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Virtual Boy: a criação do maior fiasco da história da Nintendo

Fruto da aposta de Gunpei Yokoi no 3D, o Virtual Boy acabou se tornando o videogame com as piores vendas da Nintendo e não deixou saudades

2 anos atrás

Após conquistar o mundo com o NES, o Game Boy e o SNES, a impressão que a Nintendo passava no início da década de 90 era de ser uma empresa imbatível. O público a adorava, as vendas estavam nas alturas e parecia ser impossível eles não acertarem com qualquer coisa que lançassem. Porém, um aparelho chamado Virtual Boy serviria para mostrar que até os gigantes podem cair.

Nintendo Virtual Boy

Crédito: Dori Prata/Meio Bit

Mas antes de falar sobre como a Nintendo chegou ao Virtual Boy, precisamos voltar a 1985 e conhecer um engenheiro chamado Allen Becker. Fascinado com o mundo da realidade virtual, o norte-americano teve a ideia de utilizar LEDs para criar um head-mounted display portátil, algo que permitiria o usuário visualizar informações sem precisar usar as mãos.

Para Becker, uma tela como essa teria múltiplas aplicações, desde jogos até permitir que um médico checasse os sinais de um paciente durante uma cirurgia. Então, após alguns experimentos o inventor chegou ao que chamou de Scanned Linear Array (SLA), para no ano seguinte ele fundar a Reflection Technology e rebatizar o dispositivo como Private Eye.

Porém, mesmo planejando seu produto para ser barato e de fácil produção em massa, o engenheiro precisava de uma parceria, mas as seguidas demonstrações em feiras de tecnologia não deram resultado. A situação do Private Eye só mudaria no início dos anos 90, quando a realidade virtual passou a chamar a atenção do grande público.

Becker então passou a realizar reuniões com empresas como a Mattel, Hasbro e até a Sega, mas o então presidente da fabricante do Mega Drive, Tom Kalinske, afirmou que “o nosso problema com aquilo é que era apenas uma cor. Nós já promovíamos o Game Gear com todas as cores.

Admita, há algum charme nos gráficos do Mario Clash (Crédito: Reprodução/Servo/Moby Games)

No entanto, havia ainda a esperança de que uma empresa se interessaria pelo Private Eye e essa empresa era a Nintendo. Conhecida pelo seu ímpeto em inovar, em 1991 a companhia japonesa foi visitada por alguns executivos da Reflection Technology e a única exigência era de que um sujeito chamado Gunpei Yokoi estivesse presente na demonstração.

O pedido feito por Steve Lipsey e Jack Plimpton fazia sentido, afinal Yokoi ainda hoje é tido como um dos maiores gênios da indústria. Foi ele um dos principais responsáveis pela criação do Game & Watch, do Game Boy e até do controle direcional em forma de cruz, além de franquias como Donkey Kong, Duck Hunt, Metroid e Kid Icarus.

Conquistar alguém como Yokoi seria estar muito perto de garantir a venda da tecnologia e foi justamente isso o que aconteceu. Apostando que o aparelho encorajaria a criação de jogos mais criativos e que não poderiam ser replicados pela concorrência, ele enxergou na criação de Allen Becker uma oportunidade que poderia mudar a indústria.

Tenho minhas dúvidas no futuro da Nintendo se ela continuar perseguindo os games da mesma maneira como antes. O que poderia ser feito novamente para atrair os jogadores de Famicom e Super Famicom? Se a tela da TV alcançou os limites do seu potencial, não seria o 3D a única opção?”, questionou Yokoi no livro Beyond Donkey Kong — A History of Nintendo Arcade Games, de Ken Horowitz.

Com o aval de um funcionário tão importante e após receber o sinal verde do presidente da Nintendo, Hiroshi Yamauchi, o projeto conhecido como VR32 teve início. Para isso a empresa chegou a montar uma fábrica na China e que seria dedicada exclusivamente a produzir o novo videogame, numa demonstração de que eles estavam confiantes no seu sucesso. Porém, não demorou para os problemas começarem a surgir.

Inicialmente a ideia era disponibilizar o aparelho como uns simples óculos, mas existia o temor em relação à alta emissão de sinais de rádio por parte do processador. A solução foi colocar a CPU dentro de uma caixa de metal, mas aquilo tornava o dispositivo muito pesado. Outra opção seria fazer com que o aparelho ficasse apoiado sobre os ombros do usuário, mas e se alguém saísse andado por aí enquanto jogava e sofresse um acidente? A solução encontrada pela Nintendo foi fazer com que o Virtual Boy permanecesse apoiado em uma mesa.

Nintendo Virtual Boy

Bela reprodução em 3D do Virtual Boy (Crédito: Reprodução/Jared Hajjar/ArtStation)

Também havia o fato que aquele aparelho não conseguia entregar uma experiência de realidade virtual verdadeira, parecendo muito mais um Game Boy com uma tela estereoscópica, o que lhe garantia alguma profundidade visual. Recursos como captura de movimentos manuais e da cabeça ou mesmo a capacidade de nos colocar em espaços virtuais não estavam presente.

Existia ainda o receio de que o Virtual Boy poderia causar danos aos olhos, o que levou a Nintendo a encomendar um estudo com o Dr. Eli Peli, do Schepens Eye Research Institute de Boston. Embora o médico descobriu que o dispositivo era inofensivo, ele alertou que crianças com o sistema de visão ainda em formação poderiam desenvolver estrabismo caso as telas estivessem desalinhadas.

Para evitar que isso acontecesse, as empresas decidiram colocar o console em uma estrutura de metal e aço. Mesmo assim, devido a uma lei de responsabilidade implementada no Japão em 1995, a Nintendo se viu obrigado a incluir avisos falando sobre os riscos de saúde relacionados ao Virtual Boy, como sugerindo sessões mais curtas de jogatina, o que ajudou a criar uma aura de perigo em torno do videogame.

O que o mundo só foi saber recentemente é que para chegar a tal conclusão, a Nintendo supostamente submeteu seus funcionários a duros períodos de testes. Quem fez tal revelação foi Jim Wornell, então produtor associado na Nintendo of America. Durante a gravação de um episódio do programam Did You Know Gaming, ele disse:

Quando estavam testando as pessoas para o Virtual Boy, eles nos fizeram passar por isso... Você já viu o filme Laranja Mecânica? A cena em que uma pessoa está presa numa cadeira e tem as pálpebras abertas? Era mais ou menos como testar o Virtual Boy funcionava. Eles dilatavam nossas pupilas, nos faziam sentar e então jogavam luz em nossas pupilas. Eles tinham aquelas hastes de plástico, com elas praticamente tocando nossos olhos — e então diziam, ‘ok, não importa como, não pisque por um minuto.’

Eles nos submetiam aos mais bizarros testes, acho que apenas para terem certeza de que aquela coisa era segura. Eles sopravam ar em nossos olhos, nos colocavam para jogar o kit de teste do Virtual Boy por 10 – 15 minutos e eramos postos para descansar. Então eles dilatavam nossos olhos novamente. Duas ou três rodadas daqueles inumanos e torturantes testes, apenas para ter certeza de que aquela coisa não poderia me matar, ou me cegar, ou seja lá o que for.

Além desses, outro problema que ajudaria a definir o destino daquele aparelho atendia pelo nome Ultra 64. Aquele era o projeto que a Nintendo vinha desenvolvendo em conjunto com o Virtual Boy e com o novo console da Sony ganhando espaço, eles precisavam focar no verdadeiro sucessor do Super Nintendo.

Até mesmo Shigeru Miyamoto estava criando jogos para o novo console e com a maior parte da força de trabalho (e investimento) estando dedicada ao que viria a se tornar o Nintendo 64, o projeto liderado por Yokoi passou a ser visto quase como um hobby. Ele inclusive chegou a revelar ter recebido a ordem para não aproveitar as grandes franquias da empresa, já que o seu head-mounted display alcançaria apenas um público mais seleto.

Após passar por longos quatro anos de desenvolvimento e mesmo sem estar totalmente completo, em 21 de julho de 1995 o Virtual Boy finalmente chegou às lojas japonesas. Poucas semanas depois foi a vez do mesmo acontecer nos Estados Unidos, com ele custando salgados US$ 179,95, mas talvez nem os mais pessimistas poderiam esperar um desempenho comercial tão fraco.

Com o marketing sendo incapaz de convencer os consumidores, as vendas do Virtual Boy nunca engrenaram, mesmo com as projeções iniciais da Nintendo falando em três milhões de unidades. No fim, apenas 770 mil unidades chegaram às mãos dos jogadores, fazendo dele não apenas o videogame da empresa que menos vendeu, mas o único a não ter ultrapassado a marca de um milhão.

Diante de uma aceitação tão baixa, a única opção para a fabricante foi descontinuar sua produção já em 1996, com apenas 23 jogos tendo sido lançados para o dispositivo. O último deles foi o Tetris 3D, que saiu em março daquele ano.

Os 23 jogos lançados para o Virtual Boy

  • 3-D Tetris
  • Galactic Pinball
  • Golf
  • Insmouse no Yakata
  • Jack Bros.
  • Mario Clash
  • Mario's Tennis
  • Nester's Funky Bowling
  • Panic Bomber
  • Red Alarm
  • SD Gundam: Dimension War
  • Space Invaders: Virtual Collection
  • Space Squash
  • Teleroboxer
  • Tic Tac Toe
  • V-Tetris
  • Vertical Force
  • Virtual Bowling
  • Virtual Boy Wario Land
  • Virtual Fishing
  • Virtual Lab
  • Virtual League Baseball
  • Waterworld

 

O insucesso do Virtual Boy fez muitas pessoas acreditarem que foi por isso que Yokoi deixou a Nintendo. Porém, ele já havia tomado tal decisão antes mesmo do lançamento do aparelho. O game designer então passou a se dedicar à Koto Laboratory, até falecer em um acidente de carro em 1997, com apenas 56 anos.

Já a Reflection Technology passou por mal bocados, com o outro produto que utilizava sua tecnologia, o FaxView, também fracassando. Seu fundador e principal mentor do Private Eye, Allen Becker, também faleceu cedo, com 53 anos, em 2001.

Wario Land, para muitos o melhor jogo do Virtual Boy (Crédito: Reprodução/Evil Ryu/Moby Games)

Curiosidade: Embora a Nintendo tenha experimentado uma tela LCD com várias cores para o Virtual Boy, alguns fatores contribuíram para a desistência. O principal dele estava no custo, já que isso poderia fazer o preço do aparelho ultrapassar US$ 500. Além disso, tal tela fazia com que as imagens oscilassem e conforme explicou Gumpei Yokoi, eles preferiram manter o vermelho proposto inicialmente pela Reflection Technology.

Experimentamos com uma tela LCD colorida, mas os usuários não enxergavam a profundidade, apenas viam duplicado. Gráficos coloridos dão às pessoas a impressão de que um jogo é de alta tecnologia, mas só porque um jogo possui uma bela tela não quer dizer que ele seja divertido de jogar... O vermelho usa menos bateria e é mais fácil de reconhecer. É por isso que o vermelho é usado nos sinais de trânsito.

Por fim, as pessoas envolvidas na criação do Virtual Boy perceberam que se usassem apenas uma cor com o preto de fundo, a imersão seria maior, já que o usuário não enxergaria as bordas da tela.

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