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O que fez Sony mudar de ideia sobre cross-play? Dinheiro, claro

Processo Epic Games vs. Apple revela que Sony cobra taxa sobre cross-play em seus consoles, se a receita dos jogos for maior em outros sistemas

3 anos atrás

A Sony foi contra o cross-play em suas plataformas por anos a fio, defendendo que os consoles PlayStation sempre foram (e são, segundo a empresa) o melhor lugar para jogar. Eventualmente isso mudou, depois que a Epic Games teria conseguido convencer a gigante japonesa a implementá-lo em Fortnite, o que abriu o recurso para outros jogos. Ou assim se pensava.

Com o início do julgamento do caso Epic Games vs. Apple, novas informações sobre as operações de ambas companhias vieram à tona, entre elas, o motivo pelo qual a Sony se convenceu a permitir o cross-play no PS4 e posteriormente no PS5. Sem muita surpresa, envolve a cobrança de uma taxa adicional, ainda que em situações bem específicas, algo que nenhuma outra empresa implementou.

PS5 e controle DualSense (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

PS5 e controle DualSense (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

No passado, vários foram os casos de reclamações de estúdios que alegavam a possibilidade  de implementar cross-play entre o PS4 e outras plataformas, fosse o Xbox One, Nintendo Switch ou o PC, algo tão simples quanto ligar um botão, já implementado por padrão no código. No entanto, a Sony era categórica em não deixar ninguém brincar entre sistemas, e tinha três motivos bem definidos para isso.

Primeiro, a Sony entendia que endossar o cross-play diminuiria o interesse do público por seus próprios sistemas, já que o consumidor poderia optar por um console da concorrência, ou jogar no computador, e continuar curtindo os games com amigos nessas plataformas. Sob seu entendimento, barrar a funcionalidade serviria para frear o crescimento nas vendas da Microsoft e Nintendo, o que poderia ameaçar a liderança do setor, em que o PS4 dominava.

Segundo, a Sony usou por muito tempo a carta de "proteger os consumidores" usuários da PSN ao barrar interações com jogadores de outros sistemas, no que era entendido como uma aversão a permitir que Microsoft e Nintendo tivessem acesso a seus servidores da rede PlayStation, por menor que fosse. Parte desse "medo" se justificava com a queda da PSN em 2011, mas há diferença entre um ataque hacker e uma conexão entre plataformas, mas ainda assim, a Sony não queria saber.

Terceiro, e este é o ponto mais importante, a Sony abominava a ideia de que jogadores poderiam adquirir itens in-game em outros sistemas e usá-los no PS4 e PS5 posteriormente, sem que essas compras revertessem um único centavo à empresa japonesa.

Cross-play sem receita? Nem pensar

A Sony era coerente em seu discurso, não importava se o jogo era pequeno, grande ou gigantesco, não teria cross-play e ponto final. Isso não impediu a Epic Games de tentar convencer a empresa a implementá-lo em Fortnite, o que revelam documentos anexados ao processo da empresa contra a Apple, cujo julgamento começou nesta segunda-feira (3) na Corte Distrital do Norte da Califórnia.

Em um e-mail enviado à Sony, Joe Kreiner, VP de Negócios da Epic, à Gio Corsi, diretor sênior da Sony Interactive Entertainment America, concorda em fornecer acesso a coisas que a gigante japonesa poderia achar interessante, como a API de Unreal Engine 4 integrada à plataforma de eSports, dados de marketing, anúncios favorecendo o cross-play através do PS4 e outros.

A condição era apenas liberar o cross-play para Fortnite entre o PS4 e outros sistemas.

E-mail de Joe Kreiner, da Epic Games, propondo cross-play em Fortnite (Crédito: US District Court for the Northern District of California)

E-mail de Joe Kreiner, da Epic Games, propondo cross-play em Fortnite (Crédito: US District Court for the Northern District of California)

A resposta de Corsi foi a esperada: a Sony rejeitou a oferta.

No e-mail, o executivo deixa claro que cross-play não era um recurso essencial para a plataforma PlayStation, "não importando o tamanho do título" (Fortnite já era um fenômeno em 2018). Ao mesmo tempo, Corsi diz que "muitas companhias estão explorando" a implementação do cross-play entre o PS4 e outros consoles, e "nenhuma delas conseguiu explicar como tal recurso poderia melhorar os negócios da plataforma PlayStation".

Neste ponto, Corsi faz uma referência velada ao terceiro argumento da Sony contra o cross-play, o de que implementá-lo não se reverteria em lucro à Sony se jogadores comprarem itens in-game em outras plataformas para usá-los no PS4.

E-mail de resposta de Gio Corsi, da Sony, rejeitando a proposta (Crédito: US District Court for the Northern District of California) / cross-play

E-mail de resposta de Gio Corsi, da Sony, rejeitando a proposta (Crédito: US District Court for the Northern District of California)

No fim das contas, tudo girava em torno de dinheiro. A Sony não via a necessidade de implementar o cross-play sem que ele pudesse ser revertido em uma fonte de receita adicional, e por causa disso, seguiu por muito tempo resistente à ideia.

Vamos faturar

As coisas só mudaram quando a situação se tornou insustentável, e o PS4 estava se tornando o console excluído da festa nos principais novos lançamentos. No entanto, ao adotar o cross-play, a Sony estabeleceu uma cobrança adicional às desenvolvedoras, chamada "taxa sobre receita multiplataforma".

Funciona assim: todos os games com cross-play em seus sistemas devem ter uma porcentagem local de receita mensal com vendas in-game (por exemplo, a venda dos V-Bucks de Fortnite) igual ou maior que 85% do montante entre todas as plataformas, de modo que não haja uma cobrança adicional.

Qualquer valor abaixo desse índice resulta na aplicação da taxa, que segue o cálculo [(R1 x P1) - R2] x 15%, onde se lê:

  • R1: Receita mensal entre todas as plataformas;
  • P1: Porcentagem do público do título que joga em consoles PlayStation;
  • R2: Receita mensal do jogo via PSN.
Documento em que a Sony explica como a taxa sobre receita multiplataforma funciona (Crédito: US District Court for the Northern District of California) / cross-play

Documento em que a Sony explica como a taxa sobre receita multiplataforma funciona (Crédito: US District Court for the Northern District of California)

O cálculo é realizado mensalmente e todos os games com cross-play estão sujeitos, algo que Tim Sweeney, CEO da Epic Games, confirmou durante o primeiro dia das audiências do processo contra a Apple. As desenvolvedoras devem apresentar os dados à gigante japonesa, que se reserva no direito de auditar os mesmos, caso desconfie de irregularidades.

Ainda segundo Sweeney, a Sony é a única empresa que exige compensações pela habilitação do cross-play no PS4 e PS5, dessa forma, as concorrentes não criaram nenhum tipo de barreira similar para permitir a ativação do recurso no Xbox One, Xbox Series X|S, Nintendo Switch, Android e iOS, ao menos enquanto Google e Apple ainda permitiam Fortnite em suas lojas oficiais. Ao que consta, a Samsung Galaxy Store também não cobra pelo recurso no jogo.

A Sony também estipula que compras em dinheiro interno não podem ser transferidas de e para os consoles PlayStation (Fortnite possuía tal recurso, mas foi desligado), e que os desenvolvedores devem implementar ferramentas nos jogos que permitam o desligamento imediato das interações entre plataformas, caso seja necessário, provavelmente uma cláusula visando o que aconteceu entre a Epic e a Apple.

A Sony não se pronunciou até o momento, mas é muito provável que a cúpula da divisão PlayStation não tenha gostado nem um pouco da "taxa sobre receita multiplataforma" ter vindo à tona.

Fonte: The Verge

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