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Há vida no planeta Vênus? A resposta ficou mais complicada

Há vida no Planeta Vênus? Ninguém sabe. Na superfície, com certeza não, mas nas nuvens agora surgiu um indicativo de que há uma possibilidade

3 anos e meio atrás

Todos os sites de notícias fervilharam hoje com a notícia de que havia sido descoberta vida no planeta Vênus, dito com todas as letras ou de forma a induzir o leitor a pensar isso. Não foi bem assim. Na verdade a apresentação feita pelos cientistas envolvidos termina dizendo explicitamente que eles NÃO encontraram vida em Vênus.

Imagem de Vênus feita em 1974 pela sonda Mariner 10, remasterizada e enhanceada (Crédito: NASA)

O quê encontraram então?

Não foi vida, foi um provável biomarcador. Calma, eu explico. Vida é um negócio complicado de se identificar, ainda mais à distância. Antes da invenção do microscópio ninguém fazia ideia que um simples copo de água estaria repleto de vida. Um deserto aparentemente é um lugar morto, mas sabendo o que procurar, descobrimos que é todo um ecossistema.

Quando um planeta é como a Terra, é relativamente simples determinar que há vida nele, mesmo antes do surgimento da Humanidade, as variações na cobertura vegetal dos continentes seriam suficientes para apontar algo diferente, e a presença de Oxigênio molecular na atmosfera é outra grande indicação.

Oxigênio é um gás extremamente reativo, ele adora se combinar com outros elementos, então para existir em grande quantidade na atmosfera ele precisa ser reposto constantemente. Na Terra esse Oxigênio é gerado por formas de vida, e dado o Universo de exemplos que temos (N=1) imaginamos que uma atmosfera com muito O2 é sinal de um ecossistema planetário.

Um biomarcador, em essência, é uma substância que é produzida primariamente por seres vivos, é biodegradável, com uma meia-vida relativamente curta e que precisa ser constantemente reposta para ser detectada.

Agora, o problema

Em Ciência nada é simples. Claro que se detectarmos clorofila ou hemoglobina na superfície de um planeta a presença de vida é certa, esse tipo de molécula é complexa demais para ser produzida por meios inorgânicos, mas a maioria dos biomarcadores pode ser gerada sem a necessidade de vida. A lista de moléculas descobertas no espaço interestelar por si só mostra como a Natureza não precisa de vida pra produzir complexidade.

A simples detecção de um biomarcador não é suficiente para determinar que ele foi gerado por uma forma de vida, algum tempo atrás foi detectado Metano na atmosfera marciana, ele por si só um biomarcador, mas as variações sazonais e a pequena quantidade parecem indicar que há um processo geoquímico relacionado, não pequenas bactérias verdes com anteninhas.

E Vênus?

Ah, agora a coisa fica interessante.

Observações feitas com o telescópio James Clerk Maxwell e o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) detectaram nas nuvens do planeta Vênus uma molécula chamada Fosfina, que atente pela fórmula PH3.

A Fosfina é um gás inodoro, venenoso, inflamável e bem difícil de ser produzido de forma abiótica (sem relação com a Vida), pois na atmosfera terrestre o Oxigênio corre para se combinar com o Fósforo, formando fosfatos, como PO4, que adoram se combinar com hidrogênio para formar compostos como H₃PO₄.

Uma molécula de Fosfina, um átomo de Fósforo, três de Hidrogênio (Crédito: Wikipedia - domínio público)

Uma das formas de gerar Fosfinas é misturar Fósforo com Hidrogênio no vácuo, mas elas também são produzidas por bactérias, em um processo muito pouco conhecido e bem mal-explicado.

A fonte mais conhecida de Fosfina na Terra são... pinguins. Estudos mostraram que o guano deles forma fosfinas de forma bem mais eficiente que outras espécies, provavelmente por causa das bactérias específicas no supracitado cocô, mas é improvável que haja uma imensa colônia de pinguins no planeta Vênus. Não que isso me impeça de usar esta ilustração sensacional:

Crédito: Fantastic Adventures, 1939, domínio público

As fosfinas em vênus foram detectadas numa faixa de 20 partes por bilhão, e com concentração bem maior na região equatorial de Vênus. Em termos de altitude elas ficam na zona temperada, entre 53 e 59Km de altitude, uma região aonde a pressão atmosférica e a temperatura são compatíveis com a superfície da Terra (se você não ligar ter que respirar CO2 e ácido sulfúrico).

No Paper, assinado por Jane S. Greaves, Anita M. S. Richards, William Bains e outros, são descritos vários modelos de geração de fosfinas no planeta Vênus, mas todos são descartados, Vênus tem uma temperatura superficial de 465 graus Celsius, a pressão atmosférica é 93 vezes a da superfície da Terra, o planeta todo é assolado por furacões de quase 400km/h.

Não que faça diferença, composta de 96% de Dióxido de Carbono (CO2), nitrogênio, com nuvens de ácido sulfúrico, o planeta é o oposto do que todo mundo esperava mesmo no começo do Século XX, antes de descobrirmos que o planeta Vênus foi uma vez como a Terra, mas um efeito estufa descontrolado, talvez causado por vulcanismo, talvez por capitalistas chineses venusianos, destruiu a atmosfera.

Especulava-se que por ser coberto de nuvens, Vênus seria como a Terra do período cambriano, com intermináveis e úmidos pântanos, dinossauros, etc.

Crédito: San Francisco Call 9 de Janeiro de 1911

Hoje a hipótese é que no princípio do fim do planeta, formas de vida microbianas tenham migrado para as camadas altas da atmosfera venusiana, e nela vivam até hoje, em gotículas de ácido sulfúrico, se reproduzindo, metabolizando água e oxigênio, e excretando fosfinas.

Note, essa é UMA das hipóteses, não há nada que comprove ou sequer torne ela mais provável. A alternativa, bem mais simples, é que algum processo geoquímico desconhecido esteja produzindo fosfinas, que por sua vez são mais estáveis nas camadas superiores da atmosfera do planeta Vênus.

Fosfina é encontrada em outros lugares, Júpiter e Saturno, por exemplo aonde há abundância de hidrogênio, escassez de oxigênio e muita energia sobrando pras reações que geram Fosfinas.

O que é curioso nesse caso, e se me permitem usar uma palavra carregada, fascinante, é que detectamos uma molécula que NA TERRA é extremamente associada com vida, em um ambiente aonde 99% dos cientistas apostaria a cerveja do mês que havia zero chance de vida.

Em resumo, é mais ou menos assim: A ex do seu amigo metido a machão manda no grupo do zapzap uma foto do sujeito dormindo vestindo calcinha. Você não sabe se ele vestiu porque quis, ou se ela vestiu o cara enquanto ele estava desacordado, mas a foto é um fato e qualquer que seja a história será bem interessante de se ouvir.

A calcinha digo, a Fosfina por si só não significa nada, o que ela traz são possibilidades. Resta a nós investigar e aprender. É a posição racional e não-sensacionalista, e de resto vale para o planeta Vênus a anedota que Carl Sagan gostava de contar:

“Um editor mandou para um astrônomo famoso um vale-postal com uma determinada quantia, e um pedido: Enviar texto de 500 palavras sobre se existe vida em Marte. O astrônomo respondeu de volta ‘ninguém sabe’ 500 250 vezes.”

Fontes:

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