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China impõe restrições pesadas a transmissões ao vivo

Streamers da China precisam ser qualificados para falar sobre Economia, Direito e Medicina; temas baseados em "vida de luxo" são proibidos

2 anos atrás

A China segue com seus planos de controle e restrição pesada a conteúdos gerados por usuários na internet. O mais recente ato do governo mira nos streamers e influenciadores digitais, na forma de uma lista com diretrizes sobre o que pode, o que não pode, e o que deve ser transmitido aos espectadores.

As regras restringem tópicos como saúde, medicina, direito, economia e outros, que só podem ser abordados por influenciadores "qualificados", enquanto outros temas, como ostentação de artigos e uma vida de luxo, estão completamente banidos. E claro, não pode criticar o governo.

Huang "Viya" Wei (esq.), durante transmissão promovendo itens diversos, em abril de 2021; influenciadora foi multada em ¥1,3 bilhão pelo governo chinês, supostamente por sonegação de impostos (Crédito: VCG) / China

Huang "Viya" Wei (esq.), durante transmissão promovendo itens diversos, em abril de 2021; influenciadora foi multada em ¥1,3 bilhão pelo governo chinês, supostamente por sonegação de impostos (Crédito: VCG)

O chamado "Código de Conduta" para transmissões ao vivo na internet foi publicado pela Administração Nacional de Rádio e Televisão (NRTA) e pelo Ministério da Cultura e Turismo da China, na última quarta-feira (22). O extenso documento (em chinês) consiste em 18 artigos e 31 temas classificados como impróprios para streaming, seja por criadores individuais, ou por retransmissão por operadoras locais. Canais que usam sistemas de IA para divulgar notícias também estão sujeitos à Lei.

De cara, as novas diretrizes estabelecem que criadores de conteúdo deverão possuir "qualificações profissionais equivalentes" para abordarem em suas transmissões assuntos como Medicina e Saúde, Finanças, Direito e Educação, sem elaborar esta parte. Entende-se que Pequim restringirá tais tópicos apenas para indivíduos graduados e atuantes nos referidos campos: apenas médicos poderão falar sobre Medicina, economistas sobre Finanças, advogados, promotores e juízes sobre Direito, e por aí vai.

Não obstante, o streamer deverá submeter suas credenciais ao governo da China para provar que ele é qualificado para falar de tal assunto, e as operadoras de internet ficam igualmente obrigadas a checar se os criadores de conteúdo e influenciadores digitais que usam seus serviços atuam conforme a nova diretriz.

Embora esta diretriz tenha chamado bastante atenção da mídia ocidental, ela é uma das mais leves do conjunto. De forma resumida, o Código de Conduta para streamers é um pacote para impor os valores do Partido Comunista da China, no que todos os envolvidos, personalidades, equipes e operadoras, serão a partir de agora obrigados a seguir a cartilha.

De cara, as diretrizes forçam as operadoras a manterem, e disponibilizarem ao governo, o registro completo de todos os influenciadores e streamers aos quais prestam serviços, de modo a combater o anonimato na internet. Os usuários também se colocam à disposição de uma "supervisão social" pelos órgãos competentes, e devem cumprir a Constituição, "preservar interesses nacionais e públicos", e cumprir com responsabilidades sociais definidas por Pequim.

O Artigo 4 é um dos mais duros: o streamer é obrigado a cumprir e defender o alinhamento político nacional, orientações de opinião pública, e "valores de orientação", seguindo o que a sociedade entende como a forma correta de agir e também sobre sua aparência.

Esta é uma referência velada ao banimento dos "homens afeminados" da mídia em geral, no que emissoras, jornais, revistas e games são obrigados a retratar o sexo masculino como o idealizado pelo socialismo, másculo e viril.

A partir de agora, influenciadores homens não poderão mais se parecer com membros do BTS.

Equipamentos para transmissão ao vivo pela internet (Crédito: Libby Penner/Unsplash)

Equipamentos para transmissão ao vivo pela internet (Crédito: Libby Penner/Unsplash)

O Artigo 4 também define que o criador é obrigado a "praticar ativamente os valores fundamentais do socialismo, defender a moralidade social, agir com ética profissional e cultivar a moralidade pessoal". Em suma, não basta apenas não pisar fora da faixa, criadores devem ser membros ativos e militantes, como o Partido exige de cada cidadão chinês.

O conteúdo abordado também deverá ser alinhado "com os novos tempos" da China, voltado ao povo (leia-se utilidade pública) e refletir/divulgar os valores culturais e econômicos do país. Ao mesmo tempo, os streamers deverão exibir comportamentos de uma vida regrada (conforme o Partido) e livre de excessos de qualquer tipo.

Isso posto, a lista de assuntos proibidos é bem extensa. Entre os 31 tópicos banidos, destacam-se:

  • Conteúdos que ataquem a soberania nacional, o Partido Comunista, o sistema sócio econômico e político, autoridades (membros do Partido, juízes e a Polícia) e o governo em geral;
  • Criticar a Grande Abertura, o conjunto de mudanças econômicas que abriram o mercado chinês;
  • Conteúdos que incitem ódio ou discriminação racial (esta provavelmente não contempla os uigures);
  • Deepfake, em geral. Usar a aparência de um líder nacional, como o ursi-, digo, o premiê Xi Jinping, pior ainda;
  • Conteúdos focados em violência, jogos de azar, sexo e erotismo, uso de drogas, abuso de álcool, Fake News, fofoca, etc.;
  • Qualquer conteúdo que cause desconforto (histeria, horror, sofrimento físico, etc.);
  • Conteúdos que infringem direitos autorais;
  • Uso de menores de idade em campanhas publicitárias;
  • Vídeos em que comida é desperdiçada (subentende-se que consumo em excesso também não é permitido);
  • Incentivar espectadores a gastar em esquemas de loteria, ou a entrar em esquemas de pirâmide;
  • Exibir padrões de vida abaixo do aceitável pelo Partido (tradução, exibir miséria);
  • Exibir padrão de uma vida de luxo e extravagâncias, como mostrar joias ou dinheiro vivo.

O combate à glamourização da riqueza, em especial, é um dos trends entre streamers e influenciadores populares que o governo chinês está mais focado em aniquilar. Criadores ricos entraram na mira de Pequim no último ano, em uma série de processos s investigações movidas, em teoria, para investigar sonegação de impostos e evasão de divisas.

Extraoficialmente, para minar o discurso dissidente do Partido, e promover o que a cartilha diz, a igualdade entre todos os cidadãos.

Jovens chinesas realizam streaming de vídeo durante evento da Xiaomi em Pequim, em foto de 2016 (Crédito: Liu Xingzhe/Eyes on China)

Jovens chinesas realizam streaming de vídeo durante evento da Xiaomi em Pequim, em foto de 2016 (Crédito: Liu Xingzhe/Eyes on China)

Esse ataque coordenado tem seus motivos. O mercado de streaming é um dos mais lucrativos da China, e em 2021 já movimentava ¥2 trilhões (aproximadamente R$ 1,57 trilhão, cotação de 27/06/2022). Boa parte do público está obcecada em fazer dinheiro na internet com transmissões, e muitos dos que faturam horrores o fazem vendendo produtos, que nem sempre possuem boa qualidade.

Em tese, o combate do governo aos super streamers visa proteger os cidadãos, para que estes não gastem seu dinheiro com produtos supérfluos e de baixa qualidade. Ao mesmo tempo, ele aplica as mesmas regras que o Partido impôs às grandes companhias de tecnologia, também ao público; a ideia é manter todo mundo alinhado à ideologia estatal, a visão do socialismo chinês imposta pelo premiê Xi a todos. Quem se destacar, será martelado.

A streamer Huang Wei, também conhecida como Viya, já foi a influenciadora digital mais conhecida (e rica) da China, o suficiente para atrair a atenção de gente como Kim Kardashian. Em suas transmissões pela plataforma local Weibo, ela vendia produtos diversos e chegou a somar um montante de vendas de ¥353 milhões (~R$ 276,6 milhões) em apenas um dia, durante o "Dia dos Solteiros" (11 de novembro) de 2018.

Em junho de 2021, o departamento da Receita da província de Hangzhou multou Viya em assombrosos ¥1,3 bilhão (~R$ 1,02 bilhão), um recorde do país, por evasão. Ela não foi processada, uma condição atrelada ao pagamento integral da multa. Depois disso a influenciadora sumiu, desapareceu, escafedeu-se da vida pública.

Em novembro do mesmo ano, Zhu Chenhui e Lin Shanshan, outras duas influenciadoras populares, também foram multadas em alguns milhões de yuans, e ambas igualmente sumiram da internet depois disso.

No mais, o "Código de Conduta" para streamers é só o capítulo mais recente nos esforços da China em controlar com firmeza a internet e a criação de conteúdo online no país, e ninguém, desde a maior companhia de tecnologia ao streamer de fim de semana, conseguirá fugir do longo braço da Lei.

Fonte: South China Morning Post

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