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Virgin Galactic sofre ataque da Blue Origin em véspera de voo histórico

Virgin Galactic e Blue Origin vão lançar suas naves sub-orbitais em Julho, com direito a passageiros. Pena que agora elas estão se bicando

3 anos atrás

Virgin Galactic, de Richard Branson e Blue Origin, de Jeff Bezos estão brigando nariz a nariz para inaugurar a era do turismo espacial, anunciada muito tempo atrás mas seguidamente adiada, com os atrasos dos projetos do New Shepard e da SpaceshipTwo. Agora é a reta final, com algumas ressalvas.

SpaceShipTwo acoplaca à VMS Eve (Crédito: Virgin Galactic)

Apesar do que ambos alardeiam, a era do turismo espacial começou em 28 de Abril de 2001, quando a Soyuz TM-32 decolou de Baikonur, no Cazaquistão (wawaweewa) levando a bordo dois cosmonautas e Dennis Tito, empreendedor e bilionário. Tito pagou US$20 milhões (US$30 milhões em valores de 2021), o equivalente a 2674 carros populares (vai que tem espectador do Fantástico lendo) para os russos.

Como o programa espacial russo na época estava em uma pindaíba total, aceitando até patrocínio nos telões do Centro de Controle. Um ano antes um foguete Próton, levando um módulo da Estação Espacial Internacional subiu com a logo da Pizza Hut na fuselagem. O jabá custou US$1 milhão.

Foguete com jabá (Crédito: Roscosmos)

Dennis Tito inaugurou a era dos turistas orbitais, mas como os custos são literalmente astronômicos, somente poucos eleitos tiveram o privilégio de pagar por uma viagem ao espaço, e mesmo Tito só ficou em órbita por oito dias.

A proposta de Bezos e Branson (e de umas 50 empresas antes deles) é baratear o custo desse tipo de aventura. Ou melhor, não exatamente desse tipo, mas de voos balísticos sub-orbitais.

Nas duas naves depois que os motores são desligados a inércia faz com que elas prossigam em suas trajetórias, vertical no caso do elevador do Bezos, parabólica no caso da SpaceShipTwo. Nesse espaço de tempo os passageiros se encontram em regime de microgravidade. Graças a Newton eles estão “caindo pra cima”, desacelerando até começarem a cair pra baixo.

Em nenhum momento eles estão sem gravidade. Nem na Estação Espacial Internacional isso acontece. A Gravidade diminui na razão inversa do quadrado da distância, na altitude da ISS os astronautas estão sob efeito de 89% da gravidade percebida por uma pessoa na superfície da Terra.

E por quê eles não caem?

Eles caem, padawam. Os astronautas, a ISS, as Soyuz e Dragons estacionadas, está todo mundo caindo, o segredo é que eles estão caindo enquanto se movem para o lado a 28000Km/h. Eles caem, mas erram a Terra. A Gravidade, ela está lá.

No caso da Blue Origin e da Virgin Galactic, os passageiros experimentarão o mesmo efeito de quando você joga uma bola de tênis pro alto, ela vai diminuindo de velocidade até ficar momentaneamente parada na altura dos seus olhos. Faça o teste. Se não tiver uma bola de tênis pode usar seu telefone, ou um ouriço do mar.

A Virgin Galactic sofreu bastante até chegar aonde está. Branson descobriu que Espaço é caro, muito caro, e complicado. E pagou por isso, com o acidente que destruiu a VSS Enterprise em 2014, matando Michael Alsbury e ferindo gravemente Peter Siebold, ambos pilotos de teste da empresa.

Depois do acidente foram dois anos sem novos vôos de testes, dessa vez com a VSS Unity. A empresa ainda tem uma outra nave em fase final de testes de solo, a VSS Imagine, que provavelmente será sucedida pela VSS All The People.

Agora, depois de 17 anos de sua fundação, a Virgin Galactic está prestes a fazer seu primeiro lançamento “comercial”, dia 11 de Julho de 2021, com transmissão ao vivo à partir das 10 da manhã. Para facilitar, você pode acompanhar direto deste streaming:

A VSS Unity será pilotada por Dave Mackay e Michael Masucci. Ela decolará carregada pela VMS Eve, o avião-transportador que leva a VSS Unity até a altitude de lançamento.

Como passageiros da Unity teremos Sir Richard Branson, a VP de assuntos governamentais da Virgin Galactic Sirisha Bandla, Colin Bennett, Engenheiro-Chefe de Operações e Beth Moses, chefe de treinamento de astronautas da empresa.

Se tudo der certo eles passarão dos 80KM de altitude, experimentando entre 3 e 5 minutos de microgravidade, durante os quais poderão flutuar pela cabine. E aqui começa a mesquinharia.

A tripulação do voo histórico da VSS Unity (Crédito: Virgin Galactic)

Não existe nenhuma definição internacional de “espaço”, mesmo apenas entre as diversas agências nos Estados Unidos, as definições variam. A Força Aérea dos EUA considera “espaço” acima de 80Km, por isso 9 dos pilotos do programa X-15 receberam distintivos de astronautas. O que chegou mais baixo foi Michael Adams, 81Km em 1967, e o mais alto foi Joseph Walker, 107.8km, em 1963.

Walker foi o único piloto a ultrapassar os 100Km de altitude, a chamada Linha de Karman, que tecnicamente seria o limite inferior do Espaço mais aceito.

A Blue Origin não perdeu tempo e começou uma campanha para desmerecer a concorrente. Não é a primeira vez. Quando a SpaceX estava refinando os últimos detalhes do pouso do Falcon 9, Jeff Bezos apareceu do nada com um teste apressado do New Shepard, e foi provocar Elon Musk no Twitter, aonde o usuário médio não faz ideia da imensa diferença em complexidade entre pousar um foguete suborbital que sobe e desce verticalmente, e um monstro de 70 metros como o Falcon 9.

Bezos em seu cosplay de vilão de James Bond (Crédito: Blue Origin)

Eles publicaram um infográfico comparando o New Shepard com a SpaceShipTwo, com mesquinharia a ponto de comparar até a poluição de cada um, além de apontar que o New Shepard ultrapassa a linha de Karman, blablabla blablabla. Sério, eles falam até do tamanho das janelas de cada nave.

Dois dias antes de um lançamento histórico, jogar areia na farofa do concorrente foi bem baixo, mesmo pros padrões do Bezos. Mesmo concorrentes ferrenhos, como Elon Musk e Tory Bruno, da United Space Aliance se estapeiam publicamente por causa de contratos governamentais e política, mas na área técnica eles se respeitam e elogiam os sucessos de cada um.

O pior de tudo é que a Blue Origin havia tirado uma carta da manga que tinha gerado extrema simpatia pela empresa.

Não foi a notícia de que um desavisado pagou US$28 milhões para participar da missão, junto com Jeff Bezos e seu irmão. Nos temos atuais isso soa como extravagância de gente rica, e convenhamos, é. US$28 milhões compram centenas de voos no Cometa-Vômito, que somados dão quase uma hora em microgravidade.

O corpo humano sob efeito da microgravidade. Ciência é uma coisa incrível mesmo. (Crédito: Sports Illustrated)

A notícia que surpreendeu meio-mundo foi que Jeff Bezos em pessoa convidou Wally Funk para participar do Voo.

Mary Wallace “Wally” Funk é uma das pioneiras do programa Mercury 13, um pequeno pesadelo de relações públicas da NASA nos Anos 60. Tudo começou quando William Randolph Lovelace II, um pesquisador da NASA resolveu descobrir se mulheres poderiam passar pelos mesmos testes exigidos para astronautas do projeto Mercury.

A NASA não gostou da ideia e o Dr Lovelace usou recursos próprios e favores para bancar a pesquisa. Das 700 testadas inicialmente 13 passaram para a fase dois, com testes em câmaras de isolamento, pesquisas psicológicas, etc. Na fase 3 elas seriam testadas em voos com caças da Marinha (todas eram pilotos com mais de 1000 horas de voo) mas a NASA puxou a tomada.

Uma coisa era o Dr Lovelace fazer testes por conta própria, outra era ele sair afirmando que suas meninas tinham resultados iguais ou melhores que os astronautas homens. Uma delas conseguiu notas melhores que Neil Armstrong. O nome dela? Albert Einstein Wally Funk.

Wally Funk (Crédito: Blue Origin)

Ela foi a primeira mulher a ser instrutora de voo em uma instalação militar, foi uma das primeiras mulheres a se certificar piloto de transporte nos EUA, e foi a primeira mulher a ter todos os certificados de instrutura de voo civil pela FAA.

Wally depois foi contratada pelo NTSB (National Transport Safety Board), o órgão dos EUA que investiga acidentes aéreos, tendo trabalhado em mais de 300 casos. Ela totalizou como piloto 19600 horas de voo.

Durante todo esse tempo Wally nunca esqueceu o Espaço, <ALERTA EXTREMA IRONIA ADIANTE> e em 2012 colocou US$200 mil do próprio bolso em uma empresa que estava prometendo em breve voos comerciais no espaço, uma tal de... Virgin Galactic.

Wally Funk, Richard Branson e Buzz Aldrin

Obviamente Branson não entregou, e Wally teria desistido, se não fosse Jeff Bezos, que fez o convite. Em 20 de Julho de 2021 Wally Funk subirá ao espaço, por alguns minutos. Ela realizará seu sonho de uma vida, e ainda quebrará o recorde de John Glenn, que em 1998, aos 77 anos se tornou a pessoa mais velha a ir ao espaço. Wally tem 82 anos, mas sorri como uma criança só com a ideia de receber suas asas de astronauta.

Foi sujeira a Blue Origin desmerecer o voo da Virgin Orbit dois dias antes? Foi, com certeza, mas ao convidar Wally Funk -de graça- e fazer o que a concorrente prometeu mas não cumpriu a empresa de Jeff Bezos deu um tapa na cara da Virgin muito, muito maior do que qualquer infográfico. E quer saber? Foi um tapa merecido.

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