Quando o medo da tecnologia fala mais alto
A tecnofobia é mais antiga do que se pensa e está mais presente do que nunca
A tecnofobia é mais antiga do que se pensa e está mais presente do que nunca
Talvez você esteja lendo este post em seu smartphone, no caminho para o trabalho. Quando chegar em casa, pode ser que você queira pedir comida via app enquanto escolhe um filme na Netflix. Você resolve dar uma olhadinha no Facebook e vê a notificação de uma festa para amanhã. Essas cenas devem ser rotineiras para você, não? Mas saiba que muita gente tem calafrios só de pensar nessas modernidades. O fenômeno tem até nome: tecnofobia.
Pode parecer cômico essa coisa de pessoas desenvolverem pavor de manusear um smartphone ou ligar um PC. Mas não é. Quem tem tecnofobia vive uma rotina de fugir de tudo o que lhe pareça muito avançado. Além da ansiedade que isso causa, há prejuízos no dia a dia: o indivíduo pode simplesmente não conseguir sacar dinheiro em um caixa eletrônico ou passar um bilhete no bloqueio do metrô, por exemplo. A boa notícia é que, como em praticamente qualquer fobia, há tratamento.
Como o nome indica, a tecnofobia é o medo persistente à tecnologia, explicando de modo rápido. Pessoas que sofrem do problema do ponto de vista patológico geralmente desenvolvem quadros de ansiedade quando têm que confrontar algum artefato tecnológico.
É comum, por exemplo, a pessoa ter medo de quebrar o computador apertando a tecla indevida ou que uma notificação não compreendida no celular indique que ela está fazendo algo errado ali. O temor de ser avaliada por terceiros diante da dificuldade de usar um equipamento — como o caixa eletrônico ou uma maquininha de cartão de crédito — também é frequente.
Essas situações são tão estressantes que, não raramente, a pessoa desenvolve uma forte aversão à dispositivos tecnológicos, chegando a justificar a sua postura com argumentos como “isso é coisa do diabo” ou “a humanidade está assim por causa disso”.
Por incrível que pareça, a tecnofobia não é um fenômeno recente. Ao longo do desenvolvimento das sociedades, toda tecnologia disruptiva apresentou algum efeito temerário. Na agricultura, por exemplo, sempre houver temor em relação à substituição do trabalho humano ou animal por máquinas. O emprego da energia elétrica em polos industriais, cidades e residências também foi cercado de temores.
Algum grau de ansiedade, desconfiança ou resistência a novas tecnologias é normal. Somos programados para ter cuidado com tudo aquilo que é desconhecido. Depois que nos habituamos à ideia, a admiração e o desejo de ter ou usar aquela tecnologia prevalece.
Porém, em muitas pessoas, o temor só se intensifica, levando a um quadro que pode ser caracterizado como tecnofobia. E não há uma só razão para isso. As causas podem envolver fatores culturais, religiosos, sociais, intelectuais, psicológicos, ideológicos e assim por diante.
Calestous Juma, professor de ciência, tecnologia e relações internacionais da Escola Kennedy de Harvard, passou 16 anos estudando a resistência às mudanças tecnológicas ao longo da história. O fruto dessa pesquisa é o livro Innovation and Its Enemies: Why People Resist New Technologies (Inovação e seus inimigos: por que as pessoas resistem às novas tecnologias, em tradução livre), ainda sem versão em português.
Na obra, Juma relata quatro tipos principais de razões (há mais) para a resistência à inovação. O primeiro é a resposta intuitiva à novidade. Para exemplificar, a energia elétrica, quando incomum na sociedade, era vista como uma ameaça séria à vida, até mais que o fogo, cujas formas de controle eram dominadas.
Outro fator são os interesses pessoais, como o medo de perder o emprego para uma máquina ou de um tipo de produto parar de ser vendido por conta do surgimento de outro. Aqui, a resistência não se deve ao novo, mas à percepção de prejuízo em potencial.
O terceiro é, provavelmente, o que mais se manifesta nos dias atuais: os desafios intelectuais. Uma pessoa pode ter mais dificuldade para dominar um novo artefato ou a tecnologia pode ser empregada de forma tão intensa que ela é tida como uma afronta à natureza: uma linha de produção que só tem robôs, por exemplo, pode transmitir uma ideia de “desumanização”.
Por fim, há o fator comportamental: um modelo de negócio que muda a forma como lidamos como determinadas situações cotidianas pode ser entendido como uma ameaça. Exemplificando, muita gente questiona a segurança do uso do celular para pagar contas em detrimento de fazê-lo no caixa do banco.
Note que há legitimidade em todos os argumentos. Isso é bom: toda tecnologia pode ter seu lado ruim, logo, os questionamentos são importantes para que haja razoabilidade, equilíbrio e segurança na sua adoção. Problemas surgem quando, independente do motivo, não existe abertura para discussão ou estudo desses aspectos. Essa resistência pode acabar levando a um quadro de tecnofobia.
A informação é o melhor remédio para qualquer comportamento que se caracterize como tecnofobia. Se uma pessoa procurar entender os benefícios das tecnologias que ela repele, terá mais facilidade para aceitá-la: ela deixará de enxergar ali uma ameaça ou afronta. Como consequência, ela também terá mais disposição para aprender a usar a novidade.
Nessas horas, parentes, amigos e pessoas próximas têm papel crucial. É comum que indivíduos de mais idade, por exemplo, tenham dificuldades para assimilar tecnologias novas, mas isso não quer dizer que eles sofrem de deficiência intelectual ou que já não consigam aprender. Provavelmente, eles só precisam de mais tempo. A velocidade com que tecnologias disruptivas se apresentam é mais intensa atualmente. Para muita gente, simplesmente é difícil acompanhar esse ritmo.
Paciência, portanto, é essencial. Explicar com calma e repetir a informação várias vezes, se necessário, pode fazer uma pessoa idosa ou menos instruída se sentir confortável para aprender a usar o celular ou o controle remoto da TV nova. Também é importante ter paciência com pessoas que demoram mais para usar o caixa eletrônico, digitar a senha do cartão no caixa do mercado, passar pelo bloqueio do metrô, enfim.
Eu tenho um vizinho idoso que tinha verdadeiro pavor de usar cartão de débito ou crédito. Ele usou cheques a vida toda, mas é cada vez menor o número de lojas que aceitam essa forma de pagamento, o que o deixava frequentemente aborrecido.
Quando expliquei as razões para o cartão ser mais seguro, ele me revelou o medo de inserir o objeto de maneira errada na maquininha ou de apertar um botão errado. Então, eu o orientei a digitar a senha pausadamente e, se for o caso, pedir que a pessoa no caixa insira o cartão na máquina. Deu certo. Hoje, ele usa cartão numa boa. Às vezes uma simples conversa é suficiente.
Mas, diante da percepção de que não é possível escapar do uso de determinado equipamento, muita gente pode apresentar palpitações, tontura, irritabilidade, respiração ofegante, entre outros. Sinais clássicos de ansiedade. Para esses casos, ajuda especializada pode ser o mais indicado: há terapias para isso, como as que expõem a pessoa gradualmente a objetos e sistemas modernos para ajudá-la a perder o medo da tecnologia.
Desenvolvedores, designers e afins também podem fazer a sua parte, criando páginas, aplicativos e aparelhos mais intuitivos.
O assunto só não pode ser tratado com desdém. A tecnofobia, nas suas mais diversas variedades, é um forte mecanismo de exclusão social. Pense no quão limitada pode ser a vida de uma pessoa que não consegue sacar dinheiro em um terminal, se candidatar a um emprego (muitas empresas só aceitam currículos pela internet), operar uma máquina nova no trabalho, ligar para o filho via celular e assim por diante.
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