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Mira Norden, o mais avançado e secreto projeto da 2ª Guerra Mundial

A Mira Norden foi um equipamento revolucionário que prometia uma precisão nunca vista nos ataques aéreos. Infelizmente, não deu certo

2 anos atrás

A Mira Norden prometia na Segunda Guerra o que quem acompanha guerra pela TV ou Internet já se acostumou a ver:  bombas entrando em janelas, prédios bombardeados com precisão enquanto os edifícios vizinhos ficam intactos, mas não foi isso que aconteceu.

Lady Orchid, um Avro Lancaster britânico da 2a Guerra Mundial (Crédito: Wikimedia Commons / Ryan Lawrence)

A única forma de bombardear alvos com precisão era com bombardeiros de mergulho, como os Stukas podem comprovar. Infelizmente para os nazistas (e é um infelizmente minúsculo, claro) essa técnica só funcionava para alvos civis desarmados, como a cidade de Guernica, na Espanha.

Atacar alvos bem defendidos com bombardeiros de mergulho era suicídio, e eles ainda por cima só levavam uma bomba. A alternativa era fazer ataques de grande altitude, com bombardeiros maiores, mas aí a precisão ia embora, você tinha sorte se atingisse o mesmo país que seu alvo planejado ficava.

Ok, talvez esse Stuka tenha exagerado na aproximação com o solo (Crédito: Wikimedia Commons)

Claro, a ciência de jogar coisas no chão e calcular onde elas vão cair vinha sendo desenvolvida desde que começamos a construir coisas que voam, e várias soluções foram encontradas, com miras que tentavam calcular o ponto de impacto das bombas.

Vários fatores, como velocidade do vento precisavam ser chutados, e o artilheiro tinha que ficar passando comandos para o piloto reposicionar o avião para que ele mantivesse a rota final para o alvo. O resultado era um Erro Circular Provável (CEP, em inglês) atroz.

CEP é um conceito que define um diâmetro de um círculo centrado no alvo, dentro do qual 50% dos projéteis cairão. Um CEP de 200 metros significa que pelo menos metade dos projéteis acertarão entre 0 e 200 metros. Quanto menor o CEP, melhor.

CEP, visualizado (Crédito: Wikimedia Commons)

Nos bombardeiros normais da 2ª Guerra Mundial, um avião voando a 5 mil metros tinha 1.2% de chance de acertar um alvo de 9 m2. Seriam necessários 220 aviões para garantir 90% de chance de destruição do alvo.

Vários grupos trabalhavam para construir miras melhores, e no melhor estilo competição setorial, quando a Marinha dos Estados Unidos soube que o Exército estava pesquisando uma nova mira, decidiram fazer uma própria, e para isso chamaram o engenheiro holandês radicado nos EUA Carl Norden, que já era consultor naval.

Carl Norden e um avião N-9 adaptado para voar por controle remoto (Crédito: DC Military)

Inicialmente ele não se interessou, mas um caminhão de dinheiro o fez mudar de idéia. Em 1929 ele foi para a casa da mãe, na Suíça, e no ano seguinte voltou com um protótipo. Ao invés de um monte de controles para entrada de dados, sua mira recebia vários valores automaticamente, e os atualizava, através de cálculos via um computador analógico interno.

A chamada Mira Norden era capaz de chegar a uma solução de disparo em até 6 segundos, enquanto a Mark XI do exército necessitava de 50.

Sucessivas modernizações tornaram até a navegação autônoma, o artilheiro mantinha o alvo na mira, e um piloto automático acoplado cuidava de fazer todas as correções de vôo, em três eixos.

A precisão projetada era impressionante, a promessa era atingir um alvo de 4,6 m de diâmetro de uma altitude de 9100 metros. Na prática nos testes em 1931 da versão Mark XV da Mira Norden, conseguiu um CEP de 11 metros, de 1200 metros de altitude. Excelente, a mira do Exército não conseguia ficar abaixo de 17 metros.

A famosa Mira Norden. Clique para engrandalhecer. (Crédito: Wikimedia Commons)

A Mira Norden foi considerada revolucionária, Norden abriu uma empresa para produzi-la, enquanto continuava a ser aperfeiçoada.

Nesse período a Mira Norden ainda era um segredo de Estado, sua primeira menção pública só foi acontecer em 1942, e a primeira imagem só foi divulgada em 1944. Havia uma total e completa paranoia para proteger o segredo. Trabalhadores nas fábricas tinham que jurar lealdade. Artilheiros se comprometiam a proteger a Mira Norden com suas vidas. Em caso de pouso forçado deveriam destruir suas miras imediatamente.

Em terra, cada artilheiro recolhia sua mira depois do vôo, e a trancava em um cofre na base aérea.

Nas fábricas, o FBI investigava a capivara dos funcionários, atrás de espiões, mas isso não impediu que o pior acontecesse: Em 1938 um carcamano chamado Herman W. Lang foi visitar parentes na Alemanha. Ele morava nos Estados Unidos, era um espião nazista e trabalhava na fábrica da Norden.

Só pra dar clima. (Crédito: IMDB)

Her Herman decorou as especificações da Mira Norden e descreveu tudo em detalhes para seus mestres nazistas. Depois alguns exemplares acabaram caindo nas mãos inimigas, e foram devidamente desmontados e estudados.

Enquanto isso, depois de Pearl Harbour a Norden recebeu toneladas de encomendas. No final da guerra as seis fábricas da empresa produziram 72 mil unidades da Mira Norden, a um custo individual (em valores de 2022) de US$ 146.148,00. No total a Marinha gastou (corrigidos) US$ 10.522.656.000,00 em miras de precisão.

Agora a parte suculenta: A mira ela uma bela porcaria, só funcionava razoavelmente bem em ambiente de testes, em situações de combate não só as manobras evasivas, artilharia inimiga prejudicavam a precisão, como técnicas simples como cortinas de fumaça tornavam a mira inútil.

Em 1944 os aliados tentaram atacar uma indústria química em Leuna, na Alemanha. Foram 22 missões, 85 mil bombas lançadas na planta industrial de 757 acres. Somente 10% das bombas caíram no perímetro da tal planta. E dessas, 60% não explodiram.

Por volta de 1940 o CEP da Mira Norden em combate era de 120 metros, a 4,6 km de altitude. Em ataques navais o CEP caía para 400 metros, o que tornava o ataque inútil, pois a maioria dos navios de guerra é bem menor do que isso.

No começo de 1944 todo o conceito de bombardeio de precisão foi descontinuado. A Marinha se focou em bombardeiros de mergulho, apesar da mortalidade de pilotos que eles geravam, mas ao menos as bombas caíam no alvo.

Em terra, a decisão foi partir para o chamado carpet bombing, você manda milhares de bombardeiros para lançar sobre uma região, e deixa a probabilidade garantir que ao menos algumas bombas acertarão o alvo desejado.

Os resultados da Mira Norden foram contabilizados no final da guerra, e não foram nada bonitos. A 8ª Força Aérea só conseguiu que 31.8% das bombas atingissem um círculo de 300 metros dos alvos.

Se a Mira Norden fosse gente (Crédito: MGM)

Norden havia topado construir sua mira não só pelo dinheiro, mas por ser um cristão devoto, foi convencido que uma mira que acertasse um alvo específico salvaria vidas, evitando ataques indiscriminados. No final não só os ataques em grande escala voltaram, como a Mira Norden foi usada (desnecessariamente) no Enola Gay, no ataque a Hiroshima, mas alguma boa alma decidiu não contar a Norden, que nunca soube dessa parte.

Quanto aos nazistas, bem... eles estudaram os planos, analisaram os exemplares da Mira Norden, e deixaram pra lá. Eles concluíram que as miras que eles usavam eram melhores, não valia à pena kibar a Norden.

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