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Steve Jobs e o emulador do PlayStation para Mac

Em 1999, Steve Jobs aproveitou brechas legais para promover um emulador de PSOne para Mac; a Sony, claro, ficou fula nas calças

2 anos atrás

Steve Jobs, co-fundador da Apple, adorava ver o mundo queimar, e fazia questão de sempre que possível, garantir que ele próprio fosse o incendiário. Sua impulsividade e agressividade o levaram a, quando devidamente apoiado por profissionais de ponta, revolucionar o setor de tecnologia, de criar o conceito de computação pessoal, a revirar a telefonia móvel de dentro para fora.

Em 1998, Steve Jobs introduziu o primeiro iMac; no ano seguinte, o CEO da Apple tentou transformá-lo em um PSOne alternativo (Crédito: Reprodução/Newsweek)

Em 1998, Steve Jobs introduziu o primeiro iMac; no ano seguinte, o CEO da Apple tentou transformá-lo em um PSOne alternativo (Crédito: Reprodução/Newsweek)

Seu gênio imprevisível o fez bater cabeça com muita gente ao longo das décadas, e em algumas ocasiões, o levaram a comprar briga com companhias poderosas. Ainda assim, o causo que envolveu a Apple em uma rusga feia com a Sony, entre o fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000, é uma das passagens mais estranhas de sua carreira.

Tudo porque Jobs cismou de transformar o iMac em um console de videogame... promovendo oficialmente um emulador do primeiro PlayStation.

Uma Macworld muito estranha

A Macworld, nos últimos anos Macworld/iWorld, foi uma feira anual dedicada a lançamentos de produtos e software para a plataforma Mac/OS X, realizada entre 1987 e 2014, embora a Apple só tenha participado dela oficialmente, como empresa expositora e apresentando keynotes, somente até 2009.

A edição de 1999 do evento teve sua cota de lançamentos importantes. Jobs, que havia retornado para Cupertino após a compra da NeXT em 1997, apresentou a versão azul-e-branca do gabinete Power Macintosh G3, para acompanhar o design do hoje clássico iMac G3, o all-in-one introduzido um ano antes. Foi aqui também que a Apple lançou o roteador físico e placa de rede AirPort, que já usavam o padrão 802.11, e a primeira versão do iBook.

No entanto, boa parte do público geral, especialmente o gamer, se lembra da Macworld 1999 devido a dois anúncios, que se provaram gigantescos tiros no pé. O primeiro e mais famoso, a revelação de que Halo: Combat Evolved, um FPS desenvolvido pela Bungie, seria um título para OS X e Windows, e bem... vocês sabem o que aconteceu depois.

O segundo é menos lembrado, mas é o mais bizarro dadas as circunstâncias.

No palco, Jobs afirmou que o objetivo da Apple era "ter a melhor estação de games do mundo", uma posição válida, desde que a companhia faça por onde para convencer desenvolvedores a portarem seus títulos para seu sistema.

Já na época, ele sabia que não havia a menor possibilidade de o Mac OS X ter tanta participação de mercado quanto o Windows, devido à política de hardware e software blindados, e logo, produtos finais mais caros.

Ainda assim, Jobs arrancou algumas risadas da plateia ao mostrar uma imagem do Sony PlayStation original, já na época o console caseiro mais popular, e dizer "não seria incrível se nós (a Apple, com o iMac) pudéssemos rodar alguns de seus jogos também?" E então apresentou o Video Game Station, um software desenvolvido pela Connectix.

Esta empresa ficou conhecida por lançar ideias que se tornaram populares apenas quando outras empresas as incorporaram, desde a QuickCam original, a primeira webcam, ao conceito de virtualização para usuários que não fossem de grande porte (mainframes e etc), com o Virtual PC e o Virtual Server.

No caso do Video Game Station, ou Connectix VGS, como ficou conhecido, não havia nada de novo. Era tão somente um emulador de PSOne rodando no OS X, um software que todo gamer já conhecia, pois, na época já existiam versões cobrindo desde o Atari 2600 até a geração contemporânea, como o Bleem!, que permitia executar discos do console da Sony no PC e até no Dreamcast, graças ao Bleemcast!, um fork não-oficial.

Mesmo na época, isso foi estranho (Crédito: Reprodução/Apple)

Mesmo na época, isso foi estranho (Crédito: Reprodução/Apple)

Tecnicamente, apesar de apresentar lags mesmo durante a apresentação no palco, enquanto o VP de Marketing da Apple Phil Schiller jogava Crash Bandicoot: Warped, a ideia de ter um programa "legal", rodando jogos do PSOne se tornou tentadora demais para que usuários do Mac ignorassem, tanto que a Connectix vendeu (sim, ela vendeu) todas as cópias do VGS que levou para a Macworld 1999.

Precedente: caso SEGA v. Accolade

A grande pergunta que pairava na cabeça de todo mundo era "por que diabos Jobs fez isso"? Emulação de consoles, antigos ou não, ainda era um território bastante nebuloso e na época, o entendimento geral era de que a prática era, independente da situação, pirataria.

Não obstante, o ato de promover um emulador oficialmente inevitavelmente atraiu para a Connectix a ira da Sony em proporções titânicas, não porque Macs passariam a rodar games do PSOne (o que seria até bom, visto que historicamente, a Sony, bem todo todas as fabricantes, vendem consoles no vermelho. O lucro está nos games), e sim porque a Connectix infringiu licenças.

De modo a realizar a engenharia reversa do console e implementar os recursos do mesmo no VGS, a desenvolvedora foi obrigada a quebrar as proteções anti-pirataria e anti-trava de região do hardware, bem como copiar a BIOS, essencial para o funcionamento do software que emula plataformas modernas, esta protegida por copyright. Isto foi usado como precedente no processo movido pela Sony.

Em um mundo ideal, todo mundo continuaria a comprar CDs do PSOne para jogar onde quisesse, mas como ficou claro pouco tempo depois, emuladores como o Bleem! e o VGS liam discos piratas normalmente, como consequência da remoção dos recursos anti-pirataria, e jogos de outras regiões que não as originalmente designadas, o que detonava contratos valiosíssimos que a Sony mantinha com desenvolvedoras.

Basicamente as imagens .ISO das mídias originais eram facilmente copiadas e queimadas em mídias virgens, um processo muito mais simples e barato do que em cartuchos, por isso a Nintendo ODEIA discos. Vale lembrar que tanto o PlayStation original quanto o PS2 também podiam ser desbloqueados, de modo a lerem CDs e DVDs piratas, fossem de jogos, música ou filmes.

Tanto a Bleem! Company quanto a Connectix atualizaram seus softwares, de modo a impedir que eles executassem discos piratas, apenas para a comunidade modificar ambos e continuar usando mídias alternativas. Era inevitável.

Ishido: The Way of Stones (na imagem, capa da versão para o Atari Lynx) foi o 1.º game que a Accolade portou para o Mega Drive via engenharia reversa (Crédito: Reprodução/Atari)

Ishido: The Way of Stones (na imagem, capa da versão para o Atari Lynx) foi o 1.º game que a Accolade portou para o Mega Drive via engenharia reversa (Crédito: Reprodução/Atari)

Da parte de Steve Jobs, promover um emulador de PSOne para OS X era a alternativa mais simples para aumentar a disponibilidade de jogos para o Mac, uma plataforma que nunca foi amigável para o consumidor de jogos.

Estúdios não tinham interesse em portar seus games para um sistema que dava ponto de audiência, e nem os lojistas queriam comprometer espaço em prateleiras com computadores da maçã e jogos para a plataforma da Apple, quando o Windows vendia muito mais.

Ao mesmo tempo, a jogada de Jobs e da Connectix tinha um precedente legal. Em 1992, o caso SEGA v. Accolade estabeleceu parâmetros sobre o que seria permitido em casos de dumping (cópia) de ROMS nos Estados Unidos, no que a divisão da Atari usou a prática para circundar as proteções do Mega Drive, e lançar jogos para o console da SEGA sem pagar taxas de licenciamento.

No fim, a Corte de Apelações estabeleceu o cenário como Uso Aceitável, desde que o dumping fosse usado como um recurso para desenvolvimento de software; a prática para backup pessoal de jogos é proibida nos EUA, conforme outro caso, Atari v. JS&A Group, definiu em 1983.

Foi com essa premissa que a Connectix se defendeu (a Apple, claro, não foi processada), e acabou ganhando o caso contra a Sony, no que o júri entendeu, assim como no caso SEGA v. Accolade,  que fazer copy/paste de código-fonte é roubo, visto que este é patenteável, mas replicar uma funcionalidade com código original, o princípio da engenharia reversa, não infringe lei alguma. Como o VGS usava código próprio para emular os recursos do PSOne, mesmo a BIOS, que era integrada ao software, ela não cometeu crime algum.

Para por um fim na história, a Sony comprou o VGS da Connectix, e nunca mais ninguém ouviu falar nada dele. O anúncio oficial dizia que a aquisição "melhoraria o aperfeiçoamento de ferramentas de desenvolvimento, e inovar com produtos para o consumidor e em soluções de produtividade corporativas", o que pode ser verdade. Ou não.

O Bleem! não teve tanta "sorte". Mesmo tendo perdido o processo contra a Connectix, o que garantiria um repeteco no segundo caso, a Sony manteve a disputa judicial contra a Bleem! Company, consciente de que esta tinha bem menos recursos financeiros para bancar a briga nos tribunais.

Como resultado, a companhia faliu; a Bleem! Company fechou as portas em 2001 e o Bleem! sumiu da face da Terra.

Jobs, Woz, Atari e Breakout

Dali em diante, Steve Jobs passou a se concentrar em outras paragens, de modo a distanciar a imagem da Apple de computadores pessoais, com a introdução do iPod em 2001, do iPhone em 2007, e do iPad em 2010. Para o CEO, música era mais relevante (e mais lucrativa) que games, e a telefonia móvel veio no pacote.

Contudo, ele não era besta. Durante o keynote do iPhone 4 em 2010, o executivo ficou impressionado com o potencial do smartphone para jogos que ofereciam algo mais do que cortar frutas e derrubar passarinhos, com a demo de Project Sword da (então parceira) Epic Games, que se tornaria o primeiro Infinity Blade. Segundo a Apple, Jobs só viu o demo ao vivo, no palco.

Dali em diante, a Apple promoveu os meios para que desenvolvedoras criassem games que não devessem em nada a consoles de mesa, o que acabou também privilegiando o Android, e como consequência, o mercado de consoles portáteis foi aniquilado.

O Switch é uma plataforma híbrida apenas porque a Nintendo se recusa a matar o legado do Game Boy, portátil que permitiu à casa do Mario criar e liderar o mercado por décadas. Tecnicamente ela é líder por W.O., por via de regra não concorrer diretamente com smartphones e tablets, que vendem muito mais.

Jobs (posando com Woz e o Apple I, em foto de 1976) teve pouco envolvimento direto com a indústria dos games, mas tanto o caso de Breakout quanto o do Connectix VGS foram emblemáticos (Crédito: Reprodução/Apple)

Jobs (posando com Woz e o Apple I, em foto de 1976) teve pouco envolvimento direto com a indústria dos games, mas tanto o caso de Breakout quanto o do Connectix VGS foram emblemáticos (Crédito: Reprodução/Apple)

No mais, Jobs já havia se envolvido com games de forma mais direta, na época em que trabalhou na Atari, entre 1974 e 1976. Embora fosse considerado por Nolan Bushnell, co-fundador da companhia, um profissional promissor, ele era alguém difícil de lidar, extremamente arrogante, e vivia brigando com todo mundo, incluindo superiores.

Como se não bastasse, ele tinha péssimos hábitos de higiene (um "hippie fedido", literalmente), ao ponto de acabar deslocado para o turno noturno da Atari, criado especificamente para Jobs, no que ele trabalhava completamente sozinho.

Em 1975, ele recebeu uma incumbência de implementar o lançamento para Arcade de Breakout, uma variação de PONG para um jogador. O design do game, de Bushnell e Steve Bristow, deveria ser implementado em uma placa para produção em larga escala, e Jobs receberia US$ 750 pela tarefa, mais US$ 100 por cada chip TTL que economizasse no design, se conseguisse reduzir o padrão de 100, até um limite máximo de 50 componentes poupados, o que renderia um extra de até US$ 5 mil.

Jobs prometeu entregar a placa em 4 dias, um prazo que Bushnell não estabeleceu; o jovem funcionário então recrutou seu amigo Steve "Woz" Wozniak, que na época trabalhava na HP, propondo metade do pagamento de US$ 700 (sim, ele reduziu o valor), sem mencionar o bônus e alertando do prazo, na conta dele, estipulado pela Atari.

Fato curioso, Bushnell já sabia da existência de Woz, e que ele e Jobs eram amigos. O então chefe da Atari teria especulado que o primeiro, e não o segundo, acabaria fazendo o trabalho pesado, o que aconteceu de fato.

Jobs se limitou a ser o testador e breadborder do projeto, mas também trabalhou com Woz pelos 4 dias ininterruptos, ambos quase sem dormir.

Breakout foi lançado para Arcade em 1976; Woz é reconhecido como único desenvolvedor do game, com base nos conceitos de Nolan Bushnell e Steve Bristow (Crédito: Reprodução/Atari)

Breakout foi lançado para Arcade em 1976; Woz é reconhecido como único desenvolvedor do game, com base nos conceitos de Nolan Bushnell e Steve Bristow (Crédito: Reprodução/Atari)

Woz cumpriu o prazo e apresentou um design para Breakout com apenas 44 chips TTL, dois a mais do que ele havia idealizado originalmente, por já ter feito engenharia reversa em PONG e conhecer a placa.

Ironicamente, a Atari não pôde usar o design de Woz, simplesmente porque não entenderam o que foi feito. Ele usou de "algumas gambiarras" para compactar o design e minimizar ao máximo o uso de chips, mas o modelo era tão complexo, que assim como Ruby, não escalava. No fim, as máquinas de Breakout chegaram às casas de Arcade em 1976 usando 100 chips TTL.

Woz recebeu os US$ 350 prometidos por Jobs, que embolsou o resto e o bônus de US$ 5 mil. Ele e Bushnell só descobriram a passada de perna anos depois, mas Woz acabou reconhecido oficialmente como o desenvolvedor original de Breakout.

Fonte: Polygon

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