EUA têm acesso a 1,6% de toda a comunicação mundial

Polêmica em torno da espionagem continua

Thássius Veloso
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• Atualizado há 1 semana

Temos falado muito sobre o programa de espionagem mantido pelo governo dos Estados Unidos. Neste fim de semana, apareceu na rede, de maneira oficial, uma importante informação a respeito do assunto. A NSA (Agência de Segurança Nacional, na sigla em inglês) revelou que tem acesso a 1,6% de toda a comunicação global. Seja por meio da internet ou por telefone, a administração do presidente Barack Obama (e dos antecessores) consegue rastrear este pequeno percentual de uma rede mundial utilizada por cerca de 2,4 bilhões de pessoas — considerando-se apenas o número de internautas ativos.

A informação faz parte de um memorando que a NSA divulgou com o objetivo de trazer mais transparência ao programa americano de espionagem. Desde que o ex-consultor Edward Snowden jogou tudo no ventilador, a pressão tornou-se tão grande que o governo de Obama teve que vir a público prestar alguns esclarecimentos.

Obama está de olho
Obama está de olho

O que sabemos até agora é que a NSA trabalha em parceria com as operadoras de telecomunicações dos Estados Unidos, bem como órgãos de inteligência de países aliados. Somente a NSA consegue detectar 1,6% de toda a comunicação global de cerca de 1.826 petabytes diários. O memorando da agência a respeito do assunto afirma que, deste total, “somente” 0,025% é selecionado para uma análise elaborada dos técnicos e dos aplicativos desenvolvidos pela agência.

Em outras palavras: “Colocando de outra forma, se uma quadra de basquete padrão representasse o ambiente de comunicações global, a coleção total [de dados] da NSA representaria uma área menor do que uma moeda de 10 centavos nessa quadra de basquete”. Sim, é sério: eles usaram essa metáfora para indicar quão pequena é a porção de dados que a agência obtém, em relação a toda a comunicação mundial.

O memorando vai além ao afirmar que é possível respeitar as liberdades civis ao mesmo tempo em que promove a espionagem de pessoas de dentro e de fora da América. Há leis que permitem às agências de inteligência fazer esse rastreamento, desde que a segurança nacional esteja em jogo.

Outro ponto de destaque do documento refere-se ao procedimento para que os especialistas em segurança iniciem o processo de espionagem de um determinado indivíduo. Não é simplesmente escolher um alvo. Eles seguem alguns critérios que você vê abaixo. No fim das contas, porém, a gente percebe que os parâmetros são muito vagos. A NSA se reserva o direito de não entrar em detalhes sobre estes procedimentos justificando-se que pôr a nu mais informações poderia se tornar um problema próprio para eles mesmos.

  1. A NSA identifica entidades estrangeiras (pessoas ou organizações) que possuem informações que respondem a um requerimento identificado de inteligência estrangeira. Deste modo, a NSA trabalha para identificar indivíduos que podem fazer parte de uma rede terrorista.
  2. A NSA desenvolve a “rede” pela qual as informações daquela pessoa ou organização é compartilhada e a estrutura de controle e de comando pela qual ela flui. Em outras palavras, se a NSA está rastreando um terrorista específico, a NSA vai se comportar para determinar com quem aquela pessoa mantém contato, e de quem ele está recebendo ordens.
  3. A NSA identifica como as entidades estrangeiras se comunicam (rádio, email, telefone etc.).
  4. A NSA então identifica a infraestrutura de telecomunicações usada para transmitir essas comunicações.
  5. A NSA identifica vulnerabilidades nos métodos de comunicação usados para transmitir [os dados].
  6. A NSA combina suas coleções [de ferramentas] a essas vulnerabilidades, ou desenvolve novas habilidades para obter as comunicações de interesse se necessário.

Por favor, considere que eu não sou um especialista em segurança. A tradução dos itens acima é livre, sem pretensão de substituir o trabalho de um profissional da área.

Muitos, muitos dados

Como eu disse, o governo dos Estados Unidos se utiliza de leis como a FISA e ordens do executivo (pelo que eu entendi, funciona quase como uma medida provisória dessas que a presidente Dilma Rousseff publica cá no Brasil) para obter os dados. Os entes de inteligência mantêm bancos de dados bastante robustos para cruzar essas informações. O Verge destaca que, em alguns casos, ocorre um armazenamento de dados nos computados do governo por mais tempo do que nos computadores das empresas que fornecem esses dados.

É o caso dos metadados sobre telefonia. Uma mistura bastante sortida de informações que inclui o número de origem, número discado e duração das chamadas. A NSA salva estes dados por até cinco anos, embora esteja evidente que a Verizon, AT&T, Sprint e demais operadoras de telefonia não guardam os logs por tanto tempo.

A proposta de Obama

O presidente americano reuniu a imprensa na última sexta-feira (9) para prestar esclarecimentos e responder perguntas a respeito do programa de espionagem mantido pelos Estados Unidos. Antes de ser perguntado pelos repórteres, Obama anunciou uma série de medidas com o objetivo de diminuir a apreensão acerca das atividades governamentais. Um dos pontos mais tocados por ele diz respeito à transparência. Ele deu a ordem para que o máximo de informações sobre o Prism e demais programas sejam revelados, desde que isso não coloque em risco a segurança nacional e as atividades envolvidas em rastrear possíveis ameaças. Ou seja, esteja certo de que qualquer detalhe revelado a partir de agora ainda assim será uma pequena parcela de todo o poder de fogo da inteligência dos EUA.

Obama propõe reforma (09.ago)
Obama propõe reforma (09.ago)

Obama também mandou que as agências sejam abertas para auditorias externas. Ele só não deixou claro como esse processo vai acontecer. De nada adianta abrir os escritórios da NSA, por exemplo, se ao fim do dia os possíveis enganos não forem relatados para a população.

E não menos importante, Barack Obama disse também que o governo não está interessado em espionar “pessoas comuns” de fora dos Estados Unidos. Somente aquelas que de alguma forma podem ter ligações com potenciais ameaças, portanto. É uma resposta às diversas reportagens baseadas em informações de Edward Snowden. Aqui no Brasil, o que nos consta devido a dados obtidos pelo jornal carioca O Globo é que o governo americano espionou “bilhões” de comunicações realizadas por cidadãos brasileiros. Essa conta muito provavelmente inclui telefonemas e emails.

Comunidade de inteligência

Esse destaque é por minha conta — não estava na coletiva de imprensa de Obama na semana passada. Nós estamos focando muito nas atividades da NSA porque o próprio Snowden prestava serviço à agência. Mas o enfoque mesmo deveria ser na chamada comunidade de inteligência. O governo de lá mantém diversas agências com o mesmo propósito de espionar e investigar. Outro ente muito famoso dessa comunidade é o FBI, entidade equivalente à nossa Polícia Federal.

Mas não para por aí. Cada uma das Forças Armadas possui seu próprio órgão de inteligência, bem como o Departamento de Justiça (equivalente ao Ministério da Justiça no Brasil). São muitas pessoas dedicadas a investigar a vida alheia em busca de sinais que levam a comunicações de potencial perigo para os Estados Unidos.

Eis a comunidade de inteligência dos Estados Unidos
Eis a comunidade de inteligência dos Estados Unidos

Ainda que a NSA liberasse publicamente todos os procedimentos da agência, ainda seria uma parcela de todo o potencial americano em relação a espionagem.

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Thássius Veloso

Editor

Thássius Veloso é jornalista especializado em tecnologia e editor do Tecnoblog. Desde 2008, participa das principais feiras de eletrônicos, TI e inovação. Também atua como comentarista da GloboNews, palestrante, mediador e apresentador de eventos. Tem passagem pela CBN e pelo TechTudo. Já apareceu no Jornal Nacional, da TV Globo, e publicou artigos na Galileu e no jornal O Globo. Ganhou o Prêmio Especialistas em duas ocasiões e foi indicado diversas vezes ao Prêmio Comunique-se.

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