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A excêntrica e inédita órbita da sonda CAPSTONE

Existem inúmeras variáveis para determinar a órbita de um satélite ou planeta, e algumas são bem complicadas. Agora a NASA testará uma delas

2 anos atrás

CAPSTONE é uma sonda modesta, com propósitos grandiosos: Ela está abrindo caminho para a Estação Gateway, a primeira habitação humana permanente em órbita lunar, e o pioneirismo nesse caso é real. A órbita da Gateway é algo que nunca foi tentado antes, e só existe em teoria.

Futura Estação Gateway (Crédito: NASA)

Por muito tempo imaginamos que órbitas eram círculos perfeitos, centrados no Sol, que marcavam o movimento dos planetas. Kepler bateu cabeça por anos tentando encaixar as observações astronômicas com esse conceito, até que desistiu de seu conceito de firmamento divinamente construído e perfeito, aplicou uma forma “suja” e descobriu que se encaixava perfeitamente.

Planetas não se moviam em círculos perfeitos e sim em elipses, que são círculos achatados. Mais tarde Isaac Newton trouxe as fórmulas para entendermos e calcularmos a atração gravitacional entre os corpos, o que tornou as previsões astronômicas bem mais precisas, embora não tenha afetado a qualidade das precisões astrológicas.

Calcular a posição futura de um sistema como a Terra e a Lua se tornou algo trivial, mas isso é enganoso. As fórmulas só funcionam para planetas esféricos no vácuo. OK, dito assim não soa como um limitante, mas com apenas dois corpos, é possível tratar a gravidade como originária de um ponto infinitamente pequeno no centro de cada corpo.

Nesses sistemas simples os dois corpos orbitam em torno do centro de gravidade em comum. Facilmente computável.

Uma coisa girando em volta de outra, mamão com açúcar. (Crédito: NASA)

Agora vamos quebrar o brinquedo: Jogando um terceiro corpo no sistema, tudo desanda. Todas as variáveis que podiam ser ignoradas no modelo com dois corpos, precisam ser levadas em conta com três, incluindo coisas como densidade planetária e uniformidade do campo gravitacional.

Esse é o chamado Problema dos Três Corpos. É impossível computar a longo prazo a interação entre os três corpos. Eventualmente o caos vai se acumulando, e tudo pode acontecer.

Agora imagine um sistema solar, com dezenas de planetas, milhares de luas, milhões de asteroides, todos influenciando uns aos outros. Esse é o chamado Problema de n-Corpos e é de arrancar os cabelos.

Problema dos Três Corpos (Crédito: Wikimedia Commons)

Algumas simulações do Sistema Solar por alguns bilhões de anos mostram que a diferença entre caos e ordem, entre o sistema ficar estável e Mercúrio colidir com a Terra ou Vênus, é uma alteração de 1 mm na distância entre Mercúrio e o Sol.

Na prática o nosso Sistema Solar é razoavelmente estável, ao menos na nossa escala de tempo, e como o Sol detém entre 99,8 e 99.9% da massa do Sistema Solar, a instabilidade é menor.

No caso do sistema Terra-Lua, há bastante instabilidade gravitacional, pois o sistema real é Sol-Terra-Lua. Satélites geoestacionários precisam se reposicionar constantemente por causa de marés gravitacionais, quando Sol e Lua estão do mesmo lado, reduzindo o puxão gravitacional da Terra.

Uma estação espacial em órbita da Lua precisa levar isso em conta, ela será fortemente atraída pela Terra, e há um agravante: A gravidade da Lua não é uniforme, ela tem muita variação de intensidade, por causa de montanhas e áreas mais ou menos densas. Um objeto em órbita lunar vai parecer em uma montanha-russa, com o passar do tempo. A atração da Terra aumentará os picos, e eventualmente esse objeto será ejetado o colidirá com a Lua.

Mapa de variação do campo gravitacional na superfície lunar (Crédito: Geodesy2000 Wikimedia Commons)

Isso tudo em uma órbita simples, com a estação no mesmo plano orbital que a Terra. E essa órbita é ruim, pois metade do tempo a Estação estará atrás da Lua, incapaz de se comunicar com a Terra. Para resolver isso precisariam de satélites em órbita polar lunar.

Essa órbita também precisaria ser constantemente corrigida, consumindo combustível.

Os cientistas da NASA viram que isso seria proibitivo, então começaram a bater cabeça atrás de soluções. A resposta foi tão fora da caixa quando a idéia de levar o módulo de comando e o módulo de pouso da Apollo desencaixados, e reposicioná-los em órbita.

Rebecca Rogers, engenheira da NASA, construindo a sonda CAPSTONE (Crédito: NASA)

A solução proposta é algo chamado NRHO – Near Rectilinear, Halo Orbit, ou Órbita de Auréola Quase Retilínea, e se isso soa estranho, é.

A NRHO é uma solução teórica para o Problema dos Três Corpos. Quer dizer, não solução total, mas um modelo que reduz muito as instabilidades, exigindo muito menos correções.

O objetivo é achar uma órbita que mantenha a estação espacial a uma distância constante da Terra, enquanto orbita a Lua. Isso é possível com uma órbita polar rotacionada. A estação espacial orbitará a Lua, mas nunca passará atrás dela. Isso resolve o problema de comunicações, também.

Agora temos o segundo problema: A instabilidade da órbita lunar. Para evitar que a estação espacial Gateway fique constantemente corrigindo sua órbita, a solução foi torná-la mais elíptica. Na verdade bem elíptica. O periapse será de 1600 km, e apoapse, 70 mil km. O período orbital será de 6 dias e meio.

Com isso o tempo muito próximo da Lua, e sofrendo mais com os efeitos gravitacionais será bem menor, o que exigirá menos correções de órbita, e de qualquer jeito não vai ter foguete subindo e descendo da Lua todo dia.

Visualmente, do ponto de vista da Terra a órbita é bem estranha, mas tudo depende do observador. Da Lua, é uma órbita elíptica normal.

Isso tudo, claro, é teoria. Ninguém nunca lançou nada nesse tipo de órbita, por isso em 28 de junho de 2022 um foguete Electron da Rocket Lab lançou a sonda CAPSTONE, de 25 kg, rumo à Lua.

O Electron é o menor foguete a lançar uma carga para a Lua, e como a órbita final ainda por cima é complicada, ao invés dos três dias da Apollo, a CAPSTONE vai levar quatro meses para chegar na Lua.

Com a Lua a 406600  km de distância, e a viagem levará 138 dias, a velocidade média da CAPSTONE será de 122,7 km/h. Mais ou menos a velocidade máxima de um fuscão carburado 1,5 de 1975.

A CAPSTONE irá validar a Órbita NRHO, e se nada de estranho acontecer, nenhuma interação desconhecida for detectada, o caminho estará aberto para a Gateway, se não for cancelada, claro.

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