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Implante no cérebro devolve "voz" a paciente paralisado

Alemão de 34 anos, inteiramente paralisado devido a ELA, pode se comunicar novamente graças a interface cérebro/máquina

2 anos atrás

A esclerose lateral amiotrófica, sigla ELA (ALS em inglês), é uma das doenças degenerativas que afetam o cérebro e sistema nervoso mais devastadoras. As células nervosas se rompem e pouco a pouco o paciente vai perdendo todas as funções motoras, mesmo as mais básicas. O físico teórico e cosmólogo Stephen Hawking (1942 – 2018) foi o caso mais conhecido publicamente.

Hawking dispunha de um sistema de comunicação personalizado, capaz de ler suas expressões faciais e transformá-las em palavras, ditadas através de seu sintetizador de voz, visto que ele não podia falar, mas o que fazer quando o paciente está completamente paralisado? Uma alternativa é a interface cérebro/máquina.

Este implante permitiu a um paciente completamente paralisado voltar a se comunicar (Crédito: Wyss Center for Bio and Neuroengineering)

Este implante permitiu a um paciente completamente paralisado voltar a se comunicar (Crédito: Wyss Center for Bio and Neuroengineering)

Não é novidade que decifrar e entender como o cérebro funciona não é uma tarefa simples, mas já sabemos muita coisa a respeito dele, principalmente no que tange à formação de palavras e linguagem. Já conseguimos observar como e onde palavras se formam, e criar uma interface capaz de traduzir o processo, e reproduzir as expressões em um computador, é plenamente possível.

É no que consiste uma pesquisa apresentada por um time de cientistas do Wyss Center for Bio and Neuroengineering, instituto de neurotecnologia de Bruxelas, Bélgica, fundado por John P. Donoghue, autoridade no campo de neuro prostéticos e interface cérebro/máquina, sendo ele um dos desenvolvedores originais do BrainGate, tecnologia que estabelece uma interface física direta no cérebro, para controle de extensões externas, como braços mecânicos por tetraplégicos.

Assim como acidentados que apresentam paralisia e amputados, pacientes que sofrem de ELA em estágios avançados podem se beneficiar da tecnologia, para manuseio de membros robóticos, mas também para comunicação, no restabelecimento das capacidades de comunicação. Nos casos mais graves, o indivíduo apresenta paralisia total de todos os músculos do corpo, incluindo os faciais e dos olhos, se tornando um prisioneiro de seu próprio corpo: incapaz de interagir com o mundo externo, mas plenamente consciente.

Foi o que aconteceu com o indivíduo que foi tema do estudo (cuidado, PDF), um alemão de 34 anos que originalmente, havia consentido para o uso de um implante em 2019, quando ele ainda podia se comunicar, usando os movimentos dos olhos. No entanto, sua condição piorou e ele perdeu até mesmo essa capacidade, se tornando incapaz de se comunicar.

Para resolver esse problema inicial, o time do Wyss Center usou uma conexão para o córtex motor, que traduzia os impulsos originais voltados para movimento muscular voluntário, e os traduzia em uma interface, que traduz cada impulso como "sim" ou "não".

Quase isso (Crédito: Reprodução/Paramount)

Quase isso (Crédito: Reprodução/Paramount)

Segundo a pesquisa, o paciente passou por um treinamento intensivo por três meses, de modo a aprender a operar a interface cérebro/máquina, usando os impulsos de movimento para selecionar letras em um banco, e formar palavras.

A primeira que ele conseguiu escrever, usando apenas o cérebro, foi "obrigado" para o dr. Niel Birbaumer, líder da pesquisa. O paciente desde então fez diversas requisições usando o software, que traduz as palavras formadas em voz, usando um sintetizador, desde pedir que sua cabeça fosse colocada em uma posição mais alta, assistir a um filme da Disney com o filho, e até... cerveja (alemão, afinal).

Ele inclusive sugeriu melhorias no software utilizado, como a inclusão de um banco de frases prontas, à adição de um algoritmo de predição de palavras. Este recurso inclusive facilitava em muito a digitação de Hawking, no que ele digitava "o", o sistema sugeria "buraco" e na sequência, "negro", considerando o histórico de sentenças mais frequentemente ditadas.

Inclusive, nos últimos anos o kit que Hawking usava era provido pela Intel; o software de reconhecimento de voz usado era da Nuance Communications, que também criou o usado pela Siri, antes da companhia que desenvolveu a assistente virtual ser comprada pela Apple. A Nuance hoje pertence à Microsoft.

Diagrama da interface cérebro/máquina (Crédito: Crédito: Wyss Center for Bio and Neuroengineering/Nature Communications)

Diagrama da interface cérebro/máquina (Crédito: Crédito: Wyss Center for Bio and Neuroengineering/Nature Communications)

Há, claro, algumas considerações. A pesquisa apresentada pelo time do Wyss Center é a primeira que permitiu a um paciente com ELA em estágio de "lock-in", em que o indivíduo não controla voluntariamente nenhum músculo de seu corpo, conseguiu reestabelecer um canal de comunicação com outras pessoas, mas o ritmo ainda é bem lento, com a formação de um caracter por minuto, muito atrás da última versão que Hawking usava.

Claro que o físico teórico tinha a Intel por trás, que bancou seus equipamentos por quase duas décadas; nesse sentido, os pesquisadores estão agora buscando um financiamento de US$ 500 mil, tanto para aperfeiçoar o software, quanto para fornecê-lo a mais pacientes.

De qualquer forma, Roma não foi construída em um só dia, e de algum lugar é preciso partir. Mesmo sendo lento, é certeza que o paciente alemão prefere mil vezes escrever uma letra por minuto, do que ficar confinado apenas à sua mente, incapaz de falar com ninguém, até o fim de seus dias.

Referências bibliográficas

CHAUDHARY, U., VLACHOS, I., ZIMMERMANN, J. B. et al. Spelling interface using intracortical signals in a completely locked-in patient enabled via auditory neurofeedback training. Nature Communications, Volume 13, artigo N.º 1.236 (2022), 9 páginas, 22 de março de 2022. Disponível em https://doi.org/10.1038/s41467-022-28859-8.

Fonte: ExtremeTech

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