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Câmara dos EUA quer forçar NASA a usar apenas o SLS

Representantes barraram ILV da Blue Origin e querem fazer o mesmo com Starship da SpaceX, para forçar NASA a usar apenas o SLS e a cápsula Orion

3 anos atrás

Clarence William "Bill" Nelson II, o atual diretor da NASA, tem um tremendo abacaxi para descascar chamado SLS. O monstruoso, super atrasado e caríssimo foguete ainda é endossado pelo Congresso dos Estados Unidos como o principal, e até mesmo único, programa viável para levar astronautas de volta à Lua.

A decisão da NASA em escolher apenas a SpaceX e sua Starship já não foi muito bem engolida pelo Senado, que arrumou um "puxadinho" de US$ 10 bilhões para incluir a Blue Origin como terceira via, mas não só os representantes cortaram o barato de Jeff Bezos, como também não estão inclinados a permitir a entrada de Elon Musk, ou de qualquer outra empresa privada, no programa de exploração lunar.

Todo toda obra de igreja, o SLS está cercado de politicagem (Crédito: Divulgação/NASA)

Todo toda obra de igreja, o SLS está cercado de politicagem (Crédito: Divulgação/NASA)

O Space Launch System é a versão espacial de uma "obra de igreja". O programa, derivado do finado Constellation que deveria substituir os ônibus espaciais, custou até o momento a inacreditável fábula de US$ 18,6 bilhões, muito por conta de atrasos injustificados da Boeing, conforme apontado por uma auditoria interna. Indiscutivelmente poderoso, o foguete foi projetado originalmente para a retomada das missões tripuladas à Lua, bem como as primeiras com astronautas rumo a Marte e Júpiter, num futuro ainda incerto.

O SLS consumiu 15 meses de testes, e a politicagem já começa aí. No início de junho, o senador republicano Roger Wicker, que representa o estado do Mississippi, onde o Centro Espacial John C. Stennis, onde o foguete foi testado, se localiza, propôs uma espécie de "puxadinho", um módulo não-funcional para a manutenção de testes por tempo indeterminado, apenas para segurar empregos no estado.

Tecnicamente o SLS está pronto para voar, e é aqui que começam os outros problemas. Cada lançamento do foguete e da cápsula Orion estão orçados em US$ 2 bilhões, seguindo o modelo tradicional de jogar a plataforma fora toda vez. A SpaceX, por sua vez, vinha desde meados dos anos 2000 estudando plataformas reutilizáveis, que derrubariam em muito os custos.

A companhia de Elon Musk passou em todos os requisitos de segurança da NASA, que é full-nazi com protocolos, culminando na homologação de reuso dos foguetes Falcon 9 e das cápsulas Dragon, para o envio de astronautas e cargas à ISS, e na escolha da Starship, sua nave espacial completa, como único programa de módulo de pouso lunar do Programa Artemis. Pesou muito o fato do projeto ser completamente fora da caixa, quando comparado ao HLS da Dynetics e o ILV da Blue Origin.

A decisão da NASA não agradou os políticos, para quem o SLS deve ser justificado, e mesmo a agência não o descartou por completo, no que os planos originais visam usar ambos, mas com a Starship sendo o módulo principal. Ao mesmo tempo, Jeff Bezos ficou fulo nas calças pelo ILV ter perdido a concorrência, ao ponto de ser convenientemente ouvido pela senadora democrata Maria Cantwell, que representa o estado de Washington, o mesmo onde fica a sede da Blue Origin.

Em uma emenda proposta pela senadora, a Lei da Fronteira Sem Fim seria alterada para abarcar um aporte adicional de US$ 10,03 bilhões (por acaso o mesmo valor que Bezos vinha pedindo) para viabilizar um programa adicional, obviamente o ILV. Nem todo mundo foi a favor da ideia (Bernie Sanders principalmente), mas as modificações foram aprovadas pela maioria dos senadores, e seguiram para a Câmara dos Representantes.

Foi aí que o caldo entornou para Bezos e Musk, e por tabela para o diretor Bill Nelson, que assumiu a NASA logo depois que a Starship foi escolhida como programa vencedor.

Starship, Dynetics HLS e ILV da Blue Origin em escala, com humano para referência (Crédito: John MacNeill)

Starship, Dynetics HLS e ILV da Blue Origin em escala, com humano para referência (Crédito: John MacNeill)

Em um raro alinhamento bipartidário, uma boa parcela dos representantes é contra a depreciação do SLS, que sob sua ótica, deve ser o único sistema de lançamento permitido à NASA usar, excluindo toda e qualquer companhia privada do processo, mesmo a SpaceX e sua Starship. Os motivos incluem desde o dinheiro absurdo já gasto no foguete, que deve ser justificado principalmente aos contribuintes, ao fato de que o programa de exploração da Lua e Marte não deve ser privatizado.

Em 2013, quando o ex-astronauta e fuzileiro naval Charles Bolden comandava a NASA (2009-2017), ele disse que "nenhuma companhia privada seria permitida a ir ao espaço" sem envolvimento da agência espacial e do governo dos EUA. Durante a gestão de Jim Bridenstine, a aproximação com companhias privadas aumentou, visão essa compartilhada por Nelson, mesmo ele sendo defensor do uso conjunto do SLS.

Só que essa visão não era unânime nem dentro da NASA. Em 2018, quando Musk declarou que a SpaceX iria para a Lua, setores da agência não gostaram do desdém que ele deu ao SLS, ao ponto de ser acusado de ingratidão, e que sem o governo, sua empresa "sequer tiraria as cápsulas Dragon do chão".

A dra. Mary Lynne Dittmar, então diretora-executiva da Coalition for Deep Space Exploration, foi ainda mais ácida:

“Eu acho incrível que esse tipo de anúncio seja feito quando a SpaceX sequer tem uma equipe decente para fazer um voo de órbita baixa."

De lá para cá as coisas mudaram, mas nem todos na Câmara concordam, e isso ficou claro tão logo as emendas do Senado à Lei da Fronteira Sem Fim chegaram. O primeiro a rodar foi Jeff Bezos, no que a representante Pramila Jayapal (DEM/Seatlle-WA) disse ao The Wall Street Journal que "se o CEO da Blue Origin quer explorar o espaço, que o faça sem dinheiro público". De cara, a emenda de um aporte para um módulo lunar adicional foi completamente descartada.

Só que o mesmo sentimento se estende a Elon Musk e a SpaceX. No entendimento de Eddie Bernice Johnson (DEM/Dallas-TX), a atual presidente da Câmara dos Representantes, a NASA deve ser orientada (na prática, forçada) a usar somente o SLS e a cápsula Orion, no que pode culminar no completo descarte de uso da Starship, novamente com a mesma prerrogativa: "que Elon Musk use dinheiro do próprio bolso para brincar de astronauta".

Eddie Bernice Johnson, presidente da Câmara dos Representantes, é contra dar dinheiro público à SpaceX ou qualquer outra empresa privada (Crédito: Bill Clark/CQ Roll Call/Newscom)

Eddie Bernice Johnson, presidente da Câmara dos Representantes, é contra dar dinheiro público à SpaceX ou qualquer outra empresa privada (Crédito: Bill Clark/CQ Roll Call/Newscom)

As divergências entre alas do Congresso se concentram principalmente na redução de custos aos cofres públicos, que seriam significativos com a adoção de um programa privado, com metas e preços fixos. A SpaceX recebeu um aporte de US$ 2,89 bilhões e teria que se virar com essa grana para colocar a Starship em funcionamento. Segundo Elon Musk ela dá e sobra, cada lançamento está orçado em US$ 50 milhões contra, de novo, US$ 2 bilhões do SLS.

Para os políticos contra a participação privada na exploração lunar, um contrato flexível como os tradicionais, em que a NASA supervisiona de perto todos os aspectos de construção dos foguetes e módulos, que é o caso da relação com a Boeing para o SLS (mesmo considerando todos os problemas) é mais viável, principalmente porque o Congresso pode ainda exercer controle sobre quem vai construir o quê, e qual estado será contemplado com investimentos e geração de empregos.

No modelo de parceria público-privada, como é o contrato com a SpaceX, a empresa de Elon Musk tem total autonomia sobre como gastar o dinheiro público ao qual teve acesso, sem que a NASA ou políticos possam pitar nada, desde que as metas da agência sejam atendidas. No fim das contas é tudo uma questão de controle, a boa e velha burocracia estatal.

Bill Nelson ainda tem uma chance de mudar a mentalidade da Câmara dos Representantes: nesta quarta-feira (23) ele será ouvido em uma audiência do Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia, onde deverá apresentar as razões da NASA para endossar o acordo com a SpaceX como o melhor para o Programa Artemis, ao mesmo tempo que defende o uso concorrente do SLS e da cápsula Orion.

Já os representantes, liderados por Johnson, usarão a seu favor tanto a justificativa dos gastos com o SLS para mantê-lo como único programa viável com aporte de dinheiro público, quanto a ideia de manter o programa espacial dos EUA estatizado, sem nenhuma participação privada, seja de Musk, Bezos ou qualquer outro.

Fonte: Ars Technica

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