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Suzanna, a arma secreta do Iraque que quase afunda o USS Stark

Iraque e Irã se pegaram feio nos anos 80, e acabaram sendo bem criativos, a ponto de quase afundarem um navio americano de forma pitoresca

2 anos atrás

Na década de 1980 o Iraque se meteu em uma imensa roubada: cansado de oprimir o próprio povo, Saddam Hussein resolveu invadir o Irã, dando início a oito anos de guerra, que só acabaria em 1988.

Caça Mirage F1 do Iraque de Saddam Hussein (Crédito: Reprodução Internet)

Foi um conflito horrendo, que incluiu o uso de armas químicas, comunidades inteiras de curdos foram dizimadas, enquanto o mundo se dividia entre condenar os dois beligerantes, e ajudá-los por baixo dos panos.

O Irã era favorecido pela União Soviética, mas acabava tendo que comprar peças e munições no mercado negro, pois boa parte de sua força aérea era de caças americanos; antes da Revolução Islâmica que depôs o Xá Reza Palevi o Irã era um aliado dos Estados Unidos.

Agora os americanos se viam obrigados a apoiar extra-oficialmente o Iraque, enquanto mantinham neutralidade pública. Na prática os americanos mandavam somente o necessário pra repor perdas de equipamento e estoques de munição, não era interesse de ninguém um Iraque muito bem-armado no final da guerra. Nem um Irã.

Os dois países se estapearam por anos, o que custa muito dinheiro. Ambos se apoiaram nas exportações de petróleo, mas aumento de produção, aumento de oferta, fez o preço cair. Com o tempo passaram a atacar as instalações petrolíferas um do outro, e finalmente, os petroleiros.

Aí o bicho começou a pegar sério. Irã e Iraque estavam atacando petroleiros de nações estrangeiras, no Estreito de Ormuz. Os Estados Unidos e outros países começaram a patrulhar a região com navios de guerra, escoltando os petroleiros. Numa dessas patrulhas estava a fragata Classe Perry de 4200 toneladas USS Stark.

Na noite de 17 de maio de 1987 o USS Stark navegava serelepe e feliz na costa da Arábia Saudita, como se não estivesse em uma zona de guerra. Um avião-radar alerta o Stark que um caça foi detectado em sua direção, mas aparenta ser amigo.

O USS Stark continua acompanhando o avião, identificado como um Mirage. Ele voa como se estivesse procurando por alvos, mas o Capitão americano ainda não está preocupado, mesmo quando o Mirage está voando direto em direção ao navio.

USS Stark, em tempos melhores. (Crédito: US Navy)

Nesse ponto o Capitão Glenn R. Brindel ordena que uma mensagem seja enviada para o avião não-identificado, alertando que são um navio de guerra americano. O avião não responde. A mensagem é repetida às 22h09min. De novo sem resposta.

Nesse ponto os radares do USS Stark identificaram o radar de controle de fogo Cyrano-IV típico dos Mirages. O que eles não detectaram é que o avião havia disparado um míssil Exocet a 35 km do Stark, seguido de um segundo disparo a 24 km.

O radar de busca do Stark não detectou os mísseis do Iraque, que voavam rente ao mar. O navio não estava em postos de combate, mesmo assim um oficial acionou o sistema Phalanx, aqueles canhões de altíssima cadência que detectam alvos automaticamente, e são o último recurso de defesa do navio.

Canhão Phalanx CIWS, 4500 projéteis de 20 mm por minuto. (Crédito: Reprodução Internet)

Só que ele acionou o sistema e deixou em stand-by, então mesmo detectando os mísseis, o Phalanx não faria nada.

O USS Stark só percebeu que estava sob ataque do Iraque quando um dos dois vigias que observavam o mar viram a luz do motor dos mísseis iluminando a superfície da água, deram o alarme, “Vampiro! Vampiro!” mas era tarde demais.

O primeiro Exocet atingiu o USS Stark logo abaixo da ponte, na sala do Correio. Como ele não era um bom míssil, demonstrado na Guerra das Falklands, a ogiva deu chabu, mas ele ainda tinha bastante combustível, o que iniciou um incêndio violento.

Habemus Papa (Crédito: US Navy)

30 segundos depois, o segundo míssil atingiu o navio, e dessa vez a ogiva de 178 kg de alto explosivo detonou como deveria, abrindo um buraco de quase 5 metros na lateral do USS Stark.

Nessa hora 29 homens já haviam morrido. O Stark estava em chamas, seus sistemas eletrônicos destruídos. O Capitão não tinha como contra-atacar, o avião iraquiano deu a volta e foi embora. As equipes de controle de danos passaram a noite inteira trabalhando para salvar o navio. O Capitão teve que inundar compartimentos para manter o buraco acima da linha d’água.

Danos no USS Stark (Crédito: US Navy)

No dia seguinte, o USS Stark conseguiu cambalear até Bahrain. O saldo final foram 37 mortos e 21 feridos, um navio que levaria anos para ser consertado, e várias carreiras destruídas, mas incrivelmente, para abafar o caso, a Marinha dos EUA decidiu não levar o Capitão à Corte Marcial. Ele foi rebaixado para Comandante, ganhou uma reprimenda oficial e foi levemente convencido a dar baixa. Hoje ele é um corretor de imóveis.

Os EUA culparam o Iraque, E O IRÃ. Saddam Hussein pediu desculpas, disse que o piloto confundiu o USS Stark com um petroleiro. O Pentágono começou um teatrinho exigindo ações por parte do Iraque, e logo depois soltaram a notícia que o piloto, Abdul Rahman, havia sido executado.

Na verdade ele não só estava bem vivo, como recebeu uma medalha do governo do Iraque. Tempos depois ele desertou para o Irã.

Uma indenização foi acertada por volta de 1989, mas com a Guerra do Golfo ficou complicado negociar pagamentos, e o Iraque empurrou com a barriga o quanto pode, e somente em 2011 aceitou criar um fundo de US$400 milhões para indenizar as famílias dos marinheiros mortos no ataque ao USS Stark, e em outros incidentes.

Nessa história toda, ficou oculta uma inovação por parte do Iraque: Os americanos estavam certos em identificar o avião agressor como um Mirage, mas ao mesmo estavam totalmente errados.

A identificação foi feita pelos sinais de radar, e o avião tinha um radar de Mirage. Tinha até o nariz do Mirage, mas era um jato executivo, um Dassault Falcon 50.

O Falcon 50 com o nariz estranho. Não repare no Saddam na imagem (Crédito: Iraq TV)

Com quase sete anos de guerra, o Iraque estava raspando o fundo do barril (de petróleo), não tinha dinheiro para comprar novos aviões de guerra, e ninguém queria vender pra eles.

Eis que um piloto iraniano deserta e voa para o Iraque com um Falcon 50, um belo presente. Os iraquianos resolvem experimentar fazer missões de espionagem com o avião, voando “milionários iraquianos” que na verdade são pilotos e espiões, fotografando áreas de interesse no que seria um vôo civil.

Vendo que a idéia deu certo, alguém teve a idéia de aproveitar os jatos executivos, com uma excelente performance para operações como ataque naval.

O Iraque não tinha gente capaz de fazer as modificações necessárias, felizmente a Dassault, como toda boa empresa adorava dinheiro, e topou fazer as alterações nada ortodoxas. O Falcon 50 foi mandado para Villaroche, França, com uma bela lista de modificações.

Os franceses parecem bem orgulhosos de seu feito. (Crédito: L'Aviation)

A Mãe de Todas as Gambiarras incluíam instalar tanques de combustível externos, contramedidas eletrônicas, flares, dois pontos duros (é esse o nome) para carregar mísseis Exocet, e a parte mais importante, o radar Cyrano do Mirage.

Para isso os franceses arrancaram o bico do Falcon 50 e enfiaram um bico de Mirage, com todo o hardware do radar. Internamente, tentaram adaptar os controles de tiro, de radar e outros sistemas, mas ia ficar caro demais, então (falei que era a mãe de todas as gambiarras?) acharam mais fácil remover todos os instrumentos da posição direita do cockpit, incluindo assento, e instalar... o cockpit inteiro de um Mirage F1.

Saddam inspeciona o brinquedo (Crédito: Iraq TV)

Após muitos testes e provavelmente muita gente olhando pro outro lado ao revisar os resultados, o avião foi liberado para o Iraque. Ele fez vários vôos de ataque e observação, e para quem via de longe, era só um jato comercial.

A história pegou mal pra França, pros EUA sendo abafada por mais de 20 anos, só depois da queda de Saddam Hussein veio à tona a história de Suzanne, o codinome do jato.

A Guerra acabou em agosto de 1988, e oficialmente foi empate, mas sendo realista todos os envolvidos perderam. Até porque, como diz um pequeno filósofo verde, guerra não faz ninguém grande.

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