Dori Prata 2 anos atrás
Se hoje boa parte das desenvolvedoras miram nas microtransações para aumentar seus faturamentos, durante a década de 80 o alvo dessas empresas estava nos fliperamas e suas fichas. Foi neste cenário que nasceu um dos maiores ícones da indústria, um jogo em que dois irmãos precisavam enfrentar uma perigosa gangue para salvar a namorada de um deles. Foi assim que nasceu o Double Dragon.
Apesar de não ter sido o título que deu origem ao gênero beat 'em up, ele foi o principal responsável por popularizar o estilo que também passou a ser conhecido como brawler — ou como era mais comumente chamado nos botecos pelo Brasil, jogo de briga de rua. Mas para chegar a este clássico, seu criador teve que levar muita pancada, literalmente.
Fã de filmes de kung-fu e do Bruce Lee, Yoshihisa Kishimoto teve uma passagem turbulenta pelo ensino médio. Após ter sido deixado pela namorada, ele passou a se envolver em brigas quase diariamente e de alguma forma aquilo influenciaria sua carreira. Após passar pela Data East, onde trabalhou na criação do Cobra Command e Road Blaster, ele buscaria novos ares, parando na Technōs Japan.
Foi lá que, em 1986, o game designer teve a oportunidade de criar o Nekketsu Kōha Kunio-kun, jogo levemente baseado no período em que estava na escola e que no ocidente recebeu o nome Renegade. Com o título tendo conseguido sucesso nos arcades, os executivos da empresa pediram que Kishimoto criasse uma continuação, com a equipe de vendas da Technōs lhe fazendo uma proposta ambiciosa: o projeto deveria contar com suporte para dois jogadores.
Para eles, ao permitir que duas pessoas pudessem encarar a aventura juntas, a venda de fichas poderia aumentar e isso também levou a equipe a não se preocupar muito com o balanceamento da dificuldade. Segundo Takaomi Kaneko, que atualmente é gerente de marketing e vendas na Arc System Works, a ideia foi entregar um jogo que incentivasse as partidas em dupla e se algum corajoso preferisse jogar sozinho, que lidasse com o desafio e tanto que teria pela frente.
“[...] o principal atrativo [do Double Dragon] era poder jogar com um amigo, cooperando para derrotar gangues e resgatar a Marian,” defendeu Tomm Hulett, diretor na WayForward. “Jogando sozinho, Abobo parecia invencível, mas jogar com alguém para derrotar um adversário tão forte era algo que poucos jogos conseguiam realizar na época [...] Double Dragon não foi o primeiro “beat ’em up”, mas estabeleceu a maioria dos elementos que jogadores esperam do gênero hoje em dia, sendo o modo cooperativo de dois jogadores o principal deles.”
Mas apesar da proposta inicial para idealizar o projeto como um novo capítulo para a série Kunio-kun, o game designer acabou sendo dissuadido pelos executivos da desenvolvedora, pois estes queriam que o jogo tivesse um maior apelo junto ao público ocidental. Então, devido ao foco no multiplayer e a sua admiração pelo filme Operação Dragão, ele sugeriu o título Double Dragon.
Já em relação à direção artística, Kishimoto usou como inspiração principalmente a trilogia Mad Max, mas também o mangá Fist of the North Star. Ele até chegou a incluir cenas não-interativas, tudo para deixar sua criação com um aspecto mais cinematográfico.
Quanto a jogabilidade, Double Dragon mantinha vários alguns elementos do trabalho anterior de Yoshihisa Kishimoto, como a possibilidade de realizarmos combos e os inimigos não morrerem com apenas um golpe (algo comum nos beat 'em ups até então). Porém, o novo jogo contava com uma diferença importante, a progressão lateral.
Enquanto no Nekketsu Kōha Kunio-kun as batalhas aconteciam em apenas uma tela, como se elas fossem pequenas arenas, no jogo dos irmãos Billy e Jimmy Lee, nós avançaríamos pelas fases até chegar a um chefe. Aquilo dava uma sensação de progressão à aventura e com a passibilidade de nos movimentarmos tanto horizontal quanto verticalmente, Kishimoto havia fundado as bases de como os brawlers se tornariam.
Double Dragon conseguiu um sucesso tão grande, que ele não se tornou apenas uma das principais franquias da Technōs. Nos anos após o seu lançamento, o que se viu foi uma enxurrada de jogos neste estilo chegando aos fliperamas e consoles, quando tivemos a era de ouro dos beat 'em ups.
Empresas como Capcom, Konami, SNK, Sega e tantas outras fizeram o possível para explorar o gênero. Para tentar se destacarem, as desenvolvedoras muitas vezes deixavam a ambientação urbana de lado, nos colocando para lutar contra dragões, ogros, alienígenas e os mais variados tipos de inimigos.
Essa busca pelo diferente fez com que esses jogos mantivessem uma certa relevância por vários anos, até que os beat 'em ups perdessem força e fossem soterrados por shooters, adventures, jogos de mundos abertos, MOBAs ou qualquer outra tendência que surgiu. Felizmente, graças principalmente a ascensão dos indies, vez ou outra ainda ganhamos a oportunidade de experimentar ótimos jogos de briga de rua, como um Castle Crashers, Fight'N Rage ou Mother Russia Bleeds. Mesmo as grandes marcas do passado, como Streets of Rage e Battletoads receberam novos capítulos recentemente.
Já em relação ao título que começou essa onda, a Technōs conseguiu espremer até a última gota do trabalho de Yoshihisa Kishimoto, com a franquia tendo sido transformada em revistas em quadrinhos, numa série animada e até mesmo num (péssimo) filme, que foi estrelado por Robert Patrick e Mark Dacascos.
Nos jogos, além das inúmeras adaptações e das duas continuações lançadas até 1990, a série ainda teve diversos spin-offs, até ficar dormente por vários anos. Isso mudou em 2012, quando a WayFoward lançou o divertido Double Dragon Neo, para cinco anos depois a Arc System Works disponibilizar aquele que, ao menos por enquanto, é o último capítulo da série, o Double Dragon IV.