A sombria e desolada cidade de Ghostwire: Tokyo

Novo jogo dos responsáveis por The Evil Within traz um belo passeio noturno a Tóquio, mas que poderia ser um pouco mais animado

Vivi Werneck
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• Atualizado há 11 meses
A sombria e desolada cidade de Ghostwire: Tokyo (Imagem: Divulgação/Tango Gameworks)

É só mais um dia normal na cidade de Tóquio, mas tudo muda drasticamente quando uma névoa sobrenatural faz com que quase todos os humanos desapareçam, deixando somente suas roupas para trás. Apenas um jovem misteriosamente permanece vivo: Akito. Ele logo percebe que não está sozinho no próprio corpo, pois foi parcialmente possuído por um espírito que lhe concedeu poderes paranormais. Agora, os dois precisam entender o que está acontecendo, combater espíritos malignos e tentar salvar a cidade.

Bem vindos a Ghostwire: Tokyo, um jogo do estúdio Tango Gameworks que tem a série The Evil Within no currículo. No entanto, já gostaria de deixar claro que, assim como Akito, você precisará exorcizar TEW da sua mente para jogar Ghostwire. São propostas diferentes, mesmo apostando numa temática sobrenatural. 

Ghostwire: Tokyo chega no dia 25 de março e, em princípio, apenas para PlayStation 5 e PC. O jogo traz opção de áudio e legendas em português do Brasil e você confere a minha opinião sobre ele, sem spoilers, a seguir. Para esta análise, o game foi testado no PS5 com uma chave cedida pela Bethesda.

Ué… Cadê todo mundo?

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

Como já adiantei, uma névoa misteriosa fez com que 99% da população de Tóquio simplesmente desaparecesse. Apenas o jovem Akito sobreviveu. Os únicos vestígios da existência dos outros habitantes são peças de roupas espalhadas pelo chão, equipamentos eletrônicos ligados nas casas e escritórios, e alguns veículos atravessados nas ruas. Parece que tudo foi deixado para trás às pressas, como se todos estivessem fugindo em pânico de alguma coisa (ou de alguém).

Akito, como qualquer ser humano diante de uma “realidade” dessas, estava totalmente perdido e sem saber o que fazer. Para piorar as coisas, um espírito havia se apossado de parte do seu corpo. O habitante inesperado se apresenta apenas como KK, um detetive que, quando vivo, fazia parte de um pequeno grupo de pessoas que estava tentando impedir que Hannya, o ser mascarado que aparece em todas as peças promocionais do jogo, colocasse em prática seu plano.

Os dois, é claro, conseguem entrar num acordo de que precisam um do outro naquele momento: KK, por precisar de um corpo provisório para terminar sua investigação, e Akito, que agora consegue controlar os poderes sobrenaturais do detetive e vai usá-los para descobrir o paradeiro da sua irmã. Ambos passam a ter uma espécie de relação de simbiose paranormal (ou algo do tipo). Outros NPCs aparecem ao longo da história também, mas basicamente a trama se desenvolve em torno de Akito e sua irmã, KK e Hannya. 

O game, apesar de dar umas pinceladas sobre o passado de KK como detetive, não se aprofunda tanto na história dele. E isso é uma pena porque, sinceramente, o seu drama me parece muito mais interessante que o do próprio Akito. Felizmente, você pode baixar gratuitamente a visual novel adventure Ghostwire: Tokyo – Prelude, para saber mais sobre o grupo de detetives sobrenaturais que KK fez parte. E sendo mais sincera ainda, acredito que se o jogo acompanhasse a jornada de KK e seu grupo, a narrativa da campanha principal seria bem mais atrativa. 

Mas sobre a tal névoa misteriosa, que você saberá mais do porquê dela conforme jogar, este fenômeno também criou uma fissura entre o mundo real e o sobrenatural. Por isso, ao andar pela cidade abandonada, você verá espectros de vários objetos distorcidos que talvez pertencessem a outra dimensão. 

O interior de algumas casas e prédios, às vezes, também desafia a realidade e as leis da física: o teto se torna o chão, as paredes mudam de lugar ou ficam transparentes, objetos flutuam e piscam, etc. Se você jogou Observer, do estúdio Bloober Team, entenderá bem do que estou falando.

Inclusive, eu gostaria muitíssimo que o jogo tivesse investido mais nesses momentos caóticos de duas dimensões tentando ocupar o mesmo espaço. Das vezes que isso aconteceu, os efeitos visuais ficaram muito bons e dava mesmo para ter uma sensação de total desequilíbrio.

Aqueles que vagam pelas sombras… 

Além de enlouquecer a realidade, a névoa também abriu um portal que parcialmente conectou o sobrenatural com o real e Tóquio foi invadida pelos Visitantes, a forma como o game se refere aos espíritos corrompidos. A aparência desses fantasmas é bem peculiar e alguns até podem lembrar personagens conhecidos de lendas urbanas, como o Slender Man, por exemplo.

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

Ghostwire: Tokyo é repleto de referências ao folclore japonês, além de religião (ao se falar de vida após a morte) e lendas urbanas. Ou seja, o game é um prato cheio para mergulhar mais na cultura desse país. 

Ao explorar as ruas desertas, em algum momento você encontrará, por exemplo, a entidade Shiromuku, o espírito de uma jovem noiva num kimono tradicional que sofre pela eternidade por não conseguir se casar com seu grande amor. Já Amewarashi é uma entidade em forma de criança com capa de chuva, que Akito também enfrentará. Ela não consegue descansar em paz devido a sua tristeza sem fim por ter sido separada dos pais.

Para a sorte de Akito, nem todos os invasores espirituais querem matá-lo. Alguns yōkai (seres sobrenaturais do folclore japonês) aproveitaram a deixa para dar uma voltinha pelo mundo dos vivos. Visite lojas e barraquinhas de lembranças e comidas e encontre simpáticos gatinhos flutuantes de duas caldas. Eles têm um senso de humor único e bem fanfarrão.

Esses yōkai resolveram fazer um bico como comerciantes e irão te recompensar se trouxer alguns itens raros que coletar pela cidade. Use também seu poder sobrenatural para conversar com gatos e cachorros pelas ruas. Você pode fazer carinho neles! Bom, ao menos em todos os cães; nos gatos vai depender do humor deles. Ah, alimente um cãozinho e ele pode cavar um tesouro para você.

Explorar, explorar e, eventualmente, lutar

Ghostwire: Tokyo é um jogo de ação e aventura em primeira pessoa, no entanto, você passará muito mais tempo explorando do que combatendo entidades. Isso pode ser bom ou ruim, depende apenas do seu estilo de gameplay. No meu caso, senti falta de um pouco mais de encontros inesperados com entidades malignas, armadilhas sobrenaturais e momentos reais de tensão, especialmente após todos os trailers mostrando combates quase que o tempo todo.

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

As entidades malignas, ou seja, os Visitantes, vagam em alguns pontos aleatórios de Tóquio e podem estar sozinhas ou em grupo. Tirando fantasmas que precisará encarar por conta de eventos da campanha (principal ou secundária), a maioria ou você pode simplesmente dar a volta em outra esquina e escapar ou, furtivamente, eliminar uma a uma.

Das poucas vezes em que me senti realmente ameaçada ao ponto de pensar “nossa, agora vai dar ruim”, foi quando resolvi purificar um templo (e você fará isso dezenas de vezes para abrir o mapa) e além de encarar os Visitantes que protegiam a corrupção do lugar, também atraí, propositalmente, outras entidades no final da rua para a festa. Foi a única vez que consegui juntar mais de dez deles, ao mesmo tempo, no mapa livre.  

Há alguns eventos de mundo, que também são bem aleatórios e não acontecem o tempo todo, em que terá a chance de impedir que Visitantes aprisionem almas em grandes cubos (que lembram um pouco o Cubo das Lamentações, da franquia Hellraiser) e outros que você verá uma passeata de espíritos malignos (visualmente, isso ficou muito legal). Se for pego por esta multidão de fantasmas, Akito é sugado para uma dimensão paralela e só escapará após enfrentar hordas de Visitantes e sobreviver. É só aí que realmente se vê ação de verdade.

Focando agora só nos combates, Akito (na maioria das vezes) usará apenas seus poderes sobrenaturais; suas únicas armas físicas são um arco e alguns talismãs. Os efeitos visuais das mãos do personagem ao conjurar cada uma das magias, ou exorcismos, foram muito bem feitos. Desde o movimento dos dedos para segurar cordas paranormais aos rápidos cortes no ar com as mãos para lançar os golpes, tudo é muito brilhante e coreografado. Parece um karatê sobrenatural.

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

A movimentação de Akito, entretanto, poderia ser um pouco mais fluida, especialmente em momentos de combate em que você precisa ser ágil. A sensação de lutar com ele, às vezes, era um pouco “quadrada”. Parecia que ele estava andando sempre em linhas retas para os lados. Já a movimentação dos inimigos, felizmente, varia um pouco mais e vai depender do tipo de Visitante. Mesmo assim, com o tempo, você conseguirá aprender os padrões.

Há algumas boss fights (destaque para o capricho visual destas criaturas), mas nada que te fará jogar o controle na parede. Todos os inimigos (inclusive os chefões) seguem padrões próprios. É só aprendê-los para mandar todos de volta para o além sem muito estresse. Isso porque você sobe de nível muito fácil no jogo, especialmente resgatando almas e as depositando em telefones públicos (sim, isso mesmo).

Já que passará mais tempo explorando do que em combate, dê uma atenção especial às missões secundárias. Existem algumas mais bobinhas, mas outras trazem relatos sofridos de pessoas que morreram de forma traumática (Akito e KK poderão ajudar seus espíritos a descansar), e outras exploram o folclore e lendas urbanas japonesas. Inclusive, não me lembro a última vez que joguei um game em que as missões opcionais eram mais interessantes que a própria campanha principal, mas este foi o caso para mim.

Um incrível passeio noturno por Tóquio

Resolvi separar um tópico só para falar da ambientação de Ghostwire: Tokyo porque o jogo merece. Infelizmente, eu ainda não tive a oportunidade de visitar o Japão, mas mesmo assim fiquei curiosa e impressionada com a riqueza de detalhes das ruas, prédios e toda a atmosfera da Tóquio do jogo. Parece que cada esquina, cada construção, parques e templos foram digitalizados da própria planta da cidade.

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

Só por curiosidade, pesquisei a região de Shibuya (um dos maiores centros comerciais do mundo) no Google Maps e a semelhança com o que se vê em Ghostwire: Tokyo é incrível. Desordem e caos urbano, após a passagem de uma neblina sobrenatural, à parte, é muito prazeroso explorar cada cantinho das ruas e descobrir seus mistérios.

Todo o jogo é ambientado no período da noite, então é possível observar os reflexos das luzes da metrópole nas poças d’água e na lataria dos carros, por exemplo. Quase todos desapareceram tão subitamente que não deu tempo de apagar as luzes. Inclusive, tirando o design dos personagens (que merecia um pouco mais de polimento), todo o estilo visual do cenário, com um misto de sombrio e luzes brilhantes, ficou muito bom.

A experiência visual aliada a ambientação sonora dá o toque especial. Se jogar de fone, é possível escutar algumas assombrações, dependendo de onde estiver, por exemplo. Sem fones, a própria saída de áudio do DualSense coloca a voz de KK perto de você, assim como os sons dos seus golpes em momentos de combate.

Quem pode gostar de Ghostwire: Tokyo?

Após terminar a campanha principal e fazer uma boa quantidade de missões secundárias, eu ainda não consigo definir, com 100% de certeza, todos os meus sentimentos por Ghostwire: Tokyo. Visualmente, eu não mudaria quase nada, pois amei a atmosfera noturna de Tóquio em meio ao caos sobrenatural. 

Ghostwire: Tokyo (Imagem: Reprodução/Vivi Werneck)

E é exatamente por isso que, na minha opinião, o game merecia uma história principal bem mais profunda e envolvente. Após algumas horas jogando, eu já estava ansiosa esperando o grande plot twist que iria sacudir tudo e fazer, finalmente, a narrativa me pegar de jeito, mas isso não aconteceu. Novamente, algumas missões secundárias (mesmo que breves) me envolveram bem mais.

Para quem gosta de exploração, vagar pela cidade, investigar locais misteriosos, subir nos edifícios e planar sobre as ruas fará seus olhos brilharem, porque realmente há muito o que andar e ver por lá. Agora, se você realmente quer ação desenfreada o tempo todo (como os trailers meio que deixaram a entender), talvez possa se decepcionar um pouco. Você vai lutar, vai usar os seus poderes, mas não espere que isso seja uma parte constante do gameplay.

Por fim, eu recomendaria Ghostwire: Tokyo para quem prefere um jogo com uma pegada mais de exploração e investigação, mas que eventualmente traz alguns momentos de ação para quebrar um pouco a possível monotonia de só andar por aí procurando espíritos. Não aposte tanto na história principal e, se for encarar mesmo esta cidade paranormal, jogue com calma para aproveitar cada cantinho de Tóquio e não se esqueça de fazer carinho nos gatinhos e cãezinhos, quando encontrá-los.

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Vivi Werneck

Vivi Werneck

Ex-editora assistente

Vivi Werneck é especialista em games e trabalha no mundo tech há 15 anos. Em 2018, recebeu o Prêmio Comunique-se como melhor jornalista de tecnologia. Já escreveu para revistas de games pioneiras no Brasil, como EDGE, PlayStation Brasil e EGW. Também é veterana em eventos de jogos, como a BGS e E3 (inclusive, presencialmente). No Tecnoblog, foi editora-assistente entre 2018 e 2023.

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