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Ready or Not: o risco de reproduzir a realidade nos games

Nos colocando no papel de policiais, Ready or Not é um jogo que simula situações de risco e que tem causado polêmica por flertar com fase em uma escola

2 anos atrás

Apesar de grande parte dos jogos nos colocar em situações fantásticas, alguns seguem por outro caminho, tentando reproduzir o que temos no mundo real. Normalmente esses títulos são tratados como simuladores e ao terem a ideia de nos colocar no papel de agentes de forças especiais da polícia, os criadores do Ready or Not talvez não soubessem disso, mas estavam entrando em águas pantanosas.

Ready or Not

Crédito: Diculgação/Void Interactive

Inspirado em jogos como Rainbow Six e na série SWAT, da Sierra, o projeto da Void Interactive só chegou (como em Acesso Antecipado) ao Steam no último dia 17, mas já tem levantado alguma polêmica. O motivo? Uma fase que recriaria um ataque a uma escola e que na verdade ainda nem entrou em desenvolvimento.

Tudo começou quando um usuário questionou no Reddit se o Ready or Not contaria com alguma missão que se passasse neste cenário e a resposta dada (e depois apagada) por um funcionário da desenvolvedora foi categórica: “pode acreditar que terá.” No tópico é possível ver várias pessoas comemorando a coragem do estúdio, mas não demorou para que o posicionamento supostamente causasse uma reação.

Isso porque, poucos dias depois daquela confirmação, a Void Interactive publicou uma nota em sua conta no Twitter dizendo que a parceria com a Team17 havia terminado. Afirmando se tratar de um acordo mútuo, o estúdio agradeceu a editora e disse que este é o caminho correto para o futuro do Ready or Not.

Mesmo sem que um motivo para o rompimento tenha sido dado, o que se especula é que o pessoal da Team17 não tenha gostado da ideia de uma fase que recriasse um tiroteio numa escola. Como editora, a empresa teria seu nome fortemente ligado ao jogo e se considerarmos que a estimativa é de que só em 2021 tenha acontecido 149 incidentes com armas de fogos em escolas norte-americanas, é natural que os executivos da empresa tenham ficado receosos.

Contudo, o Ready or Not sempre foi apresentado como um jogo que tentaria se manter o mais fiel possível à realidade e na sua página no Steam é possível ver um aviso em que os criadores não o recomendam para “pessoas que tenham passado por eventos pessoais traumáticos decorrentes de violência, situações de reféns ou terrorismo.” Além disso, em um trailer publicado em 2017 eles já indicavam a existência de uma fase numa escola.

Talvez o fim da parceria realmente não tenha ligação com esta missão em uma escola, já que além dela nem sequer existir, é provável que nela nunca possamos atuar como aqueles que estão causado o massacre de crianças. De qualquer forma, a Void Interactive tratou de emitir uma nota explicando a sua visão sobre o que pretende oferecer com o seu jogo. Dela, destaco os seguintes trechos:

A Void Interactive possui um claro comprometimento de entregar um conteúdo impactante e de alta qualidade que outras desenvolvedoras de softwares convencionais podem evitar devido as normas e convenções culturais. Na Void Interactive valorizamos a voz dos nossos consumidores e parceiros e, apesar de isso não definir a nossa direção, permitiremos que ela inteligentemente influencie o que fazemos. Em sua essência, o jogo honra o trabalho dos dedicados policiais em todo o mundo e de forma alguma pretende glorificar atos criminosos covardes.

A ‘escola’ não é apenas parte da história do Ready or Not, é parte do tecido de histórias de milhares de pessoas em todo o mundo. É a história daqueles que morreram cedo demais nas mãos de um atirador enlouquecido, a história de famílias e amigos esperando um telefonema que talvez nunca aconteça, a história dos primeiros respondentes que fizeram tudo o que puderam apenas para não ser o bastante. É um olhar para a realidade incomoda que se tornou muito comum e esperamos poder desempenhar um pequeno papel ao homenagear aqueles que foram impactados por essas tragédias do mundo real com um retrato que não trivialize suas experiências.

O estúdio também admitiu que ao mirar num nível de realismos tão alto, invariavelmente tocará em assuntos complicados, mas que por isso focarão em serem responsáveis com os fãs, com a comunidade e com aqueles que foram impactados por eventos traumáticos.

Crédito: Diculgação/Void Interactive

Talvez eu seja surpreendido no futuro, mas tenho a impressão de que por mais respeitoso que o estúdio seja e por mais que o Ready or Not acabe se mostrando uma grande homenagem aos policiais e as vítimas de sequestros e atentados, nunca será o suficiente para convencer algumas pessoas da sua boa intenção.

Recentemente vimos o Six Days in Fallujah se tornar alvo de críticas por querer recriar algumas passagens vividas por soldados americanos na Guerra do Iraque e o mesmo deverá acontecer com o título da Void Interactive, principalmente se ele resolver nos colocar numa escola. O caso serve para mostrar, mais uma vez, como — devido a própria natureza interativa dos videogames —  essa é uma mídia que ainda sofre para lidar com assuntos delicados do nosso dia a dia.

Penso até que talvez essa resistência por parte das pessoas em relação a recriação da violência do mundo real nos games nunca acabe, mas no caso da Void Interactive, esta é uma briga que o estúdio parece disposto a comprar. Ainda assim, eu não gostaria de estar na pele deles quando as críticas começarem, pois acredito que os ataques serão pesados.

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