Carlos Cardoso 4 anos atrás
30 de Julho de 2020 a sonda Perseverance decolou da Flórida rumo a Marte, quase tudo deu certo mas pra quem gosta de emoção, teve emoção. Foi o terceiro lançamento aproveitando a janela periódica entre Marte e Terra.
Neste artigo vamos saber mais sobre a Perseverance, sua missão, a diferença dela para a Curiosity, além de conhecermos as missões da China e dos Emirados Árabes.
Foi excelente, como esperado. O Atlas V tem um histórico de segurança excelente. Desde 2002 foram 83 lançamentos, todos bem-sucedidos, com apenas duas anomalias. Uma em 2007, quando um segundo estágio Centaur ficou sem combustível 4 segundos antes do esperado, e o outro em 2016, quando o primeiro estágio se desligou 5 segundos antes. Em ambos os casos os satélites ou o segundo estágio foram capazes de compensar a falha.
O Atlas V decolou em uma de suas configurações mais poderosas, com quatro motores auxiliares de combustível sólido. Depois e entrar em órbita, o segundo estágio levando a sonda foi na banguela até um ponto sobre o Oceano Índico, quando acionou o motor pela segunda vez, por 7m38s, atingindo velocidade de escape, soltando-se das cruéis garras da gravidade terrestre e injetando-se em uma trajetória que interceptará Marte em 7 meses.
Foi excesso de cautela. Depois que a Perseverance se separou do segundo estágio, a NASA apontou as antenas da Deep Space Network, mas ao invés da telemetria normal, ouviu uma sonda meio histérica gritando “HALP!” – A Perseverance havia entrado em Modo de Segurança.
Calma, o Bill Gates não tem nada a ver com isso, até porque o Modo de Segurança da NASA funciona. É uma condição acionada em toda sonda ou robô espacial, quando algo sai da normalidade. Basicamente o computador de bordo tem uma capacidade limitada de lidar com situações não-planejadas, então se um motor de manobra não funciona corretamente, ou se um computador não consegue rebootar direito, ou se um sensor de temperatura sai dos limites estabelecidos, a nave toda entra em modo de segurança.
Ela imediatamente cancela todas as tarefas não-essenciais, reduz a energia desses sistemas, e se concentra em posicionar suas antenas em direção à Terra, enviando um sinal pedindo instruções, junto com alguns parâmetros de telemetria básica. Ela espera então uma resposta.
A Perseverance entrou em Modo de Segurança depois que foi liberada do Centaur, por entrar na sombra da Terra e ter sua temperatura reduzida abaixo de um limite pré-estabelecido. O erro foi que o tempo durante o qual a sonda poderia ficar abaixo do limite mínimo de temperatura era muito pequeno na programação, e o Modo de Segurança foi ativado.
Ela saiu normalmente da Sombra, voltou a se aquecer ao Sol, e o comando pra entrar em modo normal foi enviado com sucesso.
Mesmo no espaço o menor caminho entre dois pontos é uma linha reta, mas quando os dois pontos estão se movendo a dezenas de quilômetros por segundo em órbitas diferentes, só dá pra seguir em linha reta se você tiver motores mágicos como em The Expanse. O resto de nós tem que lançar as naves em uma órbita que intercepte o planeta de destino.
Esse lançamento não é quando Marte está mais próximo da Terra, se lançássemos nesse momento Marte continuaria em sua órbita e a pobre sonda ultrapassaria o planeta. Lançamos com Marte adiante da Terra, mas como a Terra é bem mais rápida, em sete meses Marte e a Sonda estão se encontrando, e se não for feita uma manobra de desaceleração, a sonda seguiria adiante deixando Marte para trás.
Essa janela de lançamento, o momento propício para minimizar o tempo de viagem ocorre a cada 26 meses, entre Terra e Marte.
Os dois robôs são bem parecidos, A Percy é baseada no mesmo chassis, mas ela tem várias modernizações, com base no que aprendemos com a missão da Curiosity. A mais evidente, que ajudou a aumentar a massa total do robô de 900Kg para 2025Kg, foram as rodas, que estão ligeiramente maiores, mais grossas e mais resistentes, para evitar o desgaste sofrido pelo robô anterior.
Outra mudança: A Curiosity tem 17 câmeras, a Perseverance, 23. E câmeras do mal. A Curiosity tinha duas câmeras estereográficas de 2Megapixels, 1600 x 1200. A Perseverance ganhou um upgrade para duas de 20 Megapixels, com resolução de 5120 x 3840 pixels.
Ela também será capaz de fazer filmes em alta resolução, ao contrário dos 720p 10fps da Curiosity, capacidade essa que sequer foi usada. As câmeras E os dois microfones filmarão a descida da Perseverance, de vários ângulos incluindo a abertura do paraquedas.
Além de todas as câmeras, a Perseverance está levando o MOXIE um equipamento para testar a produção de Oxigênio através da decomposição do CO2 da atmosfera marciana.
Também há um radar de penetração (ui!) que investigará o subsolo marciano, e é capaz de detecta gelo ou salmoura a 10 metros de profundidade.
Há instrumentos para estudar clima, raios cósmicos, mineralogia e um conjunto que vai procurar por bioassinaturas, além de um laser para pulverizar coisas à distância, e uma furadeira com brocas intercambiáveis, para perfurar rochas e recolher amostras.
Essa parte é outro avanço; um carrossel permitirá que a Perseverance recolha amostras do solo marciano e as guarde em cilindros metálicos, que serão deixados em um local determinado para futuramente serem trazidos para a Terra, em outra missão.
Em uma ode à programação eficiente, a Perseverance usa o mesmo processador RAD750 da BAE Systems que a Curiosity. É uma plataforma de arquitetura Power PC, rodando a 200Mhz, com 256MB de RAM. A diferença é que a Curiosity tinha 2GB de memória FLASH, a Percy tem 4GB.
Esse chip parece jurássico pelos padrões atuais, e é, mas cada chip desses custa US$300 mil por um motivo: São especialmente projetados para resistir ao constante bombardeio de raios cósmicos, sobrevivendo a doses de radiação que torrariam qualquer Pentium da vida. Curiosamente um chip ordens de magnitude mais poderoso está equipamento um experimento auxiliar da Perseverance, o...
Se tudo der certo pela primeira vez a Humanidade irá levantar voo da superfície de outro planeta.
O Ingenuity vai testar a capacidade autônoma de um mini-drone, em um mundo com gravidade diferente, sem campo magnético, sem bússolas, sem GPS e com 1% da pressão atmosférica terrestre.
Ele deverá fazer vários voos de 3 minutos, até uma altitude de 10 metros. Dada a atmosfera fina, cada hélice tem 1.2 metros de comprimento. As baterias são recarregadas por uma placa solar, o processador é um Snapdragon, e o sistema operacional é... Linux.
A menos que algo muito sério tire Marte do lugar, a Perseverance deve pousar dia 18 de Fevereiro de 2021. A missão deve durar dois anos terrestres, mas absolutamente ninguém acredita nisso, visto que a Curiosity deveria durar 687 dias e já está em 2915, com tudo funcionando. O MMRTG, o gerador térmico de Plutônico que produz energia para o robô tem uma vida projetada de 14 anos.
A janela de 2020 não foi muito aproveitada pelos EUA, mas outros países não ficaram parados. Um deles os Emirados Árabes. Mais que uma questão de orgulho nacional, o país vem investindo faz tempo em ciência e tecnologia, se preparando para abandonar a economia baseada no petróleo. Hoje 64% do PIB deles não vem de óleo ou gás.
O programa espacial deles (que obviamente é melhor que o nosso) já lançou satélites e construiu observatórios, e resolveram pular a Lua, indo direto pra Marte.
Com auxílio de universidades estrangeiras, a sonda HOPE foi construída, e com isso um monte de engenheiros locais foram treinados. O equipamento resultante pesa 1350Kg, e irá estudar as estações do ano e variações da atmosfera, ideia é ser o primeiro “satélite meteorológico marciano”.
A HOPE foi lançada do Japão em 19 de Julho de 2020, por um foguete H-IIA da Mitsubishi. Está prevista para chegar em Marte em Fevereiro de 2021, e deve funcionar por pelo menos dois anos.
Sim, a China. Dia 23 de Julho de 2020 um foguete Longa Marcha 5, o maior que eles têm colocou rumo a Marte a respeitosa quantidade de 5000Kg, da missão Tianwen-1.
Não é a primeira missão chinesa a Marte, mas eles fizeram a besteira de colar com os russos, que são historicamente zicados com o Planeta Vermelho, e em 2011 uma modesta sonda chinesa, a Yinghuo-1 queimou na atmosfera terrestre junto com o resto da fracassada missão marciana russa Phobos-Grunt.
Dessa vez eles fizeram tudo sozinhos, e as cinco toneladas de carga útil englobam um satélite para orbitar Marte, uma sonda para ficar na superfície e um robozinho para explorar as redondezas.
Como tudo que envolve a China, o lançamento teve bastante drama, com nenhum canal oficial transmitindo, pessoas abrindo streamings via mídias sociais, o Governo derrubando, canais oficiais recebendo OK em cima da hora, e no final todo mundo viu o lançamento via um streaming tremido de celular na vertical.
A estimativa de chegada da Tianwen-1 é 11 de Fevereiro de 2021, que tem tudo para ser um mês altamente estressante pra nerds de espaço, que vamos roer até o osso dos dedos com todas essas tensas manobras de inserção orbital e pousos. Mas vai ser legal.