate, como funcionava uma missão do Exército, e reconheço que o jogo fez isso bem.

America’s Army era extremamente chato, você passava horas em sessões de planejamento, tinha que cumprir todos os comandos com precisão cirúrgica e sair atirando pra todo lado era em geral morte certa. E nada de tocar uma rajada de .50, trocar duas placas de kevlar e seguir adiante.

Mesmo assim o jogo fez sucesso entre os gamers hardcore, até hoje foram 41 versões entre variações, novos jogos e ports para consoles. Tudo disponível di grátis, afinal foi feito com verba pública.

É isso que o Exército Brasileiro quer fazer. Na Portaria Nº 119-EME de 30 de Abril de 2020 (cuidado, PDF) é dada a partida no projeto. Uma comissão foi criada para comissão para produzir um estudo de viabilidade para a produção de um videogame, moderno, gratuito e que simule ações do Exército Brasileiro. Vários cuidados foram definidos já nessa fase preliminar:

  1. Nada de sangue excessivo. O jogo não deve glorificar violência, ou seja, esqueça visuais estilo Sniper Elite III;
  2. Fogo amigo deve ser severamente punido; as regras de engajamento devem ser respeitadas e a punição será manter o jogador fora do jogo por determinado tempo;
  3. Avatares serão totalmente customizáveis, refletindo as características étnicas do povo brasileiro (Imagina se é o PT que propõe isso, a choradeira);
  4. O inimigo será um país invasor fictício/aliança de países invasores fictícios. Não poderá haver correspondência com nenhum país real. Mas a gente sabe que vai ser Argentina ou Venezuela;
  5. O jogo demonstrará cuidado com a preservação do meio ambiente (vide regra 3).

Agora a melhor parte: “O game deverá mostrar combate urbano, mas não em áreas de comunidades em situação de fragilidade social.” - uma forma politicamente correta de dizer que o jogo não pode ter fase em Favelas, o que é uma imensa bobagem. Max Payne e Modern Warfare 2 tiveram ótimas fases em favelas, e ninguém morreu ou fez passeata por causa disso.

Por causa do politicamente correto vão abrir mão de um cenário ótimo para guerrilha urbana, ainda mais com o inimigo não sendo nenhuma quadrilha de traficantes, seria uma ótima oportunidade de dificultar a fase, com um ambiente rico em danos colaterais.

De qualquer jeito, bobagem se preocupar com isso. O Estudo de Viabilidade tem três meses para ser feito, e nesse meio-tempo não se sabe quanto o jogo vai custar, quem vai produzir, nada.

O que se estima é um valor de R$50 milhões, que o Exército definitivamente não tem sobrando em alguma caixa de canjiquinha escondida no fundo de um armário. Esse valor é irrisório para produzir um game AAA, ainda mais com a projeção de 3 milhões de usuários cadastrados e 15000 online simultaneamente.

Só o custo de manter essa infra no ar, já é assustador, mas pânico mesmo, é o prazo. A tal portaria quer que o jogo esteja no ar em 2021.

Isso mesmo que você leu, querem fazer um jogo FPS de guerra com temática brasileira, começando em outubro de 2020, pra ficar pronto em algum momento de 2021. Parou de rir? Eu espero.

A ideia de usar um videogame como peça de propaganda não é nova, e todo mundo usa. O 3rd World Farmer denuncia as dificuldades dos agricultores dos países do Terceiro Mundo, e empresas como a Ubisoft não temem discutir temas políticos em seus games.

A PETA cansou de fazer campanhas bobas como acusar o Pokemon de promover “crueldade com animais”, a Melhor Coréia lançou um jogo aonde você “caça ianques imperialistas”, e por um tempo a China manteve no ar um tal de Anti-Japan War Online, um jogo cujo nome é mais que autoexplicativo.

Se é uma boa ideia o Exército Brasileiro fazer isso, aí são outros 500. Estamos defasados em termos de equipamentos, embora aquela história de só termos munição pra 30 minutos de guerra seja intriga da oposição. Mostrar uma tropa em 2025 usando equipamento dos Anos 80 fica meio... Ridículo.

Leopard 1A5 do Exército Brasileiro. Primeira unidade saiu da linha de montagem em 1987.

Por outro lado, desenvolver um game AAA é um uso muito mais produtivo de verba de propaganda do que veicular anúncios que serão imediatamente esquecidos.

Ao mesmo tempo todo um setor da sociedade que não é fã das forças armadas já está metaforicamente pegando em armas, pois na cabeça deles é feio promover uma imagem positiva do Exército. Pode ser que o feedback negativo da campanha seja maior que os resultados positivos, mesmo que no documento apresentado o Exército pense diferente.

Se o EB me permite, existe uma forma de promover a imagem da corporação usando videogames, fugindo dessa percepção de que é feio falar bem do Exército, e escapando do constrangimento de usar equipamento obsoleto, que será zoado por todo gamer mais viciado:

Voltem ao passado. Ao invés de um jogo no futuro, façam um jogo no passado. Brasil na Segunda Guerra. Tomada de Monte  Castelo, reviva todas as incríveis histórias dos pracinhas.

Imagine uma fase stealth recriando a incrível jornada do Segundo Tenente Aviador  Danilo Moura, aviação do 1º Grupo de Aviação de Caça que caiu atrás das linhas inimigas no dia 4 de Fevereiro de 1945, foi ajudado por camponeses e cismou que voltaria pra sua base. Ele se escondeu, dormiu em fazendas, andou com grupos de refugiados, acompanhou tropas inimigas, pediu cigarro pra soldados alemães, fez tudo, tudo errado segundo tinham ensinado nos cursos de evasão.

Danilo Moura, esse fanfarrão!

Mesmo assim no dia 4 de março, um mês depois de ter sido abatido ele apareceu na base, 21Kg mais magro depois de ter caminhado 450Km.

Um jogo com essa temática funcionaria mesmo sem ser FPS, qualquer coisa no estilo Command and Conquer já seria legal. O fundamental é seguir a diretriz listada no documento, “o game deverá ter muita ação e ser vibrante emocionalmente”, e não deixar que caia nas mãos das pedagogas do Exército, do contrário sairá a proposta de um jogo que se propõe a divertir, mas também educar, e tudo que foi feito com essa proposta no final não fez nenhuma das duas coisas.

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