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A estranha e efetiva metodologia de trabalho da SpaceX

A SpaceX está construindo foguetes usando uma metodologia rápida que está tirando o sono dos concorrentes. Vamos conhecer os detalhes

2 anos e meio atrás

Quando a gente imagina a SpaceX projetando e construindo foguetes, visualizamos aquelas salas imensas de projetistas com camisas brancas e gravatas pretas, em pranchetas. Imaginamos salas imaculadas com engenheiros em trajes isolados carregando parafusos em pinças. A realidade é completamente diferente.

Starship, executando a bela e violenta manobra final de pouso (Crédito: SpaceX)

Na excelente série de entrevistas que Tim Dodd, o Everyday Astronaut vem fazendo com Elon Musk (parte 1 e parte 2), muito da metodologia da SpaceX foi tornado público, e confirmou o que todo mundo já estava acompanhando: Eles não são uma empresa de foguetes normal.

Nos velhos tempos da NASA, quando havia uma imensa torneira de dinheiro na Agência, tudo era produzido em paralelo. Enquanto uma empresa construía parte do módulo lunar, outra construía o computador do módulo. Se uma mudança de especificação alterasse o espaço disponível para o computador, a outra empresa teria que recomeçar do zero.

Foram tantas mudanças que até bem tarde no projeto do módulo de pouso, havia assentos, até que alguém se tocou que poderiam economizar massa simplesmente removendo os assentos, o que foi excelente, mas os painéis tiveram que ser reprojetados pra operação em pé.

Junte a isso a decisão da NASA de testar TUDO extensivamente, otimizando cada sistema, cada parafuso. Chegaram ao cúmulo de lançar a Apollo 10, que foi até a Lua, entrou em órbita, separou o módulo de pouso, chegaram a 15Km de altitude e então... voltaram pra Terra.

O racional da NASA era que seria um vôo de teste, os dados obtidos seriam analisados e usados para otimizar a próxima missão.

Essa forma de projetar uma espaçonave e um programa espacial é extremamente cara, e convenhamos, frustrante.

Centro Técnico da General Motors em Warren, Michigan, provavelmente Anos 60 (Crédito: General Motors)

Quando a SpaceX estava finalizando a cápsula Dragon, a NASA exigiu vários lançamentos de testes. Depois do primeiro lançamento orbital, bem-sucedido, seriam mais dois. Um a nave iria até próximo da Estação Espacial Internacional, comprovando sua capacidade de navegação autônoma.

Aí em um terceiro vôo a Dragon acoplaria com a ISS. A SpaceX chiou, não fazia sentido, gastar dezenas de milhões de dólares, chegar até a ISS e voltar, se tudo estava correto?

Eles propuseram então unir as duas missões; a Dragon voaria até a Estação Espacial, ficaria nas proximidades, a NASA analisaria os dados do vôo e se tudo estivesse OK, tentariam a acoplagem. Surpreendentemente, a NASA aceitou.

A metodologia da NASA é gastar muito pra resolver tudo ao mesmo tempo. A SpaceX vai pelo caminho oposto.

Quando eles resolveram que o Falcon 9 seria reutilizável, começaram testando manobras durante lançamentos normais, fazendo o foguete dar ré e religar os motores. Em seguida foram os testes de pouso, primeiro na água, para determinar se conseguiriam acertar um ponto específico no mapa.

Nessa época o Falcon 9 não tinha pernas. Nem as aletas de controle. As duas estruturas não existiam nem em projeto. A equipe estava focada em construir mais Falcons e resolver os problemas imediatos, acertar a área de pouso e, depois, fazer o pouso suave controlado.

Até o alinhamento dos motores era diferente no Falcon 9 Versão 1.0. Eram lineares ao invés de circulares (Crédito: SpaceX)

Com os testes eles descobriram que precisavam de mais fluído hidráulico, mais reserva de combustível e aletas de controle, cada foguete que pousava era uma pilha de dados que influenciavam os próximos designs, mas não afetavam o design de partes que não existiam.

Agora com a Starship e o Super Heavy, a metodologia da SpaceX de iteração rápida está mostrando resultados surpreendentes. Eles não têm problema de mudar de idéia, os tanques de combustível de fibra de carbono foram abandonados sem a menor cerimônia, quando ficou evidente que eram caros e difíceis de construir.

A SpaceX segue a linha de resolver os problemas difíceis primeiro, um a um, chegar a uma solução boa o bastante pra tudo funcionar, e só depois que o foguete estiver operacional, pensar em otimizar tudo. Um exemplo é o Raptor, o motor usado no Super Heavy e na Starship.

Raptor e Raptor Vac, versão otimizada para operar no vácuo. Os melhores da categoria. Em teoria já estão obsoletos (Crédito: SpaceX)

Levou um bom tempo, mas hoje a SpaceX tem um motor funcional, que já voou nos vários protótipos da Starship. A linha de montagem está funcionando, eles podem então se dar ao luxo de pegar tudo que aprenderam e produzir o Raptor 2, que segundo Elon Musk será bem mais eficiente.

Durante a visita às tendas da SpaceX, Musk revelou algo que deixaria muita gente de cabelo em pé: A Starship não tem porta. Eles não vão lançar nada durante os primeiros vôos do foguete, então ninguém perdeu tempo projetando e construindo uma porta de carga, que só custaria mais dinheiro e não acrescentaria nada exceto peso.

Nada exemplifica melhor a metodologia da SpaceX do que o Starhopper, a caixa d’água espacial. Ao invés de intermináveis testes e especificações que garantiriam que o Raptor teria capacidade de manobra, a SpaceX construiu uma estrutura mambembe, instalou o motor e testou se os softwares e sistemas de navegação funcionavam. Foram aprovados.

O pulo do gato da metodologia da SpaceX é testar muito, alterar muito, mas fazer isso tudo de forma BARATA. Em 2019 cada Raptor custava por volta de US$1 milhão. Não há especificação do valor hoje, mas a SpaceX planeja que quando forem produzidos em massa, o custo caia para menos de US$250 mil. Isso pra um motor reutilizável. Só para comparar, o Be-4, motor equivalente da Blue Origin, custa US$7 milhões a unidade.

A grande mudança que a SpaceX está trazendo não está nos foguetes em si, mas na forma com que fazem os foguetes. Segundo Elon Musk 90% dos esforços da empresa são focados em otimizar a produção.

Basicamente, projetar um parafuso é algo relativamente fácil, complicado é projetar a máquina que faz o parafuso. O custo da indústria espacial é alto por ser uma indústria essencialmente artesanal. A SpaceX está introduzindo a linha de montagem, removendo elementos dispensáveis e projetando componentes pensando em produção em massa.

Cápsula Orion em sala limpa da NASA (Crédito: NASA/Leif Heimbold)

Essa metodologia vem se mostrando imbatível. A Blue Origin tem 20 anos de fundada, é mais velha que a SpaceX e nunca colocou um botão em órbita. A SpaceX correu atrás de fazer um foguete funcional, “bom o bastante”, e em 2010 lançou o Falcon 9 v1.0.

Com o foguete funcionando, ela passou a vender lançamentos, e os clientes pagantes financiaram as otimizações. O Falcon 9 versão 1.0 tinha capacidade de carga de 9 toneladas para órbita baixa. A versão atual pode lançar quase 23 toneladas, por uma fração do custo inicial.

Uma das tendas da SpaceX, com partes de foguetes espalhadas pelo chão de terra (Crédito: RGVAerialPhotography)

A grande ironia é que construindo seus foguetes em um canteiro de obras, à vista de todo mundo, com direito a canais do YouTube transmitindo 24/7, a SpaceX passa uma impressão totalmente errada ao público leigo. Os lançamentos de testes, que em geral terminavam com lindas explosões são vistos como fracassos, sendo que o objetivo é aprender.

Se uma nave pousa direitinho da primeira vez, pode muito bem ser sorte e você não descobre um monte de falhas estruturais ou de projeto, que ficarão ocultas esperando para te assombrar no futuro.

A SpaceX conseguiu ser bem-sucedida no ramo de foguetes ao desviar o foco... dos foguetes. Elon Musk disse que a infra-estrutura de lançamento, a fazenda de tanques, as linhas e tubulações, as torres são muito mais complicadas do que o foguete em si. E essa é a receita para baratear o custo de Kg em órbita.

Isso é possível quando você constrói foguetes como carros, e não como um transatlântico que leva três passageiros e afunda depois da primeira viagem.

SuperHeavy e Starship. Não é CGI, não é montagem, é de verdade, maior que um Saturno V. Construídos em barracas à beira da praia. (Crédito: SpaceX)

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