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Road Rash e um tempo que não volta mais

Idealizado como um jogo de simulação para o NES, conheça os detalhes por trás da criação de uma verdadeira lenda perdida no tempo, o Road Rash

3 anos atrás

A indústria de videogames está repleta de histórias de franquias que foram abandonadas, séries que outrora foram muito adoradas, mas que por diversos motivos viram suas imagens serem desgastadas com o passar do tempo. Uma delas atende pelo nome Road Rash e se você teve um Mega Drive naquela época ou simplesmente frequentava locadoras especializadas, é muito provável que tenha jogado este verdadeiro clássico que ficou perdido no passado.

Road rash

Crédito: Reprodução / Dori Prata / EA

O que nem todos sabem é que inicialmente o primeiro Road Rash não deveria ter saído para o console da SEGA, nem o quão importante aquele jogo foi para a Electronic Arts, uma empresa que estava muito longe de ser a gigante que é hoje. Mas para contar essa história, antes precisamos voltar ao começo dos anos 80, quando aconteceu o que ficou conhecido como o “crash dos videogames.”

Após o mercado ser inundado por péssimos títulos para o Atari e os consumidores deixando de gastar com a mídia, algumas empresas ainda viam uma oportunidade nos games, mas o temor de investir pesado na sua criação era grande. Isso fez com que Trip Hawkins, um ex-funcionário da Apple, fundasse não uma desenvolvedora, mas uma editora especializada em publicar jogos para PC que fossem criados por outros estúdios e pelos anos seguintes foi assim de atuou a EA.

Porém, o mercado começou a mudar, com a chegada do NES conquistando muitas pessoas e a Electronic Arts sabia que precisava apostar nele. Com Hawkins enxergando nos esportes um mercado que não estava sendo bem explorado nos games, teve início um projeto que receberia o nome Mario Andretti Racing. Para ajudar na sua criação, dois profissionais foram contratados: o programador Dan Geisler e o diretor técnico Carl Mey. O objetivo da dupla era criar um jogo de corrida voltado para a simulação e que contasse com um efeito que nos passasse a sensação de que a estrada estava “inclinada”.

Pois eles ficaram trabalhando neste objetivo por algum tempo, até começarem a se dar conta de que tal efeito poderia estar além da capacidade de processamento do Nintendinho. Além disso, o fato de o produtor e designer Randy Breen ter trabalhado na criação do Indianapolis 500: The Simulation fez com que ele sugerisse um jogo menos realista e que contasse com um maior fator de diversão.

Então, após realizar uma sessão de brainstorming com o co-designer Walter Stein, eles decidiram que o melhor seria criar um jogo de corrida de motos. Segundo Breen (PDF), ficou claro que esse tipo de veículo lhes daria muitas vantagens, como a possibilidade de colocar mais deles na tela ao mesmo tempo e como os pilotos estariam mais visíveis do que motoristas em carros, eles ganhariam mais personalidade.

Um apaixonado por motocicletas, Randy Breen tinha como hobby se encontrar com amigos para andar pela Mulholland Drive, famosa estrada localizada em Santa Mônica, Sul da Califórnia. Ele costumava falar sobre como seria um ferimento causado caso caísse durante o passeio, o que é conhecido em inglês como road rash e foi então que Dan Geisler sugeriu rebatizarem o projeto como Road Rash on Mulholland Drive.

Crédito: Reprodução / Dori Prata / EA

A mudança de nome e de plataforma

No entanto, após a ideia ser passada para o alto escalão da EA, os executivos acharam melhor reduzir o nome para apenas Road Rash e deram o aval para que o jogo fosse criado. O detalhe é que agora ele visava um novo e muito mais poderoso console que estava chegando às lojas, o Mega Drive, onde o efeito desejado para as estradas poderia enfim ser implementado.

Impressionado com a capacidade de processamento do videogame, Geisler chegou a dizer que com tanta memória ele poderia fazer uma estrada com 802 milhas de comprimento, podendo assim mapear toda a costa da Califórnia. Contudo, o grande desafio que ele teve que superar foi desenvolver o efeito para a estrada, o que lhe consumiu cerca de seis meses de trabalho.

Mas passado esse obstáculo, faltava dar uma cara ao jogo, tarefa que ficou sob a responsabilidade de Arthur Koch. Devido a paleta de apenas 64 cores que o Mega Drive utilizava, dominar a maneira de usá-la era uma tarefa complicada e por isso ele ainda precisou treinar os outros artistas que trabalhavam na EA.

Porém, não pense que a esta altura o desenvolvimento do Road Rash estava tranquilo. Após apresentar o jogo ao público durante a Consumer Electronics Show de 1990, eles ouviram reclamações em relação a instabilidade na taxa de frames por segundo e a maneira como as animações não pareciam naturais. Havia ainda o problema de que o jogo parecia muito dócil, quase como uma passeio de fim de semana e por isso eles precisavam fazer com que a jogabilidade parecesse mais agressiva.

A equipe então recebeu mais seis meses para aperfeiçoar o título e eles pediram ajuda ao produtor Richard Hilleman, cuja missão seria fazer com o jogo parecesse mais casca grossa. A partir daquele momento o grupo começou a adicionar elementos para tornar a experiência mais imersiva, como dar nomes aos pilotos adversários, fazer com que eles nos provocassem entre as corridas ou incluir policiais que poderiam nos prender.

Já os combates vieram das corridas de motovelocidade, após Randy Breen perceber que vez ou outra os pilotos se chutavam, mas também da cena da briga de gangues vista na animação Akira. O problema é que ao adicionar tal elemento à jogabilidade os executivos da EA passaram a vê-lo com maus olhos, já que não sabiam como divulgar algo que era uma mistura de jogo de corrida com luta. Além disso, sua natureza violenta os impediria de firmam parcerias com empresas reais, o que fez com que as motos do jogo ficassem conhecidas por nomes genéricos, como Diablo e Kamikaze.

Lançamento, enjoo e um legado interrompido

Mas mesmo após tantos problemas e divergências, após quase dois anos de desenvolvimento, Road Rash chegava às lojas em setembro de 1991, fazendo a alegria daqueles que tinham um Mega Drive. Segundo Breen, o efeito que ele e sua equipe criaram para as estradas era tão realista que pessoas se sentiram mal enquanto jogavam, inclusive com algumas chegando a vomitar.

O lançamento também foi responsável por causar um certo mal estar dentro da EA, já que devido a uma política interna da empresa, diretores não poderiam ter seus nomes na capa dos jogos, o que atingia diretamente Carl Mey. Porém, como não havia uma regra para outros cargos, Randy Breen, Dan Geisler e Walter Stein aproveitaram a brecha para se autopromoverem, com o trio sendo creditado na parte da frente da capa. Foi por causa disso que a editora resolveu abolir qualquer nome nas capas dos jogos lançados depois e Mey acabou recebendo um prêmio interno dado ao profissional que mais resolvesse problemas.

Crédito: Reprodução / EA

Da parte da recepção tanto da crítica quanto do público, o Road Rash não poderia ter se saído melhor. Elogiado e adorado por quase todos que o jogaram, os ótimos gráficos aliados a uma jogabilidade frenética impressionou por se tratar de algo que nunca tínhamos visto, fazendo dele um daqueles raros momento em que os games nos apresentaram a algo realmente novo.

Depois vieram duas continuações diretas, com os jogos ficando maiores, mas sem causar o mesmo impacto que o original. O único momento em que a série voltou a surpreender de alguma forma foi quando chegou ao 3DO, mas principalmente por causa dos gráficos. Com a sua mecânica se mantendo a mesma até o último capítulo (Road Rash: Jailbreak), que apareceu no PlayStation no ano 2000 e três anos depois recebeu uma versão para o Game Boy Advance, as críticas recaiam sobre o fato da série ter se tornado muito repetitiva e com um estilo datado.

Ao longo dos anos a EA até deu início à produção de um novo jogo, mas tal projeto nunca chegou a ser concluído e o mais perto que chegamos de um Road Rash moderno foi com o Road Redemption. Desenvolvido após uma bem sucedida campanha de financiamento coletivo, o título até consegue entregar alguma diversão, mas longe de todo o brilhantismos do início desta fantástica série que, mesmo com a Electronic Arts afirmando o contrário, seus executivos continuam fazendo questão de ignorar.

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