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Liga da Justiça – Resenhamos o Snyder Cut (com spoilers)

O Snyder Cut é raro no cinema: Um diretor teve uma nova chance e um caminhão de grana para contar sua própria versão da história. Deu certo.

3 anos atrás

The Snyder Cut é o nome dado à nova versão do filme Liga da Justiça, de 2017, um filme com uma história trágica e conturbada, mesmo para os padrões do DCEU – DC Extended Universe. Em algo inédito na História do cinema, um diretor recebeu carta branca e um polpudo orçamento para mostrar sua versão de um filme que nem foi bem das pernas quando lançado.

Aumente o brilho, há heróis na imagem, juro (Crédito: Divulgação/HBO Max)

Zack Snyder é um diretor de cinema peculiar. Ele tem uma identidade visual muito forte, e uma visão de mundo específica, seus filmes refletem como ele vê o mundo, mais do que seguem as regras de seus gêneros específicos.

Batman vs Superman e Man of Steel são filmes de super-heróis mas não são filmes de quadrinhos. Aquaman, Guardiões da Galáxia e Shazam! são filmes de quadrinhos. Há uma diferença imensa e sutil, e muitas das críticas a Zack Snyder vem de não entender a diferença.

Snyder não se interessa em contar histórias de gente que veste a cueca por cima da calça. Ele quer contar a história de quase literais deuses vivendo entre humanos, e as consequências disso.

Liga da Justiça deveria ser a culminação do DCEU, com os principais heróis de reunindo para salvar o mundo, mas logo no início das filmagens, o mundo de Zack Snyder virou de cabeça para baixo; sua filha, Autumn, cometeu suicídio aos 20 anos de idade, e mais que compreensivelmente Zack abandonou tudo que estava fazendo.

Zack pediu a Joss Whedon para assumir a direção do projeto (ou o Estúdio propôs, as versões variam), e em um momento raro entre corporações malvadas e sem-coração, a Marvel não teve qualquer problema em ver seu diretor mais importante trabalhar para a concorrência.

O problema é que Joss Whedon é excelente fazendo filmes com a cara do Joss Whedon. Junto com John Fraveau e os irmãos Russo, ele ajudou a criar o estilo bem-humorado dos filmes de quadrinhos da Marvel.

O Steppenwolf não tem NADA de engraçado. É até meio triste (Crédito: HBO Max)

Os filmes da DC têm uma pegada mais séria, principalmente os do Snyder, e Liga de Justiça sofreu com isso; roteiro e direção formaram um dueto com cada um cantando em um tom diferente. Whedon picotou a história e tentou ao máximo fazer um filme da Marvel, mas com material da DC. Não deu certo, o filme não tem a gravidade de uma história séria nem o bom humor de um filme descompromissado. Imagine se os Russos decidissem encher o primeiro ato de Vingadores: Ultimato com piadinhas. Não funcionaria.

Quer dizer: Eu gostei do Liga da Justiça de 2017, mas admito que muito por ser fã das antigas, pra mim ainda é um privilégio poder ver esses personagens em carne e osso, e muito do que foi omitido na história eu preenchi com meu conhecimento prévio. Um fã neófito não tem essas vantagens.

Os humanos como sempre fizeram caquinha e protegeram a Caixa Materna... enterrando a meio metro de profundidade no meio do mato (Crédito: HBO Max)

O Estúdio já tinha engolido o prejuízo. Liga da Justiça faturou mundialmente US$ 657 milhões, e custou US$ 300 milhões, colocando em cima os custos de marketing, não sobrou grana nem pra um chiclete. Batman vs Superman faturou US$ 873 milhões, custando US$ 50 milhões a menos.

Por isso tudo ninguém botou fé quando começou na Internet o movimento para “liberarem o Snyder Cut”, dificilmente o estúdio gastaria dinheiro para remontar o filme, e na época achava-se que seria isso, uma nova edição com algumas cenas cortadas incluídas. O que ninguém imaginava é que não só o estúdio toparia a ideia, como Zack Snyder gastaria US$ 70 milhões para chamar todo mundo de volta e filmar um monte de cenas novas.

Chegamos ao Snyder Cut

Colocando o carro na frente dos bois, dá pra resumir assim: O Snyder Cut é uma excelente história, contada do jeito que o Zack Snyder acha que deveria ser contada, e que jamais funcionaria no cinema.

O Snyder Cut tem 4 horas de duração, e pra todo mundo reclamando disso, eu lembro duas coisas: 1 – Vocês adoram maratonar séries na Netflix e 2 – Vingadores: Ultimato teve três horas de duração e foi só a metade final, se levarmos em conta que precisou de Guerra Infinita antes, são mais duas horas e meia no pacote.

O que Zack Snyder fez foi filmar não um gibi, mas um daqueles paperbacks com uma saga inteira. Quase todas as falhas do primeiro filme foram corrigidas. Nada é jogado, nada é solto ou gratuito. Principalmente, Snyder fez algo que é raro nesse tipo de filme: Entregou um vilão com motivações.

Na primeira versão Steppenwolf é um pau-mandado de Darkseid, um vilão genérico sem nenhuma personalidade ou motivação. Agora ele é quase um pária, desesperado para cumprir sua missão e ganhar de volta o respeito de seu Mestre.

Sua sequência com as Amazonas é bem maior que na versão original, e ele sofre nas mãos delas, até conseguir roubar a Caixa Materna.

As Caixas Maternas aliás são parte da mudança. Na nova versão elas estão em silêncio, pois sabem que uma invasão não seria bem-sucedida com a presença do Superman na Terra. Quando ele morre, aí sim elas enviam o sinal que traz Steppenwolf para a Terra.

Também vemos uma versão bem mais longa da batalha primordial onde deuses, humanos, atlantes e aliens se uniram para enfrentar Darkseid (e não mais Steppenwolf), e que resultou na perda das Caixas Maternas, que ficaram na Terra como espólio de guerra.

Se parece que tudo está bem mais explicado, esse é o segredo. Zack Snyder contou uma história sem pressa, dividida em seis partes, aonde a motivação de cada personagem, a existência de cada peça é explicada e apresentada.

Talvez o maior beneficiário disso tudo tenha sido Ray Fisher, que faz Victor Stone, o Ciborgue. Ele foi alvo de uma decisão executiva sinistra: Os figurões da Warner acharam que seria prejudicial nos mercados internacionais o filme girar em torno de um personagem negro raivoso, e praticamente todo o arco dele foi cortado.

Isso é uma falta de visão completa, a raiva e o conflito interior são essenciais ao Ciborgue, e no Snyder Cut ele finalmente tem o espaço que merece.

Booya! (Crédito: HBO Max)

É mostrado como Silas Stone, pai de Victor é ausente, preocupado em pesquisar tecnologia kryptoniana e a Caixa Materna, vemos o acidente que vitimou sua mãe (a do Victor, não a sua, calma) e deixou o jovem e promissor atleta estraçalhado, só sendo salvo depois de virar um experimento do pai, que usou a Caixa Materna para reconstruir seu corpo.

Silas também tem um papel bem mais ampliado, ajudando a Liga da Justiça a invadir a nave Kryptoniana e ressuscitar Kal-El, plano que é bem mais discutido e questionado, nessa versão.

Não São Super-Amigos

A Liga do Snyder Cut não é recheada de piadinhas como a versão do Joss Whedon. Não tem Aquaman sentando no laço e falando da Tototosa Maravilha, não tem Ciborgue falando “booya” nem o Superman inexplicavelmente ignorando o vilão para salvar civis que nem estavam em perigo imediato, já que os parademônios estavam ocupados atacando a Liga.

Nessa versão Batman começa a recrutar a Liga sem ter noção de qual é a ameaça, só depois que Diana descobre um subterrâneo em um templo com inscrições detalhando a Batalha Primordial que ela entende o que Darkseid representa.

O climinha dela com o Bruce também foi devidamente removido do Snyder Cut. Estamos lidando com o Apocalipse, ninguém tem tempo para flertes de adolescentes. Só o Flash, na cena em que ele salva Iris West, e é lindamente bem-feita e original, abrindo caminho pro futuro filme solo do personagem.

Darkseid é mau feito o Pica-Pau, num nível animalesco, provavelmente para se diferenciar do Thanos (Crédito: HBO Max)

Ezra Miller, mesmo com menos piadinhas, ainda é o alívio cômico do filme, e consegue ser mais pra cima e animado que o Flash de Grant Gustin, no seriado do CW, e um dos pontos altos do crossover Crise nas Infinitas Terras foi quando ambos se encontraram.

A Liga de Snyder é super-séria (trocadilho intencional), pois são pessoas “reais” lidando com o fim do mundo. Alguns mais que outros, pois as Amazonas não desenvolveram ainda o conceito de telefone celular, rádio, corujas ou corvos, então Diana não sabe se quando Steppenwolf disse que matou todas elas, está falando a verdade.

A shit ficou serious

O Liga da Justiça de 2017 era PG-13, basicamente censura livre. O Snyder Cut é R-Rated, a mesma classificação de filmes como Logan e Deadpool, e morte certa para blockbusters como Vingadores, mas com a distribuição online, tudo muda.

Com a versão R, as lutas se tornaram mais viscerais, o que melhorou MUITO o velho problema desse tipo de filme: o clássico exército genérico de inimigos em computação gráfica. Sem falar que a cena final do Steppenwolf ficou deliciosamente brutal, bem como a batalha primordial.

O Suposto Problema de Zack Snyder

Eu vi nerds tresloucados reclamando que Snyder não respeita os personagens; Batman usa armas, o Superman é frio e alienígena (eu sei), o filme não respeita a lógica dos quadrinhos. Mas minha gente, não é quadrinho. É um filme que usa personagens que surgiram em quadrinhos. Aquaman, Deadpool são quadrinho puro. O Snyder Cut está muito mais pra Logan do que pra um gibi.

Snyder entende sim a linguagem dos quadrinhos, mas ele acha que é capaz de tirar muito mais dos personagens. Quanto há material de sobra, como em Watchmen, ele não precisa mexer em nada. Quando precisa, ele estende o filme e aprofunda os personagens.

O Snyder Cut é o DCEU, dark, realista, mas não é depressivo. Ele fica depressivo quando os filmes são cortados pelo estúdio e as coisas são jogadas na tela. O Snyder Cut é, acima de tudo, solene.

O uniforme preto é lindo e é canônico. Você tem todo direito de discordar, mas saiba que está errado (Crédito: HBO Max)

A Parte Que Não Funcionou

Eu gostei muito do Snyder Cut, muito mesmo, mas não é um filme perfeito. Pouquíssimos são. Há algumas decisões questionáveis. Então, vamos a elas:

1 – O formato 4:3

Zack Snyder filmou várias cenas do Batman vs Superman com câmeras IMAX, aquele formato monstruoso de grande que permite projeção em telas de 30 metros de altura. IMAX tem uma proporção de 1.33:1. A maioria dos filmes-pipoca são filmados em 2.39:1. BvS alternava entre formatos, o que é extremamente desagradável visualmente se não for feito com criatividade e parcimônia, tipo em WandaVision.

Snyder decidiu que ele gostou mais do formato IMAX do que do widescreen, e como estava usando filme de 35 mm, com um aspecto mais quadrado, optou pelo 1.33:1, o mesmo utilizado no cinema antigamente. Ele é bem próximo do resultado final, 4:3, que era a norma nas televisões antigas. Eu acho que foi um erro, filmes em 4:3 ficam apertados, esteticamente é uma razão de tela que não funciona com cenas e batalhas épicas.

2 – As cores lavadas

A Gail Simone, famosa autora de quadrinhos, brincou que mal esperava pra ver "o Lanterna Cinza” de Zack Snyder. Não chegou a tanto mas caramba, Zack Snyder deve ser um cachorro, todas as cores são lavadas, nem dá pra saber se o Uniforme Preto do Superman é o preto mesmo ou o tradicional desbotado.

Até a Mera, que em Aquaman tinha um cabelão ruivo Koleston, virou no máximo morena-clara. E como se não bastasse, Snyder quer lançar uma versão preto-e-branco do filme.

Zack Snyder odeia tudo que é colorido. Quando falaram para ele sobre 50 Tons de Cinza a resposta foi "pra quê tanto?" (Crédito: Divulgação)

3 – As cenas pós-tudo

Snyder adorou o pesadelo pós-apocalíptico com o Superman fascista mostrando em Batman vs Superman, mas não teve como encaixar no filme, então ele voltou, de novo como um pesadelo de Bruce Wayne, dessa vez com os heróis renegados sobreviventes tentando invadir a base do Super, com direito ao Coringa do Jared Leto, bem melhor do que no Esquadrão Suicida, mas ainda desnecessário.

A cena com o Luthor também não acrescentou nada, no máximo abriu caminho pro filme solo do Batfleck, que não vai acontecer.

4 – Darkseid

Sim, eu sei, todo mundo reclamou de ele não aparecer na versão do Whedon, mas nessa ele aparece na Batalha Primordial, num flashback, depois passa o filme inteiro em chamada de Zoom com o Steppenwolf. Quando ele finalmente encara a Liga da Justiça olho no olho, é através de um boob, digo boom tube. Vemos as tropas de Apokolips, Desaad, a Vovó Bondade, aí ele chuta o roteador a ligação cai, the end.

Ficou algo muito, muito forçando uma continuação, mas convenhamos, se você ameaça um mega-vilão o filme inteiro e não entrega, o público fica decepcionado. Vide a RIDÍCULA participação do Rhino num daqueles filmes do cabeça-de-teia.

Conclusão:

Se você não assistiu o Liga de Justiça de 2017, NÃO ASSISTA. Passe direto pro Snyder Cut, mas não vá com fogo no fiofó. Apesar de ter um monte de cenas de ação, não é um filme pra ver comendo pipoca olhando no celular e dando ALT+TAB no browser. Você vai apreciar muito mais se dedicar quatro horas de sua vida ao Snyder Cut.

Zack Snyder é um bom contador de histórias, e se você viu o Liga da Justiça de 2017, pode ver esse sem medo. É a mesma história, mas um filme completamente diferente. É como se Zack Snyder tivesse ouvido os fãs e refeito o filme consertando tudo que acharam errado, e nem foi culpa dele para começo de conversa.

Cotação:

4,5/5 Ciborgues dos Jovens Titãs Em Ação, para todo mundo entender que um personagem pode ter mais de uma leitura.

Trailer:

Aonde Assistir:

Nos EUA, só na HBO Max. Por aqui, em um monte de serviços de streaming. Vivo, Sky, Google Play, YouTube, etc.

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