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Sucesso: Rocket Lab consegue recuperar 1º estágio de foguete Electron

A Rocket Lab, depois de jurar que não faria, fez. Lançou um foguete Electron e com ajuda de paraquedas conseguiu recuperar o 1º estágio.

3 anos atrás

A Rocket Lab não é a maior empresa aeroespacial do mundo, e seus foguetes são minúsculos, mas isso não quer dizer que ela não seja um caso de sucesso e um exemplo a ser seguido.

Peter Beck e o Electron. (Crédito: Rocket Lab)

Fundada em 2006 por Peter Beck, um engenheiro da Nova Zelândia, a empresa apostou em um segmento novo: Os microssatélites.

Satélites sempre foram grandes e pesados, ao menos quando começaram a ser úteis, o Sputnik pesava 83.6Kg mas só fazia bipbipbip. Hoje em dia um satélite de telecomunicações dos grandes pesa umas 7 toneladas. Há até maiores, o Hubble pesa 11 toneladas e os soviéticos chegaram a lançar um satélite detector de raios cósmicos, o Proton-4, com ridículas 17 toneladas.

Com a evolução da eletrônica vieram os satélites menores, ao mesmo tempo se mostrou mais economicamente interessante lançar satélites especializados, com uma vida útil menor, mas bem mais baratos. Hoje a SpaceX lança 60 satélites de uma vez, e os Indianos já conseguiram a grosseria de colocar 104 satélites em órbita em um único lançamento do PSLV, um foguete com capacidade de carga de 3,8 toneladas.

Existem empresas especializadas em gerenciar a logística envolvida e organizar lançamentos conjuntos, e é bem legal os módulos que aglomeram os satélites de vários fabricantes, fica parecendo uma favelinha high-tech, mas é complicado conciliar a agenda de tanta gente para organizar um lançamento.

DIspenser de satélites SSMS da Arianespace, pronto para decolar em um foguete Vega. Não falei que parece uma favelinha? (Crédito: Arianespace)

Do outro lado temos empresas como a Rocket Lab, que preferiu desenvolver um foguete pequeno, de baixo custo voltado para todo o mercado de micro, nano e picosatélites.

Os satélites encolheram tanto que a capacidade de carga útil do Electron, 300Kg é até exagerada para a maioria dos lançamentos. Em Dezembro de 2018 por exemplo, foram lançados 14 satélites, com um peso total de 78Kg.

Em Novembro de 2020 foram 200Kg em um lançamento, que colocou em órbita 29 satélites e um gnomo de jardim. (depois explico).

O primeiro foguete da Rocket Lab não foi tão ambicioso. O Ātea-1, que ironicamente foi batizado com o nome de uma deusa polinésia, tinha 6 metros de comprimento e era um foguete de sondagem suborbital, capaz de levar uma carga útil de 20Kg a 120Km de altitude.

Ele foi lançado em 2009, como uma demonstração de que a Rocket Lab era capaz de construir um foguete, mesmo minúsculo.

Demonstração demonstrada, voltou todo mundo pras pranchetas para projetar o Electron, um foguete com motores feitos por tecnologia de impressão 3D, estrutura de fibra de carbono e moderno até o osso.

O Electron voou pela primeira vez em 2017, e como é comum normal e esperado em ciência de foguetes e adolescentes em geral, a primeira vez não foi nenhuma maravilha, mas ao contrário dos adolescentes o segundo lançamento do Electron já foi um sucesso.

A Rocket Lab investiu pesado em otimizar custos com tecnologia avançada, o resultado é um preço por lançamento na faixa de US$7,5 milhões, muito mais gerenciável do que os US$62 milhões de um Falcon 9 novo um US$50 milhões de um usado. Claro, a capacidade de carga dos dois não é comparável. Um é um motoboy o outro é a Bagger 288, mas às vezes você só precisa entregar uma pizza e o motoboy resolve perfeitamente.

O Electron esperando ser abastecido. (Crédito: Rocket Lab)

Mesmo a Rocket Lab sendo uma empresa pequena com foguetes pequenos, eles sonham grande. Peter Beck quer mandar uma missão privada para Vênus em 2023, e inovou fortemente com o Photon.

O Photon é um kickstage, o veículo da fase final do lançamento, que leva os satélites até suas órbitas finais. Há vários modelos de kickstage, os russos têm o Fregat, a Spaceflight Industries tem o SHERPA, e por aí vai. A diferença é que o Photon recebeu modificações e no começo de Setembro de 2020, após colocar de forma bem-sucedida um satélite em órbita, o Photon se afastou e acionou um modo novo.

Ao invés de se desativar e deixar o atrito atmosférico aos poucos baixar sua órbita até uma reentrada, o Photon entrou em modo satélite, com painéis solares, câmeras, etc. A Rocket Lab mostrou que pode aproveitar seu kickstage e vende-lo como um satélite para quem quiser.

Outra tecnologia interessante são as bombas de combustível. Em foguetes maiores elas são complexas e caras, a Rocket Lab resolveu usar... bombas elétricas. A energia vem de vários pacotes de baterias, que são alijadas durante o vôo. Essa abordagem ganhou elogios de muita gente grande, incluindo Tory Bruno, CEO da ULA e Elon Musk, que é fã declarado da Rocket Lab.

Peter Beck e um dos nove motores Rutherford do 1º estágio do Electron. (Crédito: Rocket Lab)

Uma área que a Rocket Lab não tinha interesse originalmente era o de foguetes reutilizáveis. As margens são muito apertadas, abrir mão de carga útil para enfiar equipamentos para a recuperação do foguete parecia impossível. Peter Beck era bem taxativo quanto a isso, tanto que em 2019 ele fez uma apresentação dizendo que seria obrigado a comer o próprio chapéu: A Rocket Lab iria tentar reutilizar o Electron.

O conceito era bem ambicioso: O primeiro estágio do Electron reentraria na atmosfera, sobrevivendo ao calor e pressão, acionaria um paraquedas e seria capturado por um helicóptero, mesma estratégia usada pelos americanos na Guerra Fria, quando os módulos dos satélites Corona trazendo os filmes com as imagens secretas soviéticas eram capturados em pleno vôo por aviões Hércules.

Em Abril de 2020 a tecnologia foi testada pela Rocket Lab, e funcionou.

O teste, claro, foi com o primeiro estágio sendo lançado de outro helicóptero, mas em Novembro de 2020 foi a vez de fazer um teste em condições reais, em um lançamento de verdade.

A missão, chamada Return to Sender foi perfeita, com direito a um passageiro fora do normal, o Gnome Chompski, que todo mundo que jogou Half-Life 2 reconheceu.

O Gnomo, esculpido em titânio foi idéia de Gabe Newell, fundador da Valve, e parte de uma ação com a Starship Foundation, uma organização que ajuda um hospital infantil na Nova Zelândia. Gabe se comprometeu a dar US$1,00 para cada view que o streaming do lançamento no canal oficial da Rocket Lab alcançasse. Ele assinou feliz um cheque de US$286.092,00.

Achievement Unlocked: Gnome Chompski mandado pro espaço (Crédito: Rocket Lab)

O foguete, enquanto isso, caiu de volta para a Terra como previsto, abriu o paraquedas como previsto e pousou no mar, como previsto. Recuperado, agora é a hora de estudar os efeitos da reentrada.

Peter Beck já disse que vão ter que reforçar os escudos de calor em algumas partes, e tentar mover alguns equipamentos para áreas mais protegidas. Ainda é muito cedo para determinar se o Electron chegará ao ponto de pousar, ser reabastecido e decolar de novo, mas Beck quer examinar componente a componente, e provavelmente reutilizarão alguns deles em futuros foguetes.

A minúscula empresa neozelandesa se tornou a terceira organização do mundo a pousar um foguete, além dela só a SpaceX e NASA com o Space Shuttle conseguiram retornar um foguete do espaço, inteiro.

Electron recuperado. (Crédito: Rocket Lab)

E não, a trosoba do Jeff Bezos não conta, o New Shepard é um elevador glorificado, ele sobe e desce em linha reta com velocidade máxima de 3,568 km/h. O Electron voa em trajetória parabólica, pousando a 400Km de onde foi lançado, e com velocidade máxima de 8300Km/h.

Agora, a parte triste: Reconhecer que uma empresa da Nova Zelândia, com 500 funcionários tem um programa espacial melhor do que o nosso. Enquanto continuamos lambendo as feridas até hoje, usando a desculpa do acidente de Alcântara em 2003, a Rocket Lab foi fundada em 2006, em 2009 tinha um primeiro foguete e em 2018 estava chegando ao espaço.

Quanto isso custou? Bem, a Rocket Lab recebeu um total de investimentos de US$215 milhões. O projeto do Electron, que é umas 18 vezes mais avançado do que aquele lixo do VLS, custou US$100 milhões.

Ou seja: US$15.4 milhões por ano e em 12 anos eles chegaram ao espaço.

Aqui, na terra aonde nada dá certo gastamos R$1 bilhão em um foguete imaginário com a Ucrânia, e depois quando ficou evidente que era uma roubada, passamos mais três anos gastando R$500 mil por mês mantendo uma empresa semi-fantasma para gerenciar a parceria, antes dela ser anulada definitivamente.

O problema nunca foi dinheiro o problema é vontade. Infelizmente aqui além de odiarmos Ciência o Brasil também odeia empreendedorismo, então as chances de surgir um Peter Beck aqui são menores que zero.

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