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Apple, UE e o cabo de guerra Lightning x USB-C

Apple resiste a determinação da UE de abandonar porta Lightning em prol da USB-C em iPhones, pelos mesmos motivos de sempre: dinheiro e controle

2 anos e meio atrás

A Apple não está nem um pouco feliz com a mais recente proposta da União Europeia, que determina a adoção obrigatória da porta USB-C em todos os dispositivos eletrônicos de pequeno porte para fins de carregamento, o que inclui o iPhone.

A meta visa diminuir a geração de lixo eletrônico, estabelecendo um sistema padronizado de alimentação que todos os fabricantes deverão seguir. A Apple defende que a medida "impede a inovação", mas a resistência em abrir mão da porta e cabos Lightning tem muito mais a ver com controle, e claro, receita.

iPhone XR e cabo Lightning (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

iPhone XR e cabo Lightning (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A proposta de uma nova lei que determina a padronização dos dispositivos de carregamento em gadgets foi apresentada pelo departamento antitruste da Comissão Europeia para a Competição, presidido pela inflexível Margrethe Vestager, a maior pedra no sapato das gigantes tech não-europeias na última década. O texto diz que as companhias operando no bloco serão obrigadas a estabelecer um formato único de carregamento com fios, usando o USB-C nas duas pontas do cabo, tanto do lado do gadget quanto no carregador.

A ideia é diminuir a geração de lixo eletrônico em todas as pontas. Primeiro, os fabricantes não mais enviarão carregadores com celulares (o que Apple, Samsung e outras já fazem), mas ao mesmo tempo, elas terão que garantir que o usuário poderá usar apenas um carregador e cabo comum a qualquer dispositivo que possa ser alimentado dessa forma. As exigências energéticas deverão ser se não as mesmas, muito próximas para que uma única fonte e cabo atenda todos os casos.

O que a Comissão Europeia defende é que o usuário compre apenas um carregador e que ele deverá servir para carregar iPhones, celulares Android e qualquer outro dispositivo de pequeno porte, sem que haja qualquer tipo de empecilho. Fabricantes de aparelhos Android em sua maioria já migraram do microUSB para USB-C, salvo algumas exceções em dispositivos de entrada, ou em fontes que ainda usam a porta USB-A, que também deverá ser abolida.

A Apple, por sua vez, já usa o USB-C em um certo número de dispositivos, como as linhas Mac e iPad, mas no que diz respeito ao iPhone, a companhia nem sonha em abrir mão do conector proprietário Lightning no dispositivo móvel, e está disposta a brigar até o fim com a Europa pela manutenção da porta (vai perder, claro).

A Apple usa a porta USB-C em carregadores desde a linha iPhone 11, mas para a UE, não basta (Crédito: André Fogaça/Meio Bit)

A Apple usa a porta USB-C em carregadores desde a linha iPhone 11, mas para a UE, não basta (Crédito: André Fogaça/Meio Bit)

Oficialmente, a Apple diz que a porta Lightning "estimula a inovação", ao mesmo tempo que defende (com um quê de razão) que a mudança para o USB-C forçará uma busca por novos conectores e cabos pelos seus consumidores, o que irá aumentar a geração de lixo eletrônico. Isso é verdade, mas é preciso apontar que este será um pico único, e a meta é que o usuário mantenha apenas um carregador e cabo USB-C para usar com tudo, até o momento em que seja necessário substituí-lo.

Em última análise, a Comissão Europeia defende que o movimento de substituição de cabos e carregadores cairá vertiginosamente com o tempo, a proposta da lei é uma modificação que surtirá efeitos a médio prazo, enquanto a justificativa de Cupertino se agarra às consequências imediatas.

Só que o principal motivo da Apple se recusar a abrir mão da porta Lightning diz muito pouco sobre inovação ou preocupação com o Meio Ambiente, e mais com controle e dinheiro. Adotar o USB-C no iPhone, decisão que por causa da Europa seria estendida a todo o globo, significaria o fim do Programa MFi, ou Made for iPhone/iPad/iPod. Ele estabelece padrões e requerimentos para dispositivos e cabos plenamente compatíveis com a entrada proprietária, com a Apple determinando quem pode e quem não pode participar.

Todo produto homologado pela maçã recebe o selo abaixo, que para o consumidor, significa que o mesmo passou pelo crivo de Cupertino e foi devidamente certificado como um gadget ou cabo totalmente compatível com iPhones, iPads e iPods que usam a porta Lightning. E claro, a Apple retira sua comissão de cada unidade vendida.

Selo Apple MFi (Crédito: Divulgação/Apple)

Selo Apple MFi (Crédito: Divulgação/Apple)

Empresas que desejam desenvolver qualquer tipo de dispositivo compatível com a porta Lightning, sejam cabos, adaptadores para pendrives ou cartões de memória, DACs, displays externos e etc., devem ser aprovados pela Apple para serem autorizados a usarem o conector.

O Programa MFi também inclui padrões e tecnologias compatíveis com seus protocolos sem fio, o que inclui suporte a dispositivos como Apple Watch, HomePod e outros que usam o AirPlay, como TVs, mas é fato que boa parte do dinheiro recolhido pela Apple vem de produtos que usam conexões físicas. Com o fim da porta Lightning, essa grana deixará de entrar.

Isso porque o padrão USB-C é gerido pela USB-IF, uma organização sem fins lucrativos formada por um conselho de diversas companhias, que incluem Microsoft, Intel, HP, Texas Instruments e a própria Apple, entre outras, que promove todas as tecnologias envolvendo o padrão USB e determina modificações disponíveis para os fabricantes... sem cobrar nada.

Caso a Apple seja forçada a abandonar a porta Lightning, ela não poderá usar o Programa MFi para barrar quem pode e quem não pode desenvolver dispositivos compatíveis, porque uma vez que os fabricantes sigam as normas da USB-IF, não precisam pagar comissões de nenhuma forma. Desde que tudo esteja de acordo, basta descrever com qual padrão USB seu produto conversa.

Cabo USB-C (Crédito: denvit/Pixabay)

Cabo USB-C (Crédito: denvit/Pixabay)

A proposta da UE prevê a adoção obrigatória do USB-C em todos os dispositivos vendidos no continente europeu em até dois anos, contados a partir da data da aprovação da nova lei, caso ela passe. As chances da Apple reverter a situação a seu favor tendem a zero, dado o histórico da Comissão Europeia, que sob o comando de Vestager, é avessa às práticas de grandes companhias externas ao bloco, em prol de defender os consumidores e empresas da região.

Por outro lado, a Apple tem opções. Ao invés de ser forçada a adotar o conector, ela pode simplesmente dar uma banana à UE e investir em um próximo iPhone sem nenhum tipo de porta, passando a depender unicamente do sistema de carregamento sem fio MagSafe, que embora seja baseado no padrão universal Qi, tem suas próprias regrinhas atreladas ao Programa MFi.

Dispositivos sem a certificação, mesmo os mais recentes que suportam até 30 W, são limitados a ridículos 7,5 W; os que fazem parte do programa atingem hoje até 15 W, incluindo os desenvolvidos pela Apple. Da mesma forma, empresas parceiras que desenvolvem acessórios de carregamento sem fio compatíveis com MagSafe, como Mophie e Belkin, pagam comissão à maçã.

Membros da Comissão Europeia já explicaram que possíveis gadgets sem portas físicas, e que dependam exclusivamente de carregamento wireless, não serão forçados a trazer também a porta USB-C, mas o carregador deverá usar o conector mesmo assim.

Esta é uma alternativa que a Apple pode considerar de modo a manter uma boa margem de receita com o praticamente inevitável abandono forçado da porta Lightning, caso a Comissão Europeia não decida regulamentar futuramente o padrão de carregamento sem fio. O que sendo sincero, não duvido que aconteça.

Fonte: The Verge

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