Automobilismo Virtual: do videogame aos E-Sports

Modalidade como esporte eletrônico teve crescimento exponencial nos últimos anos; Família Fittipaldi conquista título para o Brasil

Victor Toledo
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• Atualizado há 11 meses
Automobilismo Virtual: do videogame aos E-Sports (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

O automobilismo é uma das portas de entrada para quem ama estar atrás de um volante e quer ganhar dinheiro pilotando. Entretanto, apesar de ser um esporte que possui uma legião de fãs em todo o mundo, ainda é pouco inclusivo, visto que, para se destacar e construir uma carreira sólida, são precisos altos investimentos desde a infância.

Uma possível alternativa é unir esporte e videogame. Sim! O automobilismo virtual é uma modalidade que cresceu de forma exponencial nos últimos anos, principalmente com a evolução dos jogos de corrida que estão cada vez mais fiéis à realidade. Além disso, pilotar carros virtuais é mais inclusivo, já que não há necessidade de se ter contratos milionários de patrocínio para quem busca dar um start na carreira.

A semente do automobilismo virtual foi plantada na década de 1970, na era do Atari, mas o barateamento da tecnologia abriu espaço para novos entrantes. Para entender o cenário atual, o Tecnoblog conversou com Rodrigo “Wizard” Steigmann, fundador do F1 Brasil Clube, maior portal de automobilismo virtual do país; e Pietro Fittipaldi, que divide suas atividades entre os simuladores dos campeonatos virtuais e as pistas da Fórmula 1, como reserva da Haas F1 Team.

Tudo começou com jogos de corrida bem simples

Jogos de corrida não eram comuns no inicio da história dos videogames, quando o principal produto era o Pong, lançado em 1972. Porém, em maio de 1974, isso mudou. Gran Trak 10 chamou a atenção por ser o primeiro jogo que uniu um autódromo e um carro em uma simulação. Apesar de gráficos completamente simples e sem tanta interatividade, o jogador conseguia controlar o veículo por meio de um volante, pedais e câmbio que vinham instalados no fliperama.

Gran Trak 10 foi o primeiro jogo de corrida a ser lançado (Imagem: Reprodução/AtariAge)

O sucesso foi tanto que, dois anos depois, Night Driver chega ao catálogo de jogos da Atari sendo o primeiro a trazer a visão em terceira pessoa de uma pista que se movimentava ao longo da percurso. Na época, os jogos de corrida não tinham linha de chegada ou outros adversários para competir na pista já que o único objetivo era acumular o máximo de pontos possível em uma sessão.

Ao longo dos anos é possível dividir os jogos de corrida em algumas gerações e categorias. A primeira delas é a clássica, na qual Gran Trak 10 e Night Driver fazem parte. Aqui, jogos como Enduro, OutRun e Top Gear também deixaram sua marca com trilhas sonoras marcantes e pela presença de um inovador modo multijogador local.

Outra divisão que podemos fazer na linha do tempo é a de jogos Arcade. Nesse caso, a chegada de jogos como The Need For Speed e sequências como Underground, Most Wanted e Carbon foram sucesso de público e de vendas, sendo que, até hoje, a franquia ainda tem lançamentos recorrentes.

Nessa mesma linha de raciocínio, não podemos deixar o clássico Midnight Club — primeiro jogo de corrida de mundo aberto a ser lançado — de fora. Posteriormente, após o cancelamento da linha de jogos pela Rockstar Games, a série Forza Horizon tomou esse posto e faz sucesso até os dias atuais, chegando na quinta edição em 2021. 

Os pilares do automobilismo virtual no Brasil

Posteriormente ao lançamento dos primeiros jogos de corrida da história, uma série de títulos que remetem aos carros de Fórmula 1 foram lançados e tiveram grande adesão dos fãs da categoria.

Naquela época, o Brasil tinha representantes de peso no campeonato mundial. Impulsionados pela imagem de Ayrton Senna, jogos como Super Mônaco GP são comentados até hoje, apesar da desenvolvedora não possuir os direitos de imagem da competição e ter lançado o jogo com carros genéricos.

Tudo muda com a compra desses direitos pela Eletronic Arts no início dos anos 2000. Foi aí que o automobilismo virtual teve o seu estopim como um esporte eletrônico no Brasil. De início, o jogo F1 Challenge 9902 inspirou amantes da Fórmula 1 a criarem competições esportivas entre amigos e conhecidos de forma on-line.

Assim surgiu o F1 Brasil Clube (F1BC), um dos maiores e mais antigos portais de automobilismo virtual do país. Com regulamentos similares aos da vida real, transmissões ao vivo e etapas regulares ao longo do ano, o site organiza campeonatos de diversas categorias há mais de 15 anos e com temporadas que duram entre três e quatro meses.

Copa Super GT é organizada pelo F1 Brasil Clube (Imagem: Divulgação/F1BC)

Em entrevista ao Tecnoblog, o fundador do F1BC, Rodrigo “Wizard” Steigmann, conta como tudo começou e traz detalhes sobre como funcionam as competições.

O site surgiu em 2006 a partir de algumas comunidades de Fórmula 1 que existiam no Orkut. Tudo começou com o F1 Challenge 99-02. Como eu jogava com frequência, surgiu a ideia de organizar um campeonato on-line com regras entre amigos. De lá para cá só cresceu. Hoje existem vários jogos que são chamados simuladores por conta do alto nível de realismo. 

Durante as competições, temos transmissões ao vivo com narrador, direção de prova com regulamento atuando na corrida e briefing com os pilotos antes das sessões. Além disso, nosso portal também traz matérias sobre as corridas, ranking com pontuações e diversos outros tipos de conteúdos.

Apesar de as competições terem sidos inspiradas nos primeiros jogos de Fórmula 1, atualmente, o F1 Brasil Clube não realiza campeonatos da categoria. Com o passar dos anos e com o avanço da tecnologia nos jogos de corrida, simuladores de categorias esportivas tiveram mais espaço, principalmente por fornecerem configurações que se assemelhassem mais à realidade.

Jogos como o italiano Assetto Corsa Competizione, o tradicional Gran Turismo e o iRacing são os principais simuladores utilizados nas competições no Brasil. O que também prova a força do automobilismo virtual nacional é o jogo Automobilista, da Reiza Studios. Desenvolvidos por brasileiros, o jogo já recebeu campeonatos oficiais da Stock Car e também da Fórmula Truck, além de ser usado no mundo todo para outras competições regionais.

Franquia Automobilista foi criada por desenvolvedores brasileiros (Imagem: Divulgação/Reiza Studios)

A pandemia e o campeonato virtual de Fórmula 1

A temporada regular da Fórmula 1 também foi completamente afetada pelo distanciamento social que a pandemia causou. A Federação Internacional de Automobilismo (FIA) decidiu suspender a temporada de 2020 após engenheiros de uma das equipes terem contraído a Covid-19 durante uma das etapas.

No período no qual os carros ficaram longe das pistas, a federação decidiu criar um campeonato virtual de Fórmula 1 com algumas etapas, que seriam feitas nos mesmos dias que os Grandes Prêmios. Os irmãos Pietro e Enzo Fittipaldi foram convidados para competir por uma das equipes, como conta Pietro, piloto reserva da Haas F1 Team, em entrevista ao Tecnoblog.

Nos últimos anos, a Fórmula 1 Virtual cresceu muito. Infelizmente foi com a chegada da pandemia que cresceu ainda mais já que estávamos todos de quarentena, a temporada de Fórmula 1 foi paralisada e aí começaram a surgir inúmeros campeonatos com boas premiações. Todos os pilotos estavam em casa sem poder competir e as equipes começaram a instalar alguns simuladores para a gente treinar.

Eu estava correndo pela Haas e meu irmão Enzo fez algumas corridas virtuais pela Ferrari. No começo de 2021, a F1 decidiu fazer o campeonato oficial virtual da categoria com pilotos titulares, reservas e da academia júnior. A Haas me pediu para competir e para convidar meu irmão Enzo também, então corremos juntos esse campeonato de três etapas. 

Pietro Fittipaldi, piloto reserva da Haas F1 Team

Para dar vida à competição, a FIA decidiu que as pistas da Áustria, Silverstone e Interlagos seriam as sedes do torneio que tinha como principal objetivo arrecadar fundos para a caridade.

Além do sucesso de arrecadação, o resultado também foi positivo nas pistas. Enzo Fittipaldi trouxe para o Brasil o título de campeão do primeiro campeonato oficial de Fórmula 1 Virtual, ficando três pontos à frente do piloto da Williams, George Russell. Além disso, a Haas também sagrou-se campeã por equipes, graças ao desempenho dos irmãos Fittipaldi nas três etapas.

As premiações milionárias das ligas profissionais

Se o objetivo do campeonato oficial de Fórmula 1 Virtual não era oferecer grandes premiações em dinheiro aos pilotos, saiba que já existem competições na qual os valores chegam a cifras milionárias.

De acordo com o site E-Sports Earnings, em 2020, a F1 Esports Pro Series pagou cerca de R$ 3,5 milhões em premiações aos pilotos e equipes. Diferente do torneio disputado pelos irmãos Fittipaldi, a liga profissional de Fórmula 1 Virtual é composta por pilotos contratados pelas equipes exclusivamente para competirem na categoria de simulação.

A Red Bull Racing Esports Team foi campeã da temporada e levou em torno de R$ 960 mil em premiação. Outra competição que chamou a atenção em 2020 foi a liga virtual da Nascar. O torneio, disputado no simulador iRacing, foi patrocinado por diversas empresas e teve em torno de R$ 1,3 milhão em bonificações.

Liga Profissional de F1 conta com pilotos contratados pelas equipes da categoria (Imagem: Divulgação/F1)

No Brasil, os valores ainda não chegam a esse patamar, mas garantem trazer retorno aos pilotos e equipes que investem no automobilismo virtual nacional. 

Atualmente, nosso portal de automobilismo virtual faz o campeonato oficial da BMW no Brasil. Tivemos cerca de 250 pilotos inscritos e os 40 mais rápidos foram classificados para o torneio. Como se trata de um campeonato longo com sete etapas até outubro, nós vamos distribuir uma premiação de 20 mil reais às equipes.

Além disso, nós já tivemos praticamente todos os pilotos da Stock Car e os brasileiros da F1 participando das competições. Já fizemos eventos com Rubens Barrichello, Felipe Massa e já chegamos a fazer eventos oficiais da Stock Car com premiações aos pilotos.

Rodrigo “Wizard” Steigmann, fundador do F1BC

“Um simulador de Fórmula 1 pode chegar na casa dos US$ 15 milhões”

O nível de realismo oferecido pelos simuladores é o principal aspecto que possibilita a criação de competições virtuais de diversas categorias do automobilismo. Com gráficos de encher os olhos, os simuladores podem ser jogados com investimento em um kit de pilotagem, composto por volante e pedais.

No Brasil, os periféricos mais populares são os desenvolvidos pela Logitech, que possui versões para PC, PlayStation e Xbox. Entretanto, apesar do realismo, os simuladores existentes no país ainda estão longe da realidade de um carro de Fórmula 1, como conta Pietro.

No geral, os simuladores são bem diferentes. Eu tenho um bom simulador em casa, mas também nem se compara a um simulador de Fórmula 1. Para se ter uma ideia, os equipamentos que eu tenho em casa custam cerca de US$ 7 mil, incluindo computador, volante, cockpit e pedais.

Na vida real, cada equipe tem seu próprio software. Por exemplo: nós da Haas utilizamos um simulador parecido com o da Ferrari. A McLaren, Mercedes e Red Bull tem seus próprios, que também são diferentes. Um simulador de uma equipe de Fórmula 1 pode chegar na casa dos US$ 15 milhões para ser desenvolvido, instalado e para fazer a manutenção diária. 

No dia a dia de Fórmula 1, nós utilizamos [o simulador] antes da corrida como preparação e para definir acertos do carro e nossas estratégias. Após todo o fim de semana, os pilotos voltam ao simulador com a telemetria daquela etapa em específico e trabalham para deixar o simulador mais fiel possível à realidade. É um processo que acontece todo fim de semana de Grande Prêmio.

Pietro Fittipaldi, piloto reserva da Haas F1 Team

Apesar das diferenças, Pietro também é grande adepto da franquia F1 e diz ser possível, sim, no jogo, ter uma noção do que é pilotar um carro na vida real.

Eu me divirto muito quando estou jogando o jogo da Fórmula 1. Eu e meu irmão Enzo fazemos lives na Twitch pelo nosso canal Fittipaldi Brothers. Visualmente falando o jogo é muito parecido, os gráficos são ótimos, os pontos de frenagem são similares e as velocidades das curvas também são bem semelhantes à vida real.

A busca pelo pódio começa com aprendizado

Para quem curte jogos e quer ter a sensação, mesmo que pouca, do que é pilotar um carro de corrida, não são precisos grandes investimentos para iniciar a carreira. Aqui no Brasil, os volantes da Logitech custam na faixa de R$ 1,5 mil e são amplamente utilizados por pilotos virtuais nas competições nacionais.

Linha de volantes Logitech são os mais utilizados no Brasil (Imagem: Divulgação/Logitech)

Além disso, no clube brasileiro de automobilismo virtual, os campeonatos são divididos por nível de experiência, o que pode ajudar os iniciantes.

Dentro do F1BC nós temos quatro níveis de campeonatos. De acordo com os resultados dos pilotos e suas estatísticas eles obtêm uma licença de pilotagem que varia entre Platinum, Ouro, Prata e Bronze. Alguns de nossos campeonatos permitem a licença Platinum, outros do Ouro para baixo, alguns somente com Pratas e um só com os Bronzes. Mesmo nos níveis mais baixos, nós mantemos a seriedade e a qualidade das competições.

Rodrigo “Wizard” Steigmann, fundador do F1BC

O processo de aprendizagem chega a ser simples para quem possui simuladores, consoles e PCs para executar o jogo. De início, vale competir contra a própria inteligência artificial dos jogos, seja algum título da franquia Fórmula 1 ou outros mais esportivos como o Gran Turismo e o Automobilista.

Quando se sentir confortável, vale desabilitar as assistências de condução de forma gradual, de modo a se acostumar com a dificuldade imposta pela simulação. Assim, é possível que, com o tempo, você se desenvolva ao ponto de se inscrever nas competições e realize o sonho de todo e qualquer piloto: conquistar um lugar no pódio.

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Victor Toledo

Victor Toledo

Analista de conteúdo

Victor Toledo é jornalista formado pela Unesp, com ensino técnico em informática. Antes de entrar para o time do Tecnoblog, em 2021, escreveu sobre informática, eletrônicos e videogames no TechTudo (Editora Globo) e no Zoom. Atua na estratégia de conteúdo e SEO do TB. É apaixonado por esportes e passa boa parte do tempo livre em simuladores de corrida e assistindo futebol.

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