Carlos Cardoso 3 anos e meio atrás
Filmes como Total Recall previram que Marte teria uma população de mutantes, criada por falta de proteção contra radiação e sistemas ruins de filtragem de ar. Ironicamente agora parece que mutantes serão sim bem-vindos em Marte, mas eles sairão da Terra. E sim, eles já existem.
Uma das primeiras coisas que a gente aprende é que o dia tem 24 horas. Mais tarde aprendemos que tem 24 horas e uns quebrados. Mais tarde ainda a gente aprende que existe dia solar, dia sideral, dia sinódico e no final eu chuto o pau da barraca e defino que amanhã é quando eu acordo e pronto.
O dia de 24 horas parece absolutamente natural para nós, e é. Acordamos com o nascer do Sol, com o cair da noite nos tornamos mais letárgicos logo cedendo ao sono. Antigamente achava-se que esse ciclo de atenção, letargia, sono era controlado pelo ciclo do nascer/pôr do sol, mas é mais complicado que isso.
Durante o período de (mais ou menos) 24 horas temos estágios de atenção diferentes, com variações hormonais, de temperatura, pressão, etc. Chamamos a isso de Ritmo Circadiano.
Agora o mais fascinante: Se você isolar uma pessoa, fora da luz do dia, ela continuará a viver em um ritmo de 24 horas e uns quebradinhos. A influência externa pode afetar nosso ritmo circadiano, por isso luz acesa é péssima pro sono, embora mantenha os monstros debaixo da cama.
Nós temos um relógio biológico que regula o ritmo circadiano, esse relógio está sincronizado com a duração do dia no Planeta Terra e não é por acaso. É um lindo exemplo de como a Evolução funciona em escala planetária.
Basicamente se você é proto-rato burro que gosta de sair de noite, quando os predadores estão mais alertas, você não vai deixar descendentes. Se você não tem hora pra dormir, não vai conseguir acompanhar o resto do seu bando e vai acordar sozinho na toca.
Para mamíferos de sangue quente e indefesos, a melhor estratégia é todo mundo estar acordado e alerta durante o dia, dormir durante a noite e sonhar com um Meteoro pra dar um jeito nos malditos dinossauros.
E sim isso vale pros mamíferos noturnos, que vivem em regiões sem muito lugar pra se esconder durante o dia e é mais vantajoso dormir de dia e caçar de noite.
Ritmos Circadianos não existem somente em mamíferos. Estão presentes em outros animais, plantas e até em formas de vidas unicelulares. Em cianobactérias conseguimos até determinar os três genes responsáveis pelo ritmo. E mais: Testes com bactérias sem ritmos circadianos mostraram que elas perdem quando competem com cianobactérias funcionando em um ritmo de 12 horas de luz/12 horas de escuridão.
Sono sempre foi um problema pra astronautas, mesmo descontando a insônia causada por perceber que você está dentro de uma lata de tomates caindo a 28000Km/h e só não morrendo porque enquanto cai você erra a Terra.
A NASA aloca 8,5 horas de sono para os astronautas, que em média dormem 6 horas, e as luzes na Estação Espacial Internacional são mantidas num ritmo de 12 horas acesas / 12 horas em modo noturno mas seu ritmo circadiano é afetado por iluminação de telas de computadores, passagens pela Cúpula, aonde visualizam um nascer ou por do sol a cada 45 minutos, e quando há alguma acoplagem o ciclo de iluminação é interrompido.
Existe um outro grupo que sofre com o Ritmo Circadiano, e a culpa é de... Marte.
É um fato pouco conhecido, mas os robôs da NASA em Marte não têm faróis, e eles precisam de muita energia pra se manter aquecidos. Com temperatura média de -62 graus, Marte é bem frio e de noite esfria mais ainda. A maior parte do trabalho acaba sendo feita de dia, mas há um problema.
Enquanto na Terra um Dia Solar tem 24 horas 3 minutos e 56.555 segundos, em Marte o dia dura 24 horas, 39 minutos e 35 segundos.
Imagine um dos funcionários da NASA operando a Curiosity, Insight ou outras sondas marcianas. O sujeito tem que estar no console quando o Sol estiver nascendo em Marte, mas a cada dia esse horário avança 35 minutos.
O pobre coitado tem que sair de casa cada vez mais cedo pra se manter sincronizado com Marte.
A maioria acaba chutando o pau da barraca e adotando o ritmo marciano, o que causa extremo estresse físico e mental, depois de algum tempo. Imagine você não só vivendo num ritmo diferente do ciclo dia/noite, mas também um ritmo que todo dia você tem que modificar em uma meia-hora.
Isso é absolutamente insano, mas é o que vai acontecer em Marte, quando começarmos a colonizar o planeta. Humanos acostumados a um dia de 24 horas e uns quebrados, com um ritmo circadiano de 24 horas e 11 minutos terão que se adequar a 24 horas e 40 minutos.
Ou não.
Eles estão entre nós. Disfarçados, escondidos, o Homo superior, infiltrado entre os pobres Homo sapiens. São mutantes, gente (mutantes são gente? Preciso consultar o Senador Keene) que nasceu com uma mutação no gene CRY1. Essa mutação faz com que o ritmo circadiano passe para um período de 24 horas e 30 minutos.
Bingo!
Na Terra esses mutantes, que chegam a 1% da população vivem vidas inquietas, com dificuldade de se adequar ao ritmo dos humanos, sofrem com distúrbios do sono, problemas de temperatura e fadiga.
Em Marte esses mutantes se sentiriam perfeitamente encaixados no ritmo do planeta. Claro, é um tratamento radical para insônia, mas se a NASA for esperta vai colocar a mutação como ponto a favor de candidatos a astronautas.
De qualquer jeito, mesmo que decidam que Marte é só para Humanos e proíbam a entrada de mutantes, a longo prazo é inevitável: a Evolução falará mais alto e começarão a nascer crianças marcianas adaptadas ao dia de 24h39min.
Nós já nos adaptados e vamos nos adaptar de novo. É um processo contínuo. 600 milhões de anos atrás o dia tinha 21 horas. Agradeça à Lua por tornar os dias mais longos e fazer as sextas-feiras demorarem mais a chegar. Em Marte, pelo menos, não teremos esse problema.