Review: Uma semana com o Apple Watch

Como é usar o relógio inteligente da Apple no dia a dia

Lucas Braga
• Atualizado há 5 meses
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Você trocaria seu relógio convencional por um que se conecta ao seu smartphone para receber notificações, fazer ligações, monitorar atividade física e até mesmo rodar alguns aplicativos?

Essa é a proposta do Apple Watch, o wearable da gigante de Cupertino que promete uma revolução no seu pulso. Será que a promessa é cumprida? Para responder a essa pergunta, testei a versão Sport com caixa de 42 mm durante pouco mais de uma semana e deixo minhas impressões nos próximos parágrafos.

Em mãos

Design e tela

Por mais que você esteja lendo este artigo num site chamado Tecnoblog, não dá para esquecer que relógio também é um item de vestuário. Um smartwatch se vende como um dispositivo que se manterá no seu pulso durante todo o dia, e seria ótimo se esse acessório pelo menos fosse bonito. Com exceção da versão Edition, o Apple Watch definitivamente não é um objeto de luxo.

O Apple Watch não faz feio: seu formato com bordas arredondadas lembra bastante o iPhone de primeira geração e os iPods mais antigos. No entanto, mesmo com todas as qualidades, continuo preferindo relógios redondos, como os da Motorola e LG. Acredito que a maioria das pessoas compartilhe da mesma opinião, mas isso não levou a Apple para escanteio, e o Watch vendeu bastante no lançamento.

O modelo que testei foi o Apple Watch Sport com caixa de 42 mm, que possui acabamento em alumínio fosco, diferente do Watch de aço inoxidável, que traz um visual mais brilhante. Outra diferença em relação ao modelo mais caro é o vidro íon-X (contra cristal de safira). As pulseiras são intercambiáveis, e é possível usar mesmo as mais caras no Watch Sport. Tive em mãos as pulseiras de silicone preta e azul – preferi usar a preta na maior parte do tempo por ser bem menos chamativa.

Não passa pela minha cabeça como seria usar diariamente a versão de 38 mm, mesmo tendo brincado por alguns minutos com o relógio de um amigo. Para tantos ícones e ações de interface, o tamanho do Apple Watch pode decepcionar quem prefere relógios maiores ou tem dedos um pouco mais gordinhos: ações que exigem gestos de pressionar com dois dedos se tornam bastante difíceis.

A tela do Watch tem 1,7 polegada com resolução de 312×390 pixels (1,5 polegada e 272×340 pixels no modelo de 38 mm) e tecnologia OLED, algo inédito nos dispositivos móveis da empresa. Os pretos são bem pretos e as cores são bem vívidas, e não há muito o que reclamar sobre o display. A Apple também incluiu sua tecnologia Force Touch, que reconhece diferentes níveis de força e aplica isso na interface.

Interface

O Apple Watch tem apenas dois botões. Um deles abre o hub de amigos e o outro é uma pequena rodinha de navegação. Justamente por parecer algo mais analógico, a tal “coroa” traz um charme na hora de usar o relógio. Ela serve tanto para abrir aplicativos que já estão centralizados na tela como para controlar a barra de rolagem.

A roda é dispensável, já que é possível fazer tudo tocando na tela. Acontece que o display é pequeno o suficiente para que você erre toques ou tenha a visão impedida por algum dedo na frente, e assim a coroa se torna extremamente útil. O posicionamento poderia não agradar quem utiliza o relógio no braço direito, porque assim a tela seria tampada de qualquer jeito, mas há uma opção para canhotos nas configurações do Apple Watch.

Você pode concentrar todos os seus contatos frequentes no hub de amigos. Por lá, você pode efetuar uma chamada, enviar mensagens e, se a outra pessoa for dona de um Apple Watch, enviar desenhos ou até mesmo compartilhar seus batimentos cardíacos, de uma forma bem lúdica. Achei completamente inútil.

Algo importante a ser compreendido é que a função relógio é apenas um aplicativo no meio de todos aqueles ícones da tela inicial. São vários mostradores disponíveis, todos bastante personalizáveis: é possível colocar as chamadas “complicações”, como data, previsão do tempo, ações da bolsa, nascer e pôr do sol, fases da lua e cronômetro.

Essas informações ficam acessíveis a qualquer hora – basta levantar o pulso que a tela do Watch liga automaticamente. Senti falta de poder baixar novos mostradores; é algo que está disponível no Android Wear e que poderia gerar uma receita adicional para a Apple e os desenvolvedores na Watch Store. Fica pro futuro, né?

Junto do relógio se encontram os resumos (ou glances): basta deslizar de baixo pra cima para acessar uma pequena central de ajustes, controle de música, medição de batimento cardíaco, nível de bateria, meta de atividades físicas, calendário, previsão do tempo, bolsa, mapa e horário mundial. Parece muita coisa, mas tudo isso fica organizado por meio de cards que ocupam a tela inteira e são trocados ao deslizar de um lado para outro.

Também é possível incluir resumos de aplicativos de terceiros ou deixar apenas os cards que preferir. Uma função bem útil na central de controle é a de localizar o iPhone: com um toque, seu smartphone emite um som bem alto para que você o encontre.

A interação por Force Touch é algo que achei muito mal executado. Por mais legal que seja a tecnologia, não há nenhuma indicação na interface sobre a existência um menu do tipo. Fica aí o fator surpresa, já que descobri sem querer alguns menus escondidos em aplicativos ao pressionar o display com mais força.

Para ir até a tela de início, basta apertar a coroa. Seus aplicativos ficam todos jogados por ali, a organização pode ser alterada através do aplicativo do Apple Watch no iPhone. Aliás, várias das configurações são feitas exclusivamente pelo iPhone, como o controle avançado de notificações, instalação de aplicativos e contatos favoritos.

Aplicativos

O Apple Watch já vem com vários aplicativos pré-instalados. São eles: Atividade, Bolsa, Calendário, Câmera, Contatos, Exercício, Fotos, Lembretes, Mail, Maps, Mensagens, Música, Passbook, Relógio, Telefone e Tempo.

Com exceção do Atividade e Exercício, todos eles carregam dados de apps no iPhone. O calendário permite apenas exibição em lista para o dia ou semana, e poderia muito bem ter exibição de 30 dias. O aplicativo da câmera serve como um disparador remoto para o iPhone, e é bem legal por trazer retorno da imagem direto para o pulso.

É possível ler e responder mensagens no pulso, mas toda a entrada de texto é feita por reconhecimento de voz. Devo dizer que funciona muito bem: mesmo falando rápido, o reconhecimento é quase que imediato. Dá para pontuar normalmente ao falar ponto, interrogação, exclamação, arroba e vírgula. Me surpreendi com o reconhecimento de mineirês, que automaticamente traduziu “Tô saindo. Cê vai comigo?” para “Estou saindo. Você vai comigo?”. Por mais bizarro que seja conversar com seu pulso, a falta de teclado numa tela maior não é nenhum problema na hora de inserir texto no Watch.

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A Siri também está presente no Apple Watch, já em português. Basta pressionar por mais tempo o botão da roda ou falar “E aí, Siri” que ela é ativada. No relógio, a Siri é completamente silenciosa e todas as informações são apresentadas na tela. Infelizmente, nem todas as funções disponíveis no iPhone estão no pulso: tentei enviar tweets, converter moeda, fazer chamadas, ativar o modo Não Perturbe e nada disso é realizado. Só tem servido para perguntar se vai chover, ativar o despertador e pedir uma piadinha sem graça.

Por ter alto-falante e microfone embutidos, é possível fazer e receber ligações no Watch. O volume não é lá muito alto, mas suficiente para atender uma ligação dentro do carro ou de algum ambiente silencioso. Não há como discar um número: se o contato não estiver na sua agenda, a solução é pegar o iPhone e telefonar do jeito tradicional.

Existem vários aplicativos de terceiros para download na Watch Store. Alguns são úteis, como o Swarm ou Uber, mas a utilidade da maioria é questionável: qual a necessidade de ter no pulso o consumo de dados do seu celular (DataMan) ou ver fotos no Instagram?

Acho que o grande motivo da inutilidade dos apps é que a Apple liberou o WatchKit antes mesmo dos desenvolvedores terem um dispositivo para testar. Por causa disso, varias empresas correram para lançar seus apps a tempo de estarem disponível para download logo no lançamento. É impossível não lembrar que a Watch Store esteja recheada de aplicativos, mas encontrar algum realmente útil não é uma tarefa muito fácil.

A experiência de ser notificado pelo pulso

A função mais útil do Apple Watch é receber as notificações do iPhone de forma discreta e silenciosa. Uma leve vibrada no braço impede que você perca qualquer ligação ou te lembra de virar à direita na próxima esquina. Acontece que, querendo ou não, você vai olhar para o relógio toda vez que ele tremer. Durante a semana de testes, a pergunta “Você está com pressa?” foi a mais recorrente, e explicar a situação para a pessoa tornava o momento menos agradável.

Imagina ser incomodado a cada like no Instagram ou com algum jogo chato avisando que suas vidas foram recarregadas? Para evitar distrações, é muito importante configurar quais aplicativos podem lhe notificar.

Independência do smartphone?

Se você pretende comprar um Apple Watch, é muito importante saber que seu requisito mínimo principal é ter um iPhone 5 ou superior. Toda a configuração inicial, instalação de aplicativos, ajustes de notificações e atualizações de software são feitas pelo aplicativo Apple Watch no smartphone. Como o relógio não possui nenhuma conectividade móvel celular, o Watch também depende do iPhone para receber notificações e fazer ligações.

Offline, o Watch serve no máximo para atividades físicas. Pouquíssimos recursos são completamente independentes do iPhone, como funções básicas de relógio, monitor de atividades físicas, fotos e músicas. Nas últimas duas opções, os arquivos são carregados diretamente do smartphone por meio de álbuns e playlists pré-existentes, mas o armazenamento é limitado a 99 fotos e 2 GB de música. Para ouvir músicas, é necessário conectar um fone de ouvido Bluetooth.

Caso o iPhone não esteja conectado ou muito longe do relógio, um ícone aparece na tela principal, mas você perceberá isso na pele quando tentar abrir um aplicativo e não conseguir.

Exercícios físicos

Se você já viu alguma foto minha ou me conhece pessoalmente, sabe que eu definitivamente não estou em forma. Mesmo assim, pratico natação, e recebi o Apple Watch todo empolgado acreditando que poderia utilizá-lo na piscina para monitorar minha atividade. Só que um banho de água fria estava por vir: o relógio é apenas resistente a água, o que é muito diferente de ser à prova d’água.

A Apple diz: “O Apple Watch é resistente a água e respingos, mas não é à prova d’água. Você pode, por exemplo, usar o Apple Watch durante um treino, na chuva e enquanto lava as mãos, mas não recomendamos usar embaixo d’água. O Apple Watch tem classificação IPX7 de resistência a água segundo a norma IEC 60529”.

A classificação IPX7 permite exposição acidental à água por até 30 minutos numa profundidade de 1 metro. Essa resistência é suficiente para tomar banho com o relógio ou suportar o suor de atividades físicas, mas não para nadar por muito tempo.

Ainda assim, existem várias atividades terrestres a serem monitoradas: caminhada, corrida, bicicleta (ao ar livre ou em ambiente fechado), elíptico, remadas e até mesmo subir escadas. Um modo “Outro” também existe, mas ele leva em conta os mesmos parâmetros de corrida e caminhada e não necessariamente corresponde ao número real de calorias gastas.

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Para não deixar o teste em branco, fui dar uma volta com o cachorro e coloquei no modo de caminhada. Antes de iniciar o treino, você escolhe quantas calorias quer queimar e o app automaticamente calcula o tempo restante. Durante o percurso, são monitorados os batimentos cardíacos e a distância percorrida, gerando também dados como calorias já queimadas e ritmo (tempo para atingir 1 km).

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Todas essas estatísticas ficam armazenadas no app Atividade, acessíveis tanto pelo relógio quanto pelo smartphone. Uma forma de estimular a prática de atividades físicas é por meio de conquistas: a cada objetivo alcançado, o usuário é premiado com um novo selo. Seria divertido se tivesse alguma integração com amigos para comparar o desempenho em atividades físicas.

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O Watch também estimula pessoas sedentárias a não ficarem tão paradas. Uma notificação do lembrete de postura aparece caso você tenha permanecido sentado durante 50 minutos seguidos, pedindo para ficar de pé e dar uma volta. Por padrão, o relógio também notifica a cada quatro horas uma atualização sobre o progresso da atividade física estipulada.

É notável o foco de um smartwatch para atividades físicas. O Apple Watch aparenta ser um bom concorrente para esse mercado, mas uma deficiência grave pode afastar pessoas que praticam esportes: o relógio não tem GPS integrado, algo comum de se encontrar em monitores de atividades físicas da Garmin que custam menos de 100 dólares. Isso pode até parecer bobagem, mas o produto se vende como independente ao trazer armazenamento para música e não tem um mísero GPS?

Desempenho e bateria

Comecei a testar o dispositivo já com o Watch OS 1.0.1. Essa atualização trouxe, além de melhorias, o suporte a língua portuguesa que não estava presente desde o lançamento. Não tive problemas sérios acerca do desempenho do sistema: quase todas as ações tem bom tempo de resposta. Disse quase porque aplicativos que precisam se conectar a internet apresentam uma certa lentidão.

É normal que a timeline do Instagram ou a localização no mapa demorem um pouquinho, mas nada muito gritante. Isso é tecnologicamente justificável, já que o tráfego tem que chegar primeiro ao iPhone para então ser transmitido ao Apple Watch por meio de Bluetooth, que não é uma tecnologia tão rápida para transferência de dados.

É claro que a bateria pode desapontar os usuários de relógios comuns, que não precisam trocar a bateria por meses ou anos. A bateria do Apple Watch não é capaz de durar dois dias inteiros enquanto o dispositivo estiver ligado. Em todos os meus dias de teste, sempre terminei o dia com mais de 30% de bateria. A situação deve ser mais grave para quem utilizar os recursos de atividades físicas por mais tempo, mas no geral a bateria atende perfeitamente uma jornada diária convencional.

O modo de reserva de energia, que impede que você fique sem saber as horas (!), merece destaque. Quando acionado, o relógio se “desliga” completamente e exibe apenas as horas — e somente caso o usuário aperte o botão do hub de amigos.

Apesar de não sofrer com a bateria, continuo querendo que ela seja melhor. Poxa, o Apple Watch é cheio de sensores, e monitorar a qualidade do sono seria algo muito bem-vindo se a bateria durasse pelo menos dois dias em uso contínuo. Será que estou querendo demais?

Algumas observações

  • O Watch Sport vem com um carregador sem fio, de plástico. Vi muita gente reclamando na internet, mas não consigo enxergar isso como algo ruim sendo que esse é o padrão de todos os cabos da Apple.
  • A Apple bem que poderia incluir um carregador de tomada com duas USBs, como a Motorola faz com o Moto X. Preciso ocupar duas tomadas ao lado da cama para recarregar o Watch e o smartphone.
  • O botão do hub de amigos também serve para desligar o relógio, colocar no modo de reserva de energia e bloquear o dispositivo com senha.
  • Durante várias vezes no dia o relógio mede seus batimentos cardíacos, automaticamente. É bem comum retirar o relógio e perceber a luz verde (do sensor) ligada.
  • Caso você utilize senha (o que é recomendável) é uma tortura usar o relógio fora do pulso, porque várias vezes o dispositivo acaba bloqueando novamente com pequenos gestos.
  • O produto também tem suporte ao Apple Pay. Quando o serviço estiver disponível nos bancos brasileiros, será possível realizar pagamentos apenas usando o relógio.
  • Algo que incomoda bastante ao usá-lo no dia a dia é que o botão metálico da presilha acaba friccionando com o notebook. Apesar de ser algo bem específico da pulseira Sport, isso se acentua com as pulseiras completamente metálicas (como a milanesa) e provavelmente nos modelos de couro também. Essa é o principal motivo pelo qual não uso relógios no meu dia a dia, mesmo possuindo um.

Considerações finais

Após descobrir todas as funções legais e explorar a interface, o Apple Watch me parece algo extremamente inovador — embora imagine que teria experiências similares em smartwatches de outras plataformas. Mas me questionei todos os dias em que estive com o relógio sobre qual a sua utilidade.

Com exceção do Uber e Swarm, não encontrei nenhuma ação que seria mais prática de executá-la no Apple Watch em vez do iPhone. Na maioria das vezes, os apps no relógio são extremamente enxutos e com poucas funções, o que é bastante aceitável dado o tamanho da tela do dispositivo. Por que eu leria um relógio se meu telefone está logo ali no bolso?

Durante o período de testes, não encontrei nada que me fizesse gostar muito do produto. Ok, receber notificações no pulso é bem legal: controlando quais apps podem acessar o relógio, é confortável trocar o toque escandaloso do celular por um silencioso alerta vibratório no pulso. Mas será que você está disposto a pagar pelo menos 350 dólares para ter esse conforto? Eu não.

Depois de cinco anos sem nenhum lançamento de produto novo, consigo enxergar o Watch como um dispositivo que fará a Apple melhorar o restante da sua linha de produtos. É natural que o Force Touch seja implementado também em iPhones e iPads, e o carregamento sem fio presente no relógio poderia muito bem ser adicionado ao restante dos dispositivos.

É bem possível que, no futuro, exista alguma função que faça eu mudar de ideia, mas por enquanto não sinto nenhuma necessidade de ter um Apple Watch. Foi assim com o primeiro iPhone, foi assim com o primeiro iPad, e realmente espero que aconteça o mesmo com o Apple Watch, porque, nos dias de hoje, não vejo nenhum sentido em possuir um dispositivo desses.

Apesar de já estar homologado na Anatel, o Apple Watch ainda não é vendido no Brasil. Não imagino que deva demorar muito até liberarem as vendas, mas um palpite é certo: o produto não será barato.

Leia | Como fazer uma competição com amigos no Apple Watch

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Escrito por

Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.