Meio Bit » Entretenimento » Resenha: Fundação - É ótimo só não é Fundação

Resenha: Fundação - É ótimo só não é Fundação

Fundação, a obra-prima de Isaac Asimov virou série pela Apple+, e mesmo não sendo uma transcrição direta dos livros, não decepciona

2 anos e meio atrás

Fundação é a obra-prima de Isaac Asimov, que segundo o Tratado Clarke-Asimov é considerado o segundo-melhor autor de ficção científica. Para muitos era uma história considerada infilmável, e depois de dois episódios da nova série da Apple TV+, ainda é.

Asimov is da King (Crédito: Reprodução Internet)

Fundação começou com algumas histórias soltas publicadas nos anos 1940 que Asimov resolveu unificar em uma narrativa coesa. Em 1951 ele lançou o livro Fundação, composto dessas histórias e algum material inédito. O resultado foi uma história de proporções galácticas (literalmente) extremamente ambiciosa, envolvendo milhares de anos e centenas de personagens.

Com o tempo Asimov ampliou mais ainda seu já gigantesco Universo, foram sete livros, o último, Forward the Foundation foi lançado postumamente, em 1993.

Enquanto para a maioria do povo Ficção Científica era Flash Gordon e Buck Rogers, Asimov criou uma história extremamente cerebral, fugindo dos clichês que assolavam a Ficção Científica desde seu início. Fundação por muito tempo foi considerada a melhor série de histórias de Ficção Científica de todos os tempos.

Fundação, completa (Crédito: Amazon)

OK, afinal o que é Fundação?

A premissa da história é que a Humanidade fundou um Império Galático, por volta do Ano 10000, que por 12 mil nos expandiu suas fronteiras, chegando a mais de 25 milhões de planetas, e quadrilhões de habitantes.

Hari Seldon, um famoso matemático, desenvolve um novo ramo da Matemática chamado Psicohistória. Através de fórmulas esotéricas e outras macumbarias científicas que nunca são explicadas em detalhes, ele consegue prever o destino de grandes grupos populacionais, como planetas ou mesmo o Império Galáctico.

Hari descobre que o Império só tem mais 500 anos de vida, ele irá desmoronar e dará lugar a 30 mil anos de guerra civil, uma total idade das trevas, com todo o conhecimento acumulado da Humanidade perdido. Claro que o Império não gosta da ideia de um cientista famoso espalhando que o Imperador vai cair.

Hari Seldon, o Homem, o Mito (não aquele) (Crédito: Apple TV+)

Mesmo assim a contragosto o Império aceita que Hari pode estar certo, e entende que a proposta dele, de criar uma Fundação para agregar todo o Conhecimento do Império e compartilhá-lo pode dar certo.

Segundo os cálculos de Hari, com a Fundação o Caos pode ser reduzido a apenas mil anos. Ele então é exilado em um planeta remoto com outros cientistas, para dar prosseguimento ao plano.

Em meio a tudo isso temos intrigas palacianas, negociações, matemática, histórias paralelas levemente conectadas. Sei que não soa como a história épica que é, mas eu estou tentando descrever um castelo na Áustria olhando um caquinho de azulejo.

Elevador Espacial em Trantor (Crédito: Apple TV+)

Em Fundação Hari Seldon não é o protagonista, o personagem principal é a Psicohistória e a Fundação em si. Com o avançar dos livros os personagens mudam, os locais mudam, as histórias mudam. É como se você fosse assistir Loki e ele só aparecesse no primeiro episódio.

Fundação parece e é escrito como um livro de História, e é o oposto de tudo que uma série de TV ou um filme tem que ser.

Como Resolveram Fundação?

David S. Goyer, que escreveu boa parte de tudo que você já assistiu, pegou esse calhamaço de material e... adicionou conteúdo. A grande sacada foi focar bastante no Imperador, interpretado pelo excelente Lee Pace, que você conhece como Ronan, o Acusador, de Guardiões da Galáxia.

Na versão Apple TV+ o Império é comandado por um Triunvirato, todos clones. Um idoso, um criança e um adulto, o personagem de Lee Pace. Assim mesmo com a passagem dos anos na história, temos um vilão consistente, e crianças, que vilão. Em dois episódios o Imperador já é cotado pra Galeria dos Grandes Vilões. Bota Palpatine no chinelo.

O Imperador do Mal. Bom demais! (Crédito: Apple TV+)

A história começa com Gaal Dornick, uma jovem e brilhante matemática nascida em Synnax, um planeta extremamente atrasado, profundamente religioso e que chegou ao ponto de criminalizar Ciência. Mais ou menos como o Alabama. Ela venceu um concurso e ganhou o prêmio de virar pupila de Hari Seldon.

Gaal vai até Trantor, a Capital do Império, um planeta com 40 bilhões de habitantes, com toda a superfície coberta por uma única e gigantesca cidade. Se isso te lembra Coruscant, George Lucas também leu Asimov.

Mal chegando, Gaal descobre que Hari está prestes a ser preso por subversão, e ela também. Hari assegura que ela está a salvo pois é a única pessoa que pode provar que a matemática dele está errada.

Gaal, matemática e empresário do ramo de postos de gasolina (Crédito: Apple TV+)

Depois de uma audiência pública aonde Gaal confirma que o Império vai cair, o imperador quer matar os dois, mas antes um atentado terrorista explode o Elevador Espacial de Trantor, matando 50 milhões de pessoas. Pensando que Hari está por trás da explosão, o Imperador convoca os dois, mas Gaal blefa dizendo que se Hari for morto o Imperador morrerá dentro de um ano.

É decidido então que os dois serão exilados em Terminus, o Acre do Império, onde trabalharão para construir a Fundação, atrasar a Queda do Império e reduzir o período de caos.

Espetáculo Visual

Fundação é a série mais linda que já vi, e isso inclui os Stories no Instagram da Luciana Vendramini. Eles conseguiram criar um visual único, a série se destaca de tudo que já foi feito, e olha que série de ficção científica espacial encontra-se por cacho na feira.

Essa é divertida: A imagem de cima é a biblioteca na Universidade em Trantor. Abaixo os Arquivos Jedi em Coruscant. As duas cenas foram filmadas na biblioteca da Trinity University, em Dublin. Só que não dá pra acusar de kibe, pois Coruscant foi baseada em Trantor. (Créditos: Apple TV+/Lucasfilm/Disney)

Os visuais são impressionantes mesmo comparando com séries recentes como The Expanse, Perdidos no Espaço ou Star Trek: Picard. As paisagens são grandiosas, o figurino é mais diverso que o elenco (série da Apple, né?) e a identidade visual é detalhada, cada cultura é própria, dos gestuais aos penteados.

Isso quase compensa o espectador virgem de Asimov se sentir meio entediado, tentando acompanhar a história, mas isso é inevitável. É muita coisa que precisa ser explicada rapidamente em um primeiro episódio, você está tentando assimilar todo um Universo, de uma obra que é 100% de capa a capa a explicação desse Universo. Não existe “Aqui é a Terra-Média, vamos aos hobbits”. Fundação é a História da Terra Média.

É apenas lindo. (Crédito: Apple TV+)

Fundação com navinha pewpewpew?

Sim, para horror dos asimófilos, David Goyer enviou batalhas espaciais, tiroteios e brigas de faca em Fundação. Eu sei, eu sei, não tem nada disso no original mas TV é um meio visual, não dá pra virar um filme do Kevin Smith. As cenas de ação e romance (sim, tem romance, aceita que dói menos) também servem para ajudar o espectador a gostar dos personagens.

Nos livros os personagens são bem rasos, eles só servem para avançar a História, mas em uma série, fica complicado prender o espectador com personagens que ele não se importa.

Goyer disse que vai esticar bastante o comecinho do primeiro livro, que comporá a 1ª temporada. Ele já tem 8 planejadas. Pelo visto veremos bastante de Gaal Dornick durante esses dez episódios, que é legal. Lou Liobell está dando uma boa versão da personagem, e o texto trata Gaal como prodígio, mas não como uma Mary Sue. Ela não é a Rey. Ufa.

Space of Thrones

A Apple despejou um caminhão de dinheiro em Fundação, ela quer um hit para seu serviço de streaming, idealmente o próximo Game of Thrones. No papel (sem trocadilhos) Fundação não compre esse (dsclp) papel, mas a adaptação tem potencial. Ao se afastar da narrativa mais fria e cerebral, e contar uma história mais visceral, Fundação pode ganhar um bom público.

Depois do atoleiro que foi a última versão de Admirável Mundo Novo, fiquei com pé atrás com adaptações de clássicos, mas reconheço que essa versão de Fundação para os dias atuais está excelente, sem ser paternalista, sem ter liçãozinha de moral e sem chamar o espectador de burro, “vou simplificar isso pra você”.

Conclusão

Fundação é como um mosaico de imagens. De longe, vemos Isaac Asimov, de perto, pode ser feito com imagens de James Cameron. Os dois são fundamentalmente diferentes, mas igualmente bons em seus ramos. A Apple entendeu que era impossível transpor Fundação para a TV, então fez o mais próximo: Manteve o espírito e construiu um corpo novo em volta.

Onde assistir:

Fundação passa no Apple TV+.

Cotação:

5/5 Kylon Rens, que é uma espécie de Imperador Cleon I, sem testosterona.

relacionados


Comentários