Ministério da Saúde testa app que receita cloroquina contra COVID-19
Aplicativo TrateCov recomenda que médicos receitem hidroxicloroquina e ivermectina para pacientes com sinais de COVID-19

O Ministério da Saúde anunciou na semana passada o aplicativo TrateCov para ajudar médicos a diagnosticar pacientes com sinais de COVID-19, sugerindo a prescrição de medicamentos com base em “rigorosos critérios clínicos”. No entanto, uma versão de testes que se tornou pública só incluía remédios sem comprovação científica contra o novo coronavírus, tal como a hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina.
TrateCov (Imagem: Divulgação / Ministério da Saúde)
O formulário do TrateCov que estava disponível ao público foi retirado do ar, mas ainda está disponível através do Internet Archive. Antes de ser removida, a página foi atualizada com o seguinte aviso: “esta versão do TrateCov é um ambiente de simulação que ficará disponível até que sejam realizados e validados os cadastros para registro dos profissionais de saúde na referida plataforma”.
O TrateCov pede alguns dados sobre o paciente para sugerir um tratamento. Você precisa inserir a data de nascimento, peso, altura, comorbidades (como hipertensão, diabetes e asma) e sintomas (como febre, dor de cabeça ou náusea).
Além disso, é necessário informar quantas vezes a pessoa frequentou determinados lugares nas duas últimas semanas, incluindo trabalho, transporte público, supermercado, bar, praia ou festa.
Formulário do TrateCov (Imagem: Reprodução/Internet Archive)
Feito isso, o formulário calcula um escore de gravidade: se a nota for 6 ou superior, recomenda-se solicitar o teste RT-PCR e “iniciar tratamento precoce para COVID-19”.
No teste do Tecnoblog, o TrateCov recomendou uma dose cavalar de remédios, nenhum deles com comprovação científica:
TrateCov sugere tratamento precoce (Imagem: Reprodução/Internet Archive)
No Twitter, há diversos relatos semelhantes, e não é à toa: o desenvolvedor Joselito Júnior analisou o código-fonte da página e descobriu que a cloroquina e remédios semelhantes sempre serão recomendados quando houver a opção de tratamento precoce, ou seja, quando o escore de gravidade for maior ou igual a 6.
Por sua vez, o desenvolvedor Lucio Maciel aponta que esse escore ignora completamente os dados clínicos do paciente, como idade, peso, comorbidades e atividades externas – ele só leva em conta os sintomas informados.
De fato, se você disser que tem 9.000 kg, sofre de todas as comorbidades (pressão alta, obesidade etc.) e foi a literalmente 1.000 festas nas últimas duas semanas, mas não apontar sintomas, o escore será baixo e não haverá a sugestão de tratamento precoce.
O código-fonte pode ser acessado pelo Internet Archive e por um repositório no GitHub criado pelo jornalista Rodrigo Menegat. Ele foi um dos primeiros a notar que o TrataCov “só receita o kit COVID-19”.
Versão de testes do TrateCov inclui cloroquina e azitromicina (Imagem: Reprodução/GitHub)
O Ministério da Saúde está testando o TrateCov em Manaus, instalando tendas ao lado dos postos de saúde para capacitar médicos a utilizar essa ferramenta ao atenderem pacientes que chegam com sintomas de COVID-19. A ideia é expandir o app para todas as unidades de saúde da capital do Amazonas; e depois, para todo o país.
Nesta terça-feira (19), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação Médica Brasileira (ABM) emitiram uma nota conjunta, lembrando que “as principais sociedades médicas e organismos internacionais de saúde pública não recomendam o tratamento preventivo ou precoce com medicamentos, incluindo a Anvisa”.
Segundo as duas entidades, “as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no ‘tratamento precoce’ para a COVID-19 até o presente momento”. Elas também criticam “negacionistas que são contra as vacinas e contra as medidas preventivas cientificamente comprovadas”, como o isolamento social e uso de máscara.
Na semana passada, o Twitter ocultou um post do presidente Jair Bolsonaro por promover antimaláricos como tratamento precoce contra a doença. Segundo a rede social, a mensagem violou regras “sobre a publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à COVID-19”. O Brasil representa 10% das mortes no mundo causadas pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).