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Trek to Yomi — Nem todo discípulo faz jus ao Mestre

Trek to Yomi é homenagem descarada à obra de Akira Kurosawa, mas game da Flying Wild Hog se apresenta como um aprendiz desajeitado

2 anos atrás

Trek to Yomi é o mais recente game da desenvolvedora Flying Wild Hog, responsável pelas séries Hard Reset e Shadow Warrior. Ele se inspira nos clássicos filmes de samurai do pós-guerra, em especial a obra do cineasta Akira Kurosawa (1910 – 1998), para contar uma história sobre até onde alguém deve se comprometer com deveres e promessas.

Os desenvolvedores se esforçaram, e conseguiram, entregar uma aventura que se comporta como um filme, mas falharam no que deveria ser o básico, torná-lo um game cativante.

Trek to Yomi (Crédito: Divulgação/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Trek to Yomi (Crédito: Divulgação/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Rumo ao Submundo

A trama de Trek to Yomi é bem simples. Ambientada no Japão durante o Período Edo (1603 – 1868), o jogador controla Hiroki, um aprendiz de samurai que vive em uma vila atacada por bandidos, no que seu mestre e líder da aldeia, acaba morto. O protagonista assume a missão deixada para ele, de proteger a vila e Aiko, a filha do mestre, de quaisquer ameaças.

Anos mais tarde, Hiroki, agora adulto, é incumbido de repelir uma nova invasão, e para proteger aqueles que ama e jurou defender, ele será forçado a ir até as últimas consequências, o que inclui a jornada que dá nome ao game. No xintoísmo, Yomi (黄泉) é a morada dos mortos, para onde todos vão independente do que fizeram em vida, apenas para decair e apodrecer.

Trek to Yomi é um game essencialmente linear, quase um beat 'em up com combates de espada. Ele é dividido em 7 capítulos, todos com progressão simples e quase nenhum caminho alternativo. Os ambientes de exploração podem ser um pouco mais amplos, mas o combate é obrigatoriamente em 2,5D, com apenas um plano de movimento.

Ao todo a narrativa rende de 3 a 5 horas de gameplay, mas uma ver imerso, você não verá o tempo passar.

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Isso limita um pouco as possibilidades na hora de enfrentar os inimigos. Você pode usar sua espada, projéteis e arco-e-flechas, mas os inimigos virão sempre de apenas duas direções, pela frente ou por trás. É possível usar comandos em combos para virar rapidamente e proteger suas costas em casos de um ataque de vários inimigos simultaneamente, entretanto.

Trek to Yomi: um bom filme, já como game...

O ponto alto de Trek to Yomi é, sem muita surpresa, a fotografia. Ao decidir por uma estética cinematográfica e em preto-e-branco, a Flying Wild Hog entrega o game com a maior fidelidade visual ao estilo de Akira Kurosawa, melhor do que Ghost of Tsushima nesse quesito.

É fácil de entender por que isso acontece, um game pensado para ser em P&B desde o início sempre terá efeitos melhores de luz, sombra e tonalidades de cinza, e saberá como explorá-los, do que uma produção idealizada em cores e que oferece um filtro alternativo. O modo visual do game da Sucker Punch, embora aprovado pela Kurosawa Estate, pecava em certos momentos no controle de brilho, luz e sombra, porque tudo foi pensado para ter cor.

Por isso que a colorização de filmes em P&B é vista como uma abominação. Clássicos como Rashōmon e Os Sete Samurais foram filmados de forma que seus efeitos de luz e sombra funcionem para a reprodução sem coloração alguma, o mesmo para Casablanca.

A máxima também vale para Trek to Yomi, que nasceu dos experimentos do diretor Leonard Menchiari, de usar a Unreal Engine 4 em preto-e-branco; ao observar os resultados, a distribuidora Devolver Digital sugeriu que usassem o recurso para produzir, do zero, um game de samurais seguindo o estilo de narrativa típico do pós-guerra.

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

O resultado pode ser visto tanto nas cenas cinemáticas, quanto nos cenários durante o gameplay. Trek to Yomi é um game que jamais funcionaria da mesma forma caso fosse colorido, tudo nos ambientes, da iluminação às texturas, foi feito com o P&B como a principal linguagem visual.

Outro elemento importante, que Trek to Yomi emula do estilo de Akira Kurosawa, é como ele lidava com movimento em seus filmes. Um dos poucos cineastas que era também seu próprio editor, ele tendia a fazer cortes de cena inesperados, bem como dava grande valor ao cenário e ambiente, que por si só complementam a história.

No game, vários serão os momentos em que você perceberá coisas acontecendo em segundo plano, sejam bandidos em fuga, moradores apavorados em janelas (com a câmera posicionada na visão deles), vítimas chorando seus mortos, e por aí vai.

O som foi meticulosamente pensado para se adequar à identidade visual de Trek to Yomi. As músicas são poucas, já os efeitos de espadas se batendo, passos, fogo, vento, todos se mesclam muito bem com a parte gráfica. O game também usa chiados e ruídos, bem como falhas visuais para simular um filme antigo em fita, recurso também implementado no Modo Kurosawa de Ghost of Tsushima, mas visto primeiro em Cuphead.

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

O grande problema de Trek to Yomi, por mais irônico que possa parecer, está no que deveria fazer dele um jogo capaz de prender o jogador. Há pouca exploração de ambientes, no que o jogo tenta criar uma sensação de urgência (não há timers, entretanto), meio que desestimulando o jogador a fuçar. E mesmo assim há poucas coisas a serem encontradas, como munições, colecionáveis, upgrades e opções para eliminar grupos com armadilhas.

A linearidade é compreensível, ele se comporta como um game "nos trilhos" para que o jogador aprecie a história que Leonard Menchiari quer contar, algo muito similar a Final Fantasy XIII, que em sua época foi bastante criticado por ser um RPG linear. É uma decisão de design que pode não agradar todo mundo, mas foi usada de modo a fazer de Trek to Yomi o que ele é.

Já a jogabilidade poderia ter sido melhor trabalhada. Hiroki possui opções simples de combos com botões, aos quais todos os inimigos, mesmo os chefes, são suscetíveis. A diferença entre um bandido pé-de-chinelo e um demônio está na resiliência, força e capacidade de aplicar combos devastadores, mas o jogador pode superar quase qualquer obstáculo apenas fazendo pressão, maior ou menor.

Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Quando comparado com Ghost of Tsushima e Sekiro: Shadows Die Twice, os outros games recentes estrelados por samurais/ronins, Trek to Yomi é o que oferece o combate mais fraco dos três. Claro que sua simplicidade pode ser fruto da natureza contemplativa do título, mas seria interessante se o gameplay fosse um pouco mais variado.

Conclusão

Trek to Yomi é um dos games independentes mais interessantes lançados até agora em 2022, com sua direção artística voltada a homenagear a obra de um dos maiores cineastas da história. O grande problema, é que embora sua narrativa e identidade visual sejam fantásticos, a jogabilidade não fica no mesmo nível.

A maior atenção dada à forma sobre a função não compromete a experiência, nem é nada como games onde você mais assiste do que joga, mas quem se preocupa mais com a porção game pode não curtir sua natureza mais contemplativa.

Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital

Trek to Yomi (Crédito: Reprodução/Flying Wild Hog/Devolver Digital)

Quem gosta de filmes de samurais antigos, ou é fã de Akira Kurosawa, vai curtir bastante, mas os aficionados por ação e aventura, em busca de um alto desafio e inimigos memoráveis, podem sair decepcionados.

Trek to Yomi tem seus defeitos, e certamente seria um game melhor se a Flying Wild Hog adicionasse mais variedade à jogabilidade, mas o resultado é agradável, uma boa sessão de jogo (e cinema) para um fim de semana.

Trek to Yomi — Ficha Técnica

  • Plataformas — PS5, Xbox Series X|S, PS4, Xbox One e Windows (analisado no Xbox Series X);
  • Desenvolvedora — Flying Wild Hog;
  • Distribuidora — Devolver Digital;
  • Classificação Indicativa — 16 anos.

Pontos fortes:

  • A fotografia em preto-e-branco é fantástica, não dá para negar;
  • Narrativa se desenrola como um filme jogável (no bom sentido);
  • O som mantém o clima.

Pontos fracos:

  • Mecânicas de combate limitadas;
  • Progressão absolutamente linear;
  • Exploração bem restrita.

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