Governo tenta mudar Marco Civil da Internet e é criticado por especialistas

Especialistas argumentam que minuta do governo que altera o Marco Civil da Internet é inconstitucional; oposição ameaça derrubá-la

Pedro Knoth
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• Atualizado há 2 anos e 4 meses
Audiencia Pública do Marco Civil da Internet (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)
Audiência pública do Marco Civil da Internet (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)

O governo tem se debruçado sobre uma minuta redigida pelo Ministério do Turismo que altera o Marco Civil da Internet para proibir plataformas de banirem contas ou conteúdo, a não ser sob ordem judicial. A proposta argumenta que redes como Facebook e Twitter têm uma política de moderação que fere o direito à liberdade de expressão. Em audiência pública na Câmara dos Direitos Humanos e Minorias nesta quarta-feira (2), partidos de oposição e especialistas criticaram o texto.

Oposição ameaça derrubar minuta do governo

A audiência, que convocou especialistas em pesquisa sobre moderação de conteúdo, convidou também representantes das maiores plataformas, como Google/YouTube, Facebook e Twitter, mas nenhum deles compareceu.

Partidos de oposição, como PSOL e PT, alegam que a proposta para alterar o Marco Civil da Internet é inconstitucional e dá impunidade aos posts de apoiadores e aliados bolsonaristas “que desafiam a ciência e os fatos”. Para os parlamentares, há viés de causa no projeto, já que para eles é o governo que espalha mais desinformação nas redes.

O deputado federal Carlos Veras (PT-PE), que convocou a audiência, propôs derrubar a minuta — caso seja aprovada — por meio de um decreto legislativo na Câmara dos Deputados. “A gente decidiu fazer esta audiência pública antes para sensibilizar o governo, para que não publiquem um decreto que, no lugar de resolver distorções, cause muito mais problemas, inclusive para a liberdade de expressão do povo brasileiro”, completou o parlamentar.

Aliada do governo alega risco à liberdade de expressão

A deputada aliada do governo Carla Zambelli (PSL-SP) defendeu que uma regulação para políticas de moderação das redes sociais é necessária. Ela teve 19 postagens apagadas do Facebook por citar a cloroquina — medicamento sem eficácia comprovada no combate à COVID-19 amplamente divulgado por bolsonaristas como forma de tratar a doença.

“Não tinha nenhum tipo de crime, era só uma opinião”, disse Zambelli. “A liberdade de expressão e pensamento tem que ser garantida. Se estiver violando uma lei, pode-se tirar um vídeo do ar. Salvo esses casos, as plataformas não poderiam tirar esses vídeos do ar.” A deputada do PSL argumenta que atualmente o usuário pode recorrer de banimentos apenas pela via judicial: “não podemos ser penalizados, para depois discutir nossa ampla defesa no Judiciário”.

Carla Zambelli (PSL-SP) fala em audiência pública (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)

Carla Zambelli (PSL-SP) fala em audiência pública (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)

Alteração do Marco Civil da Internet é inconstitucional

Especialistas em direito digital e políticas de moderação de conteúdo criticaram a possível alteração do Marco Civil e a forma como ela pode ser aprovada sem consulta da sociedade civil – três dos seis convidados ao debate chamaram-na de inconstitucional.

Para Jonas Valente, do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB, é preciso ter um controle sobre a moderação de conteúdo das redes, pois os algoritmos erram muito na hora de banir contas ou conteúdo. Porém, ele afirma que não é papel do governo definir regulamentar as redes: “Um tratamento assimétrico. Não dá para tratar o blog de um indivíduo como se trata as grandes plataformas com dezenas de milhões de usuários”.

O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Valente (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)

O pesquisador da Universidade de Brasilia (UnB), Jonas Valente (Imagem: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados)

A proposta do Ministério do Turismo também foi criticada pela falta de clareza – não se sabe como a medida pode afetar diferentes plataformas. Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), afirma que ela pode dividir e segmentar a rede. “A internet é aberta a todos, mas às vezes, na ânsia de se resolver problemas que aparecem, tomam-se medidas muito piores do que as que se tentava resolver”, completou.

Mariana Valente, pesquisadora do Internet Lab, acredita que o texto limita o papel das plataformas em banirem usuários que violem condutas. “A ideia é exclusão de conteúdo apenas por ordem jurídica, mas isso não se aplica apenas ao usuário: também ao iFood que entrega comida estragada, ao Uber que assedia passageiro, a provedor que frauda vendas. Pode afetar até site opinativo sobre filmes, por exemplo”, disse a especialista. “Em vez de garantir liberdade, vai gerar novos controles.”

Com informações: Agência Câmara dos Deputados

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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