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U-864 – O Submarino nazista que ia pro Japão e acabou em Mercúrio

O U-864 foi um submarino um tanto azarado, que em sua missão inicial foi afundado enquanto levava uma carga mortal para o Japão...

2 anos e meio atrás

O Japão era o último lugar onde a gente imaginaria achar um submarino nazista; é do outro lado do mundo, o Pacífico repleto de navios aliados, mas os dois países mantinham uma ponte-aérea submarina, por pura necessidade. E nesse cenário nossa história acontece.

Tripulação do U-864 (Crédito: Domínio Público)

Dizem que a necessidade cria estranhos companheiros de cama, e só a extrema necessidade fez com que Japão e Alemanha, dois países extremamente racistas e xenofóbicos não só se tornassem aliados, como agissem como BFFs.

A Alemanha considerava o Japão fundamental para dividir os recursos dos Aliados, bem como agir como fornecedor de matérias-primas importantes como borracha. Já o Japão adorava a idéia de Hitler bater cabeça com os russos, evitando que eles concentrassem recursos para uma invasão.

Havia um constante trânsito entre diplomatas e oficiais dos dois países, incluindo um observador nazista que reportou barbarizado as atrocidades japonesas na Unidade 731, mas apesar disso a cooperação continuou.

Hitler recebendo Hiroshi Oshima, Embaixador do japão, em 1942 (Crédito: Domínio Público)

Com o avançar da Guerra a Alemanha foi perdendo territórios, e a capacidade de retransmitir mensagens de longa distância. Logo a única forma confiável de comunicação entre os dois países era via submarinos, e isso foi vital quando os dois estavam perdendo a Guerra.

A Alemanha meio no desespero tentou uma cartada: Enviaria ao Japão peças e plantas de caças a jato Me-262 e Me-163, suprimentos e dois engenheiros da Messerschmitt, Rolf von Chlingensperg e Riclef Schomerus.

Batizada de Operação César, a missão envolveu o U-864, um U-Boat tipo IXD2, um monstro de 87 metros de comprimento e 1800 toneladas de deslocamento. Com capacidade de mergulhar a 230 metros de profundidade e com autonomia de 43900Km, o U-864 era capaz de chegar a qualquer lugar do mundo, mas no momento ele estava com dificuldades de sair do lugar.

Um U-Boat Tipo IXD2, mesmo modelo do U-864 (Crédito: Kriegsmarine/ Domínio Público)

Comissionado em Dezembro de 1943, o U-864 era novinho, ainda com plástico nos assentos e papel nos tapetes, e sob o comando o Korvettenkapitän Ralf-Reimar Wolfram, a tripulação treinou exaustivamente até Outubro de 1944, quando todo mundo já conhecia cada centímetro do barco.

Em Dezembro de 1944 o U-864 saiu de Kiel, Alemanha, para Horten, na Noruega, mas problemas com um upgrade fizeram com que ele desviasse para Bergen e só voltasse ao mar em Janeiro de 1945.

Iniciando finalmente sua viagem, o U-864 levava além dos engenheiros dois japoneses, o Especialista em Torpedos Acústicos Tadao Yamoto e o Especialista em Combustíveis Toshio Nakai, que passaram um tempo dando consultoria aos alemães.

O que eles não sabiam era que graças aos esforços de Alan Turing e o povo de Bletchley Park, as comunicações encriptadas pelas máquinas Enigma eram todas monitoradas. Os Aliados sabiam que o U-864 era de vital importância para o Eixo, pois além de planos aeronáuticos e engenheiros ele levava algo fundamental para os japoneses: Mercúrio.

Um dos cilindros com Mercúrio do U-864. Na época não estavam tão acabados. (Crédito: KYSTVERKET NORWEGIAN COASTAL ADMINISTRATION)

Mercúrio é usado em vários processos industriais, e é essencial para produção de munições. O U-864 levava 1857 cilindros metálicos com Mercúrio, totalizando 67 toneladas, no valor atualizado de US$ 4.020.000,00. Era essencial que esse material não chegasse ao Japão.

Submarinos aliados foram avisados, com detalhes como datas e rotas prováveis. Um desses foi o HMS Venturer, um pequeno submarino britânico Classe V, de 545 toneladas. Seu Capitão eram o Tenente James H. Launders, com três vitórias no currículo, incluindo o afundamento do U-711.

Posicionado na rota provável, o Venturer esperou, monitorando apenas com o sonar passivo (ui!) para não alertar o inimigo.

HMS Venturer e Tenente Launders (Crédito: Royal Navy / Domínio Público)

Nessa hora, o azar do U-864 de novo apareceu. Um dos motores começou a falhar, fazendo excesso de barulho, facilmente identificado no sonar inimigo. Wolfram decidiu retornar para Bergen, mas nessa hora o Venturer já estava em perseguição, mas sem entender direito o que estava acontecendo.

Normalmente a estratégia era acompanhar, submerso o submarino inimigo, esperar ele emergir parar recarregar as baterias, e atacar, mas o U-864 simplesmente não subia.

No Venturer, o que eles achavam ser o periscópio do inimigo era uma nova invenção nazista, que assim como o Fusca persiste até hoje: o Snorkel.

Que cazzo é um Snorkel?

Submarinos convencionais possuem dois tipos de propulsão: Motores elétricos movidos a bateria, para navegação submersa, e motores Diesel para navegar na superfície. Se você ligar o Diesel debaixo d’água, vai matar sua tripulação, pois o ar todo será sugado pelo motor e jogado para fora com o escapamento. Submarinos possuem entradas de ar para isso, mas as entradas de ar têm a desvantagem de não funcionarem debaixo d’água.

No começo da Guerra um holandês chamado Jan Jacob Wichers teve uma idéia genial e os Países Baixos começaram a construir dois protótipos do snuiver, um dispositivo ligado ao periscópio que captava ar da superfície mesmo com o submarino submerso.

Os alemães capturaram os países baixos, junto com eles vieram os protótipos e eles adoraram a idéia, mas só implementaram quando começaram a perder muitos submarinos. Correram e aperfeiçoaram a tecnologia, criando o que é até hoje conhecido como Snorkel.

Snorkel de um U-Boat, recolhido e em posição de uso. (Crédito: US Navy / Domínio Público)

O Venturer estava vendo um longo tubo de metal, alimentando os motores do U-864 com ar. Ele não emergiria e logo o Venturer ficaria sem energia para suas baterias. Para piorar o submarino nazista percebeu que estava sendo seguido, e começou a navegar em zig-zag.

O Tenente Launders enfrentava um dilema: Embora teoricamente possível, nenhum submarino jamais havia conseguido atacar outro, com ambos submersos. A matemática para um ataque de torpedos já era complicada demais com apenas três dimensões, tempo distância e direção do alvo. Acrescentando profundidade, era quase impossível.

Felizmente o Tenente Launders não sabia disso, e junto com seus artilheiros botaram a Matemática pra funcionar, e computaram uma solução de tiro usando os quatro tubos de proa, disparados com 17.5 segundos de intervalo, e cada um a uma profundidade diferente.

Exatamente assim, só que debaixo d'água, com um submarino, torpedos maiores e 17.5 segundos de intervalo entre cada um. (Crédito: Royal Navy / Domínio Público)

Eles tiveram que estimar a distância e a profundidade do U-864, bem como as manobras defensivas que o inimigo faria.

Quando detectou os torpedos, o U-864 começou a manobrar, mas estava limitado pelo Snorkel; não houve tempo para desengatar os Diesels e acionar os motores elétricos. Três torpedos erraram, mas o quarto acertou em cheio. O U-864 se partiu em dois, afundando com todos a bordo, sem sobreviventes.

O U-864 morreu a apenas 57Km da base de submarinos em Bergen, Noruega, e lá permaneceu intocado até 2003, quando foi descoberto pela Marinha Norueguesa, e com ele um legado maldito dos nazistas (achou que o Fusca era o único?): lentamente, 4Kg de Mercúrio por ano vem vazando dos cilindros enferrujados nas entranhas do U-864. A fauna local está contaminada, incluindo o bacalhau nosso de cada Natal.

Com agilidade típica de governos, a Noruega levou 3 anos para concluir que o naufrágio é ecologicamente danoso, mas com todo aquele Mercúrio, mais uma carga completa de torpedos, o U-864 é perigoso demais para ser resgatado.

Imagem de sonar do U-864, a 150m de profundidade. (Crédito: Norwegian Costal Administration)

A solução apresentada em 2006 foi encerrar o submarino em um caixão de concreto. Um pessoal falou que não ia resolver, que o caixão poderia vazar, então voltaram ao plano de içar o U-864. Em 2008 saiu o resultado da concorrência, a operação foi aprovada em 2009 com começo pra 2010, a um custo de US$153 milhões, mas adivinhem: Pediram mais estudos.

O projeto foi empurrado com a barriga até 2016, quando uma contenção de emergência em 2016 estabilizou o naufrágio, despejando 100 mil metros cúbicos de areia no local. Em 2018 o Governo Norueguês decidiu que a melhor solução seria enterrar o problema, literalmente.

Barreira de areia e pedras para evitar que o U-864 deslize (Crédito: Norwegian Costal Administration)

Foi aprovada uma verba de 30 milhões de Coroas (US$3,35 milhões) para planejar especificar e licitar uma operação para cobrir com areia e pedras uma área de 47 mil metros quadrados com o naufrágio no centro. A estimativa era que o trabalho estivesse completo em 2020.

U-864 - The End

Nah, brincadeira. Vários grupos ecológicos acharam um absurdo deixar o Mercúrio no fundo do mar, e estão fazendo campanhas para resgatar o U-864 e sua carga, não importa o custo.

Moral da história? Nazistas são ruins mas burocracia governamental consegue ser pior ainda.

Fontes:

  1. NavSource Online: Submarine Photo Archive
  2. OVERLORD'S BLOG
  3. Sinking of U-864 – A TOXIC Cultural Heritage & OUR Legacy
  4. Mercury Filled U-Boat wreck stabilisation - Norwegian Geotechnical Institute
  5. Submarine Wreck U-864. Capping of wreck and contaminated seabed. Evaluation of soil consolidation and increased capping height
  6. U 862 and the Shore Leave to Replenish Provisions
  7. U 864 – “Operation Caesar”
  8. Environmental solution for the shipwreck of the WW II submarine U-864
  9. Green Warriors of Norway: “Salvage the 67 tonnes mercury bomb now”
  10. SALVAGE OF U864 - SUPPLEMENTARY STUDIES - STUDY NO. 7: CARGO

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