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Sega CD: a aposta que nunca se pagou

Conheça a história do Sega CD, a tentativa da Sega de transformar o Mega Drive em um videogame muito melhor, mas que acabou não fazendo muito sucesso

3 anos atrás

No início da década de 90 a Sega conseguiu algo que parecia impossível: desbancar a Nintendo e assumir a liderança do mercado de consoles nos Estados Unidos. Com o Mega Drive tendo conquistado os jogadores e a próxima geração ainda distante, a empresa achou uma boa ideia expandir a capacidade de processamento daquele videogame e foi aí que nasceu um aparelho que não vendeu tanto, mas conquistou muita gente, o Sega CD.

Sega CD

Crédito: Dori Prata

No entanto, a intenção de tornar o Mega Drive mais poderoso é bem anterior a isso, antes mesmo do console ter sido lançado. Após terem se visto “obrigados” a criar revisões para o SG-1000, a Sega decidiu que o melhor seria adicionar uma porta de expansão enquanto o seu novo videogame estava sendo desenvolvido e inicialmente o plano seria aproveitá-la para transformar o Mega Drive num computador 16-bit, adicionando um drive de disquete e teclado.

Porém, tais acessórios nunca chegaram a ser produzidos e quando a NEC lançou um leitor de CDs para o PC Engine em 1988 (que ficou conhecido nos Estados Unidos como TurboGrafx-CD), os executivos da Sega passaram a ver a mídia como uma boa opção. Capazes de armazenar uma quantidade muito maior de dados, podendo ser produzidos em larga escala e disponíveis a preços mais acessíveis, os CDs prometiam ser o futuro do entretenimento, então porque não seguir os passos da concorrente?

Coube então a Tomio Takami a tarefa de comandar o Consumer Products Research and Development Labs, um grupo que desenvolveria o add-on que ficaria conhecido no Japão como Mega-CD e as metas traçadas para o aparelho não eram baixas. A empresa queria que o Mega-CD igualasse o desempenho do TurboGrafx-CD, mas dobrasse a velocidade de acesso a memória, para assim conseguir reproduzir efeitos que só eram possíveis nos fliperamas.

Tudo isso deveria estar disponível num aparelho que seria vendido por apenas ¥ 20 mil (US$ 150), mas conforme o projeto avançava, a equipe seguia esbarrando em diversos problemas. Um deles estava na CPU Motorola 68000 que movia o Mega Drive, muito lenta para lidar com as capacidade gráficas do Mega-CD. A solução então foi adicionar um processador igual  ao add-on e graças a um rumor de que o TurboGrafx-CD receberia uma adição de RAM, a Sega decidiu aumentar a memória do Mega-CD de 1 para 6 Mb.

Mas se essas adições eram defendidas como um ponto positivo, elas tinham seus problemas. O primeiro deles seria o preço, que passou girar na casa dos US$ 370, mas segundo uma pesquisa de mercado, os consumidores estariam dispostos a pagar caro por um aparelho tão avançado tecnologicamente. Já o outro desafio seria ainda pior, pois envolvia a dificuldade de programação para a máquina, conforme explicou o então designer dos consoles da Sega, Masami Ishikawa:

Nós também tivemos problemas com o acesso aleatório. Além de os jogos serem interrompidos quando a leitura era lenta, a capacidade de dados que o cartucho de RAM podia ler de uma vez era baixa.  Chegou a um ponto em que tínhamos que nos concentrar em aumentar a velocidade do acesso aleatório. Passamos por alguns obstáculos significativos apenas para aumentar a performance, mas graças a termos sido capazes de aumentar a capacidade de dados, fomos capazes de criar um bom RPG e também de expandir nossos jogos.

Curiosamente, o projeto vinha sendo guardado tão secretamente, que nem a divisão americana da Sega sabia detalhes sobre a sua execução, pois havia o temor de vazamentos. Mas foi quando os funcionário do lado de cá do planeta colocaram as mãos em unidades funcionais do Mega-CD que eles tiveram noção do quão problemática ela poderia ser. Segundo o produtor sênior Scot Bayless, a equipe de controle de qualidades chegou a presenciar unidades entrarem em chamas, o que acontecia porque os motores do leitor estavam trabalhando numa capacidade muito superior ao aceitável quando eles rodavam jogos baseados em vídeos.

Após algumas correções, o primeiro contato com o público aconteceu em 1991, durante a Tokyo Toy Show e a recepção inicial foi boa. Chegava então a hora de colocar o Mega-CD nas lojas e no Japão isso ocorreu em dezembro daquele mesmo ano, pelo salgado preço de ¥ 49.800. Inicialmente as vendas foram excelentes, com todos os aparelhos esgotando rapidamente, mas no primeiro ano apenas 100 mil unidades foram vendidas. Além do alto preço cobrado pelo Mega-CD, ainda pesaram contra ele a falta de jogos produzidos externamente, já que a Sega demorou muito para enviar os kits de desenvolvimento aos estúdios.

Já do lado de cá do planeta, o upgrade para o Mega Drive ficou conhecido como Sega CD (exceto na Europa, onde o nome original foi mantido) e nos Estados Unidos a sua chegada se deu em 15 de outubro de 1992. Com o preço de US$ 299, 200 mil unidades foram vendidas até o final daquele ano, com o videogame chegando a Europa só em abril de 1993.

Crédito: Evan Amos / Wikipedia

Foi também em 1993 que o Sega CD viu o lançamento de um novo modelo, que dispensava o mecanismo de gaveta para o CD e ficava localizado ao lado do Mega Drive. Quem o comprasse levaria como brinde uma cópia do jogo Sewer Shark, tudo pelo valor de US$ 229. Mas apesar desta redução de preço e do prêmio de Melhor Periférico de 1992, dado pela revista Electronic Gaming Monthly, aquele videogame nunca fez o sucesso que a Sega esperava.

Relatos da imprensa dão conta de que no final de 1993 — portanto apenas um ano após o Sega CD ser lançado nos Estados Unidos — a Sega ordenou que seus estúdios no Japão não desenvolvessem mais para o aparelho. Mesmo assim, no total 2,24 milhões de unidades chegaram a ser vendidas em todo o mundo durante o seu ciclo de vida que se encerrou em 1996 e principalmente, ele recebeu alguns jogos simplesmente espetaculares — além de pelo menos um bem controverso.

Night Trap e a glorificação da violência

Night Trap - 25th Anniversary Edition (Crédito: Divulgação / Screaming Villains )

Em outubro de 1992 a Digital Pictures lançou um jogo que tinha tudo para ser apenas mais um dos muitos a aproveitarem a capacidade do CD para entregar uma experiência mais realista usando atores reais, mas que acabou se vendo no meio de uma enorme polêmica. Em Night Trap assumíamos o papel de um agente especial cuja missão era monitorar uma casa cheia de adolescentes e que estava para ser invadida, cabendo ao jogador ativar armadilhas para pegar os bandidos que fariam mal às garotas.

Com uma cara de filme B e uma jogabilidade sofrível, o que fez com que o título se tornasse mais conhecido foi um comitê organizado em 1993 pelo senado norte-americano e que visava discutir a violência nos games. Ao lado do Mortal Kombat, Night Trap foi acusado de promover a violência gratuita, além de agressões sexuais contra mulheres.

O caso ganhou tanta repercussão que lojas preferiram retirar o jogo das prateleiras e levou a Sega a encerrar a produção de novas cópias. Segundo o diretor de desenvolvimento da Sega of Europe, Mike Brogan, “o Night Trap trouxe muita má publicidade para a Sega… questionamentos estavam sendo feito no parlamento britânico sobre a sua adequação. Isso aconteceu quando a Sega estava capitalizando sua imagem como uma empresa ousada e com atitude, e isso só serviu para reforçar essa imagem.”

Com os políticos alegando que em média os jogadores de videogame tinham entre sete e 12 anos, e que as empresas estavam vendendo violência para as crianças, se houve algo de positivo naquela polêmica, foi que o debate deu origem ao órgão local que ficaria responsável pela classificação indicativa para games, a Entertainment Software Rating Board (ESRB).

As joias do Sega CD

Mas se o Sega CD acabou ficando mais conhecido por ter recebido uma enxurrada de títulos com atores reais, os full motion video (FMV), a sua biblioteca recebeu uma boa quantidade de jogos excelente e que em alguns casos, permanecem exclusivos da plataforma até hoje. Entre eles, um dos principais destaque atende pelo nome Snatcher. Criação do mestre Hideo Kojima, este adventure gráfico funciona como uma revista em quadrinho interativa e conta com um excelente roteiro no estilo cyberpunk. É um jogo que merecia ser relançado, mas que em inglês só existe para o add-on do Mega Drive.

Outro que também fez a alegria dos donos de um Sega CD foi o Sonic CD. Defendido por alguns como o melhor capítulo da franquia, um dos pontos altos daquele jogo era a maneira como a sua jogabilidade se diferenciava dos demais ao adicionar uma camada de exploração aos estágios, com o sistema de viagem no tempo abrindo várias oportunidades e entregando um nível de profundidade incrível.

Já um dos maiores motivos de orgulho para a plataforma atendia pelo nome Final Fight CD. Como o jogo para fliperamas recebeu uma versão apenas para o Super Nintendo, quem possuía um Mega Drive teve que aguentar provocações por um bom tempo, mas o cenário mudou quando o beat 'em up apareceu no Sega CD. Com gráficos mais detalhados, toda a qualidade sonora proporcionada pelo CD e nos permitindo jogar com os Guy, Cody e Haggar, o jogo era muito superior a o que a Capcom tinha conseguido entregar no SNES.

Entre os FMV, aqueles que considero entre os mais divertidos sãoos clássicos Dragon's Lair e Mad Dog McCree, mas eu também gostava muito do Cobra Command, Revenge of the Ninja, Space Ace, Time Gal e do Road Avenger. Hoje não sinto a menor vontade para encará-los, mas são jogos de Sega CD cujos discos rodaram por tanto tempo no meu console na época, que boa parte das suas cenas eu cheguei a decorar.

Por fim, eu não poderia esquecer dois dos melhores RPGs já feitos, o Lunar: The Silver Star e o Lunar: Eternal Blue. Desenvolvidos pela GameArt e trazido ao ocidente pela Working Designs, naquela época esses jogos foram o mais perto que tivemos de um Final Fantasy fora das plataformas da Nintendo, mas descrevê-los apenas como meras cópias seria uma sacrilégio. Com ótimos enredos, gráficos simples (mas muito bonitos), cenas não -interativas feitas em animação e a espetacular trilha sonora composta por Noriyuki Iwadare, este são os jogos que ainda hoje me fazem querer comprar um Sega CD novamente.

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