20 anos de iPod: como ele mudou a Apple e a música
O iPod já não é tão famoso ou cobiçado, mas ele deixou sua marca no mercado e impulsionou a Apple antes da chegada do iPhone
O iPod já não é tão famoso ou cobiçado, mas ele deixou sua marca no mercado e impulsionou a Apple antes da chegada do iPhone
Lançado há duas décadas, o iPod já não tem a mesma popularidade de alguns anos atrás. Sua principal utilidade, a de ouvir música em qualquer lugar, foi incorporada a vários outros dispositivos, como o iPhone, anunciado depois pela própria Apple.
Antes disponível em inúmeras cores e tamanhos, hoje o iPod é vendido em um único modelo cujo design se assemelha a um iPhone de 2013, demonstrando que esse já não é o produto mais vendido (ou procurado) da Apple. Ainda assim, é inegável que ele foi um dos grandes responsáveis pela ascensão da empresa, além de ter revolucionado o mercado de música ao ponto de diversos concorrentes se inspirarem em suas funções.
Mas antes de todo esse sucesso, a gigante de Cupertino precisou enfrentar algumas batalhas para que seu reprodutor de mídia portátil ganhasse a atenção do público, principalmente nos primeiros anos de lançamento.
A Apple não costuma ser a primeira empresa a lançar um produto. Antes de qualquer anúncio, a gigante de Cupertino analisa bem como aquele dispositivo pode impactar a vida dos usuários e, consequentemente, o mercado de tecnologia — e com o iPod não foi diferente.
Rafael Fischmann, fundador e editor-chefe do MacMagazine, comenta ao Tecnoblog que “quando ela [Apple] vê uma oportunidade, ela normalmente demora um pouco, analisa, prototipa internamente e não coloca produtos com uma pegada de protótipo no mercado”. Isso aconteceu com o iPod, já que, mesmo após o retorno de Steve Jobs em 1997, a Apple ainda demorou quatro anos para lançar a primeira versão.
O iPod classic, oficializado em outubro de 2001, foi um divisor de águas. Isso porque a empresa enfrentava um grande período de crise, e na tentativa de crescer novamente, decidiu recontratar Steve, que, enquanto esteve ausente, criou a NeXT Computers.
Essa foi uma decisão acertada, pois assim que retornou como CEO, Steve conseguiu resolver diversos problemas e, para colocar a Apple nos “holofotes” novamente, apresentou o iPod classic. Esse primeiro modelo tinha uma capacidade máxima de 5 GB e prometia carregar em seu bolso nada menos que mil músicas, um número gigantesco para a época.
O iPod também era bastante leve e compacto, sendo esse um dos grandes diferenciais em relação aos concorrentes, que, além de não entregarem uma boa experiência de uso, eram pesados e pouco portáteis. “Ela [Apple] trouxe um dispositivo super bonito, portátil, fácil de usar, com uma ótima interface e uma interação fantástica com a click wheel”, comenta Rafael.
O conector FireWire também desempenhou um papel importante no lançamento do primeiro iPod. Isso porque ele era bem mais rápido que o USB 1.0 utilizado na época. Por outro lado, esse novo padrão só permitia que o iPod funcionasse em computadores Mac — uma limitação deixada de lado em futuras versões. “O FireWire foi algo que mudou anos depois quando ela passou para o USB e popularizou o iPod no mundo Windows. Ele era super rápido: você conectava e já sincronizava em poucos segundos”, explica Rafael.
Apesar de trazer benefícios, Sérgio Miranda, ex-editor da revista Mac+ e desenvolvedor de produtos na Geonav, explica ao Tecnoblog que a Apple conseguiu expandir ainda mais com a remoção desse padrão. “Quando dois anos depois, no iPod de terceira geração, ela [Apple] tira o FireWire e passa a usar o USB, dando acesso aos usuários Windows, aí sim ela começa a criar uma atração maior num produto que alavancou a empresa”, comenta.
Pouco tempo depois do lançamento do primeiro iPod, o próprio Steve Jobs pôde constatar o sucesso do produto ao andar pelas ruas de Nova York. “O Jobs falava que percebeu que o iPod tinha se tornado algo importante quando viu várias pessoas com fones de ouvido branco. Ninguém fazia fones de ouvido nessa cor. O único que existia era os do iPod”, explica Sérgio.
O primeiro iPod também chamou a atenção dos consumidores por trazer um software dedicado à transferência de músicas. “A Apple fez um pacote completo. O dispositivo tinha um programa [iTunes] que permitia selecionar toda a sua biblioteca, nomear canções e organizá-las do jeito que quisesse”, comenta Rafael Fischmann.
O iTunes ainda desempenhou um papel importante na recepção positiva do iPod porque ele permitia criar várias playlists com certa facilidade, reunindo músicas de artistas diferentes em um só lugar e, consequentemente, eliminando aquela necessidade de ouvir apenas as canções de um determinado álbum.
O engenheiro de qualidade Felipe Cepriano, dono de um iPod classic adquirido em 2008, conta ao Tecnoblog que “naquela época era difícil fazer playlists, mas no iPod sempre foi super tranquilo montá-las, enquanto que nos telefones era um pouquinho mais chato; a parte de gerenciar músicas e achar tudo era muito intuitiva”.
O iPod classic foi bem recebido pelo público, mas como nem tudo são flores, o produto levou mais de três anos para chegar no topo do segmento de reprodutores de música. Em seu primeiro ano nas lojas, apenas 600 mil unidades foram comercializadas.
O crescimento mais lento se deve a basicamente dois fatores: preço alto de US$ 400 e dificuldades financeiras da Apple. “Nessa época a Apple não estava ‘surfando na onda’. Ela sacudiu o mercado com o iMac em 1998 e Steve Jobs tinha mostrado que voltou, mas ela não tinha essa ‘pegada’ de hoje de chegar arrebentando. Ela ainda estava em processo de recuperação”, comenta Rafael. “Ele era um dispositivo caro, como tudo que a Apple faz. Consequentemente, não era acessível para todo mundo”, explica.
O iPod também sofreu com outros problemas, sendo que alguns nem eram relacionados ao próprio dispositivo, mas sim ao período de lançamento. “Tinha muita gente dessa época que ainda apostava em CDs. A internet não era tão rápida quanto hoje, então para baixar um álbum de música, dependendo da sua conexão, demorava até 1 hora”, ressalta Rafael.
É claro que essas dificuldades não desanimaram a Apple, que apresentou evoluções importantes no hardware — muitas delas acontecendo em menos de um ano — e compatibilidade com o sistema operacional Windows já na segunda geração do iPod, lançado em 2002.
A gigante de Cupertino também acertou em cheio quando lançou a iTunes Store em 2003. Em menos de um ano, a loja de músicas da Apple vendeu 25 milhões de canções, algo que ajudou nas vendas do iPod em todo o mundo, já que, naquele momento, ele era o único dispositivo capaz de reproduzi-las devido às restrições de DRM — sigla para Digital Right Management (Gerenciamento de Direitos Digitais em tradução livre).
Em 2004, um novo modelo foi oficializado: o iPod mini. Além de ser mais compacto e trazer 4 GB de armazenamento interno, ele também estava disponível em cinco cores diferentes. Em 2005, a Apple o substituiu pelo iPod nano, com tela colorida e versões com 1, 2 ou 4 GB.
Nesse mesmo ano, outros dois modelos foram lançados: o iPod shuffle, uma alternativa mais acessível sem tela e com 512 MB ou 1 GB de armazenamento, e o iPod Video, que trouxe um display colorido e versões de 30, 60 e 80 GB de disco rígido. Esse iPod foi bem recebido pelo público por oferecer um ótimo desempenho de bateria.
Até chegar ao iPod touch de sétima geração, único que ainda é vendido oficialmente pela Apple, a empresa apresentou novas gerações do iPod nano, shuffle e classic — esse último foi descontinuado em 2014 com uma capacidade interna recorde de 160 GB de HD.
Ou seja, fica bem claro que a evolução do iPod foi rápida e constante. Isso porque a Apple detectou que, além de um bom reprodutor de música, os consumidores também precisavam de versões mais trabalhadas para atender necessidades específicas ou, em muitos casos, caber no seu orçamento.
“A Apple foi criando diferentes modelos a partir de diferentes públicos. O cara que falava ‘parece grande esse iPod’, podia levar o iPod nano que parecia uma caixa de chiclete. Para cada tipo de pessoa a Apple criou um iPod que se encaixava dentro da vida dela. Com isso, ela conseguiu agradar muita gente”, comenta Sérgio.
As mudanças feitas pelo iPod permanecem até hoje. Esse dispositivo da Apple foi um dos principais responsáveis pela digitalização das músicas. “Se você olhar o gráfico de vendas de CDs e outras mídias físicas na época que o iPod foi lançado, é possível notar uma queda significativa, que já vinha acontecendo com a chegada do próprio Napster”, explica Rafael.
O lançamento da iTunes Store também contribuiu bastante para que as músicas fossem digitalizadas e deixassem de ser algo acessível apenas via CD. “No começo você precisava pegar um CD, colocar no computador, importar as músicas desejadas para o iTunes e só então passar para o iPod. Com a iTunes Store, tudo ficou mais fácil”, diz Rafael.
O iPod ainda trouxe mudanças na forma com que as pessoas escutam músicas. Afinal, antes desse dispositivo, você costumava reproduzir as canções de um determinado artista ou banda utilizando um CD específico. Mas após a digitalização impulsionada pelo gadget da Apple, os consumidores podiam ouvir músicas de diversos gêneros de maneira aleatória, eliminando a necessidade de trocar de CD. Além de ter um modo shuffle, o iPod ainda entregava sugestões e playlists, recursos que hoje são encontrados em serviços de streaming de música, por exemplo.
A chegada do iPod também impactou o mercado de música quanto à compra de álbuns. Naquela época, muitas pessoas precisavam adquirir um CD inteiro apenas para ouvir uma ou duas canções de uma artista/banda. Após o iPod e a iTunes Store, esse cenário mudou completamente. “Com a iTunes Store você tinha as músicas que queria, não precisava comprar o álbum inteiro. Bastava comprar uma música, que custava US$ 0.99, para ouvi-la na hora”, comenta Sérgio Miranda.
De maneira geral, é possível dizer que essas e outras características do iPod mudaram bastante o mercado de música. “Se você mexe com quem está ouvindo, você mexe com quem está produzindo, com quem está vendendo e uma coisa puxa a outra”, pontua Rafael Fischmann.
No final dos anos 90, o mercado de reprodutores de música estava em alta, mas nenhum deles entregava uma boa experiência de uso, especialmente por serem pesados, nada portáteis e pouco intuitivos. “Até os tocadores de MP3 da época eram muito limitados. Eles tinham interfaces ruins e você não conseguia achar uma música com facilidade”, comenta Sérgio Miranda.
Analisando esse cenário e vendo um potencial gigantesco, Steve, seus engenheiros e outros profissionais extremamente talentosos, como Tony Fadell, Michael Dhuey e Jon Rubinstein, conseguiram desenvolver um produto que, além de ser leve e compacto, era capaz de armazenar uma quantidade significativa de canções, dispensando a necessidade de carregar uma bolsa cheia de CDs.
Para embarcar na “onda” criada pelo iPod, algumas empresas também apresentaram concorrentes — ou pelo menos tentaram. Em novembro de 2006, a Microsoft lançou o Zune, que trazia 30 GB de armazenamento interno e tela de 3 polegadas.
Alguns anos depois, mais precisamente em 2009, a empresa oficializou o Zune HD por US$ 219,99 (16 GB) e US$ 289,99 (32 GB). Esse modelo apostava em um display touchscreen, Wi-Fi, antena de rádio interna e podia transmitir vídeos em alta definição para uma tela maior. Mas isso tudo não foi suficiente para chamar a atenção do público, já que em 2011 esses reprodutores foram descontinuados.
Outras marcas chegaram a apresentar modelos mais simples, como o MuVo da Creative Labs, mas nenhum mostrou-se um rival de peso ao iPod. Eles até traziam uma tecnologia bacana, que era a memória flash, mas o principal ponto negativo continuava sendo a baixa capacidade de armazenamento. “O que existia na época era dispositivos com 100, 200 ou 300 MB. Muitos pareciam ‘chaveirinhos’ USB para conectar no computador e transferir músicas. Então, como o iPod em si, não tinha nenhum”, explica Sérgio.
Portanto, fica bem claro que, por mais que as empresas tentassem, nenhum reprodutor da época conseguiu entregar algo semelhante às funcionalidades do iPod. Com isso, o dispositivo da Apple foi líder de mercado por muitos anos.
Bem, vamos por partes. Por mais que o iPod não tenha “morrido”, olhando o cenário atual e o posicionamento da Apple quanto a esse produto, acredito que seu fim já foi decretado — mesmo que não de maneira oficial.
Atualmente, apenas o iPod touch de sétima geração é vendido pela empresa. Esse gadget evoluiu muito desde sua primeira geração, apresentada em 2007. Na verdade, ele pode ser considerado uma espécie de “primo” do iPhone, já que, além de reproduzir músicas, é possível navegar pela internet, baixar aplicativos e tirar fotos, por exemplo.
Mas mesmo com essas funções, o avanço tecnológico do iPhone (e dos smartphones) fez com que o iPod perdesse seu principal atrativo. “Ele [iPhone] faz uma série de outras coisas e está com você a todo momento. Então, perdeu-se muito o porquê de alguém não só comprar mas usar o iPod. Você não precisa sair de casa com mais um aparelho para ouvir música se seu smartphone já faz isso”, comenta Rafael.
Para Felipe Cepriano, a evolução da memória flash também foi um dos fatores que “apagaram” o iPod do mercado. “Ficou muito mais fácil você ter um armazenamento maior em outros aparelhos. Hoje um cartão de memória de 32 ou 64 GB é bastante comum para quem faz questão de ter um espaço maior para guardar suas músicas. Os iPhones, por exemplo, vão até 512 GB, uma capacidade que nenhum iPod chegou”, explica.
Além dessas evoluções, é possível dizer que as plataformas de streaming de música também conseguiram “afundar” o iPod. “Esses serviços tornaram as vantagens que o iPod tinha de ter uma biblioteca enorme acessíveis a todo mundo. Hoje as pessoas podem ouvir uma música diferente na mesma hora e em qualquer lugar, sem precisar comprar um álbum antes”, conclui Felipe.
De acordo com rumores recentes, a Apple pretende oficializar uma nova versão do iPod. Se isso for verdade, para que esse dispositivo seja um sucesso em vendas e chame a atenção do público como era antigamente, a empresa terá que mostrar um atrativo realmente interessante que convença os consumidores a não comprar um iPhone de entrada por US$ 300/400 que, além de reproduzir músicas, oferece muitas outras funções.
O fato é que o iPod ainda é vendido pela Apple. No Brasil, a sétima geração do touch pode ser adquirida em versões de 32 GB, 128 GB ou 256 GB, com preços de R$ 1.699, R$ 2.499 e R$ 3.299, respectivamente. Mas como mencionei anteriormente, muitas pessoas já não veem sentido investir quantias como essas neste dispositivo. Na verdade, no site da marca, a página do iPod sequer é listada no topo, mostrando que nem a própria Apple parece apostar muito no produto.
“Nos primeiros 10 anos, o iPod ainda era significativo. Mas a partir de 2010, 2011, ele perdeu a relevância, deixou de ser tão importante e foi sumindo aos poucos”, comenta Sérgio Miranda.
Analisando tudo isso, fica bem claro que o iPod já não é um dos principais dispositivos da Apple. É possível que a empresa o mantenha no seu catálogo e faça pequenas atualizações apenas para agradar os fãs mais nostálgicos, mas o volume de vendas e a receita gerada certamente não é a mesma dos bons tempos.
No total, a Apple vendeu nada menos que 350 milhões de unidades do iPod desde o primeiro modelo em 2001. Hoje em dia ele não é tão popular, mas seu lançamento foi essencial para alavancar a marca e torná-la uma das maiores empresas de tecnologia do mundo.
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