Carlos Cardoso 3 anos atrás
O Legado de Júpiter é a nova série de super-heróis da Netflix. Pode ser vista como um The Boys Light, um Invincible sem malícia, uma série do CW com 15% mais orçamento, uma história mais do mesmo ou o que eu acho que é: Um gibi divertido.
A história é cria de Mark Millar, autor escocês arroz de festa no mundo dos quadrinhos. Seu currículo é invejável e respeitável, tendo criado ótimas desconstruções de gênero como Kingsman e Kickass. Millar também se destacou nas grandes editoras com material adaptado. É dele o excelente Superman: Red Son, Marvel Civil War e o quase clássico Old Man Logan.
Em 2007 Mark Millar abriu sua própria editora, a Millarworld, publicando material original dele mesmo e de outros autores. Em 2017 a Netflix comprou a empresa, com toda sua propriedade intelectual por US$100 milhões, de olho em produzir séries e filmes.
O Legado de Júpiter é uma dessas séries, com uma premissa interessante mesmo que não inédita.
Durante a Grande Depressão dois irmãos filhos de um magnata da indústria do aço ficam órfãos, pobres (relativamente falando) e descobrem que seu pai (o deles, não o seu) não era tão bonzinho quanto imaginavam.
Um deles, Sheldon Sampson, se torna obcecado com um mistério que seu pai estava tentando desvendar, antes de cometer suicídio por causa da Crise de 1929. No futuro Sheldon se tornará o Utopian, o super-herói mais poderoso da Terra.
A série salta entre passado e futuro, e o futuro não é mais como era antigamente. Graças a seus poderes o Utopian e outros Supers envelhecem mais lentamente. Agora com cem anos ele está casado com Lady Liberty, dividindo seu tempo entre salvar o mundo e criar os filhos, também Supers.
Paragon, o filho é um Herói em treinamento e destinado a suceder o pai como o próximo Utopian. Chloe, apesar de também ser Super, não quer nada com a vida de herói, é a jovem rebelde que faz tudo pra chocar os pais, levando uma vida de sexo drogas e rock and roll, trabalhando como modelo nas costas da fama do pai.
O mundo d’O Legado de Júpiter está mudando. Os supervilões estão se tornando mais perigosos, os heróis estão começando a perceber que apesar dos malucos usando a cueca por cima da calça e cometendo crimes, os maiores problemas são causados pelo Complexo Industrial-Militar, empresários inescrupulosos e corrupção sistemática, mas lidar com isso iria contra o Código dos heróis, definido pelo Utopian:
“Nós não matamos, nós não lideramos, nós inspiramos”.
Lindo, mas não funciona, e a grande crise acontece quando a União (grupo dos principais heróis do planeta) enfrenta Blackstar, um vilão casca-grossa que mata uma das heroínas, subjuga o Utopian e está prestes a se auto-detonar como uma bomba nuclear. Paragon chega com tudo e com um soco arranca o rosto de Blackstar, neutralizando a ameaça. Utopian fica putopian nas calças com aquela violação do Código. Heróis não matam, em nenhuma circunstância.
A dinâmica familiar d’O Legado de Júpiter muitas vezes lembra Invincible, mas ao contrário de Garth Ennins, Mark Millar não odeia super-heróis, não quer fazer nenhuma desconstrução nem apontar como são todos cínicos e prejudiciais. O Utopian é legitimamente bom, talvez bom demais.
Ele é um Super-Homem clássico em um mundo que precisa de um Super-Homem do Snyder. O conflito é entre os ideais do Utopian versus um mundo que não tem os mesmos ideais de nobreza, mas está longe de ser o mundo cínico de The Boys.
Mark Millar não tem nenhuma grande mensagem política em O Legado de Júpiter, ele não quer denunciar gêneros ou fazer complexas críticas políticas. Ele quer contar uma história ambiciosa, atravessando gerações e que nos quadrinhos rendeu quatro coletâneas e continua sendo publicada.
Claro, não quer dizer que a adaptação para a TV não tenha seus problemas.
A peruca que colocaram em Josh Duhamel é ridícula, faz o Utopian parecer um personagem d’Os Trapalhões. Andrew Horton, o Paragon tem as mesmas capacidades interpretativas de uma beringela, e Chloe Sampson é uma personagem tão chata, tão antipática que quando ela tem uma overdose a torcida é que morra, desgraçada, morra. (Spoiler: não morre)
A primeira temporada é toda focada em mostrar a origem dos heróis, mas no final não explica nada, terminando numa mistura de Ilha de Lost com aquela maldita ilha do Arrow. Mesmo tendo um vilão, ele prima pela ausência, e o conflito familiar soa meio besta quando você tem que parar de bater boca pra salvar o mundo.
Como disse anteriormente, gostar ou não d’O Legado de Júpiter depende muito mais de você do que da série. Se você não acompanha quadrinhos, mas gosta do MCU e seus espetáculos visuais, assistiu The Boys e adorou a crítica ao fascismo inevitável quando seres onipotentes tentam conviver com meros mortais, vai se decepcionar com a série de Mark Millar.
O ritmo, admito, também não ajuda. Pouca coisa realmente acontece nos oito episódios da primeira temporada, a impressão é que foi tudo um imenso prólogo. As platéias hoje são muito mais dinâmicas, todos os personagens são, como direi, martelados demais. Não precisamos ver a Chloe em 20 baladas (nights, em português carioca) diferentes pra entender que tipo de pessoa ela é.
Uma crítica que não concordo é quanto aos efeitos visuais. Claro, O Legado de Júpiter não é The Boys, não é Guerra Infinita, mas os efeitos visuais estão bem decentes, ainda mais lembrando que é Netflix, não HBO, mas está longe de ser, como chamaram injustamente, Power Rangers.
https://youtu.be/78QltZcT7Ws
Existe uma atitude esnobe entre alguns fãs, que exigem que tudo produzido seja balizado pelo top do top, o que é uma perspectiva irreal. Nem toda série pode ou tem que ser Game of Thrones, é possível se divertir com propostas mais modestas, porém limpinhas.
O Legado de Júpiter não é o melhor de Mark Millar nem vai reescrever a forma com que super-heróis são tratados na teledramaturgia, mas é uma história honesta, um bom gibi filmado que compre tudo que promete: Divertir contando uma boa história.
3/5 Salsichas do Amor