Tinha um game sendo feito, então chegou um vírus

Como a pandemia afetou, ou não, o desenvolvimento de jogos no Brasil? Quatro relatos distintos mostram o cenário

Felipe Vinha
Por
• Atualizado há 11 meses
Games adiados e problemas durante a pandemia (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)
Games adiados e problemas durante a pandemia (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Gotham Knights, Hogwarts Legacy, LEGO Star Wars e Far Cry 6 são jogos que têm algo em comum além de serem, claro, videogames aguardados pelo público. Todos foram adiados enquanto a pandemia da COVID-19 ocorre pelo mundo, em decorrência de fatores impostos pelo isolamento social e as dificuldades que isso apresenta ao desenvolvimento – e ainda mais: os quatro títulos são produções de grandes estúdios.

Empresas como Warner e Ubisoft estão acostumadas com produções em escala colossal, que normalmente são delegadas aos seus estúdios contratados. Mas são companhias com grande orçamento, vasta experiência, apoio da indústria e fãs, entre outros detalhes favoráveis. Mas como ficaria uma empresa que não tem quase nada disso em seu favor? Por exemplo, estúdios de games brasileiros, em sua maioria.

Me deparei com o questionamento neste quase um ano e meio de pandemia. Conforme noticiava um adiamento ou outro no Tecnoblog, pensava imediatamente sobre como pequenos e médios devs nacionais estão se virando com tudo o que está acontecendo. O questionamento fica ainda mais intrigante se pararmos para pensar que o mundo “está se arrumando, enquanto o Brasil ainda encara vacinação defasada e zero previsão para qualquer normalidade.

Uma das promessas pra 2021, Gotham Knights foi adiado por conta do vírus (Imagem: Divulgação/Warner)
Uma das promessas pra 2021, Gotham Knights foi adiado por conta do vírus (Imagem: Divulgação/Warner)

Foi pensando neste cenário que resolvi ir atrás de algumas histórias para contar por aqui. Desenvolver games não é fácil em lugar nenhum do mundo, mas no Brasil temos algumas camadas extras de dificuldade, ainda que existam incentivos.

Tinha um game sendo feito e aí veio um vírus. E a Umbrella Corporation não tem nada com isso dessa vez.

Games no Brasil em 2020

Sabemos que a pandemia fez crescer o hábito de consumo de conteúdo digital e entretenimento interativo, em especial os jogos. Apesar de termos um dólar alto mesmo antes da calamidade global, o mercado por aqui vinha aquecido, com lançamentos nacionais dublados, eventos anuais de grande porte e até pessoas importantes do cenário passando pelo país para deixar sua marca, interagir com o público e dar palestras.

Um estudo publicado pela operadora de cartões Visa informou que transações em plataformas e consoles de jogos eletrônicos aumentaram em 140% em 2020, em relação ao mesmo período em 2019. Já a HyperX chegou a relatar que a procura por periféricos, como mouse, teclado ou headset gamer, cresceu em 50% por aqui.

Isso foi também reflexo no restante do mundo. Lá no início, estávamos todos “no mesmo barco”. Vários países não sabiam como conter a pandemia e o isolamento social imperou em boa parte dos territórios entre março e abril, principalmente, quando a situação parecia mais aterradora e fora de controle.

O resultado natural foi ter mais pessoas em casa jogando e jogando muito. Animal Crossing: New Horizons, por exemplo, foi lançado no Nintendo Switch logo que a pandemia se instalou, em 20 de março, e foi o responsável por um dos melhores marços da empresa, calculando o dobro de vendas em hardware em 2020 em relação ao ano anterior – de acordo com o NPD Group.

Animal Crossing foi um dos sucessos durante a pandemia (Imagem: Divulgação/Nintendo)
Animal Crossing foi um dos sucessos durante a pandemia (Imagem: Divulgação/Nintendo)

Pelo mundo, jogos de celular também dominaram e ganharam terreno. No Brasil um dos grandes exemplos é o Free Fire, capaz de rodar mesmo em aparelhos mais modestos – em abril de 2020, o jogo de Battle Royale teve um incremento de 113,2% em sua receita, somando US$ 369,7 milhões acumulados no primeiro trimestre daquele ano, contra US$ 173,4 milhões do anterior.

Tantos números e cifras para mostrar que, sim, o mercado de games vai muito bem, obrigado, a despeito da pandemia. Chega a ser um contraste bem grande com outra áreas e realidades, que reduziram cargos e posições de trabalho, reforçando a recessão que começou no primeiro trimestre de 2020.

Mas como ficam os produtores brasileiros neste cenário? Deu bom ou deu ruim? Acompanhe quatro histórias, neste jogo em quatro fases.

Fase 1: O acaso às vezes ajuda

A Dumativa é uma empresa carioca especializada em desenvolvimento de games com uma pegada rítmica. Foi em 2016 que conseguiram destaque nacional ao lançar A Lenda do Herói, jogo co-criado pelos Irmãos Castro, inspirado por vídeos que os dois publicavam em seu canal no YouTube. Já naquela época a empresa mostrava o potencial que tinha nas mãos, ao mesclar jogos de videogame e música, mas não de maneira óbvia.

Antes da pandemia, a produtora tinha um escritório no Centro do Rio de Janeiro, bairro que reúne enorme concentração comercial e que respirava energia e agitação ao longo da semana, fora do cenário pandêmico. Hoje, todo o time trabalha de casa e, segundo Julia Teixeira, diretora de marketing da Dumativa, o plano é manter assim mesmo após tudo “voltar ao normal”.

Trabalho remoto funcionou para o Dumativa e devem manter assim (Imagem: Reprodução)
Trabalho remoto funcionou para o Dumativa e devem manter assim (Imagem: Reprodução)

“Pra Dumativa não foi um grande choque. A gente já tinha um programador que não mora no Rio de Janeiro, por exemplo, então trabalhar remoto não é uma surpresa. Por mais que a gente não esperasse, já tínhamos esse conhecimento”, contou.

Teixeira explicou que algumas pequenas mudanças foram feitas. Delimitaram horário permitido para falar de trabalho, para ficar disponível no ambiente virtual criado no Discord e em quais oportunidades as pessoas trabalhavam ou descansavam. Ainda segundo ela, a área mais impactada, contudo, foi justamente a musical.

“Somos focados em música e é um trabalho complicado de fazer via distância. Antes a gente juntava umas quatro ou cinco pessoas e fazíamos as gravações, fazíamos tudo de uma vez, num só dia. Agora a gente precisa passar por um processo de biossegurança, usar máscara, ter menos pessoas no estúdio. Fazemos o necessário, em vez de tudo de uma vez”, adicionou.

Mesmo assim, isso não foi o suficiente para derrubar a Dumativa. Hoje a produtora carioca conta com 14 pessoas na equipe. Ao longo da pandemia, apenas um profissional foi dispensado, mas não por questões que envolviam a situação mundial. “Não tivemos uma situação ruim, tivemos alguma dificuldade financeira no início da pandemia, mudança nunca é fácil, por qualquer questão, mas hoje estamos numa posição boa”, garantiu Júlia Teixeira.

Reflexo, claro, dos planos atuais e futuros da empresa. Além de novas versões de A Lenda do Herói e Shieldmaiden, outro de seus jogos já lançados, a Dumativa é a responsável por Ordem Paranormal: Enigma do Medo, jogo inspirado pelos RPGs do youtuber Cellbit, que fez enorme sucesso em financiamento coletivo em 2020.

Em poucos dias, Ordem Paranormal: Enigma do Medo arrecadou 846% do que pretendia para ser produzido, somando mais de R$ 4 milhões em apoio de fãs. “Como estúdio, nunca estamos em uma situação muito boa, temos sempre que correr atrás de novos projetos, coisa nova para fazer, então o Ordem meio que chegou num momento muito bom”, disse Teixeira.

Ordem Paranormal: Enigma do Medo surgiu durante a pandemia para o Dumativa (Imagem: Repdrodução)
Ordem Paranormal: Enigma do Medo surgiu durante a pandemia para o Dumativa (Imagem: Repdrodução)

Júlia não abre números, mas de acordo com a própria página do financiamento coletivo no Catarse, 50% do valor somado nos apoios vai para “custos de equipe”, então dá para imaginar que a Dumativa teve uma boa ajuda deste fenômeno do RPG para se manter firme durante o tempo de tempestade.

Fase 2: Manaus no olho da tempestade

Janeiro e fevereiro de 2021 foram os piores meses da pandemia para moradores de Manaus, no Amazonas. Crise profunda de saúde, agravada por problemas externos e a má gestão pública, fez com que hospitais ficassem sem oxigênio e todo o sistema público entrasse em colapso completo. Não fosse a ajuda de terceiros, incluindo celebridades e governos vizinhos, o cenário poderia ter ficado ainda pior.

Foi no meio desse furacão que uma pequena equipe de desenvolvedores iniciantes tentou, e conseguiu, conquistar um sonho com seu primeiro – e por enquanto único – jogo de computador.

O Do Not Disturb é um game 2D de terror que se passa em cenários baseados em localidades da cidade de Manaus, que são famosos por terem relatos sobre aparições sobrenaturais, o jogo tem como foco sua narrativa, centrada em criaturas oriundas de Lendas Urbanas e Mitos da região.

A produção é do estúdio Hollow Harpy, que se formou com pessoas que já se conheciam, mas que jamais se viram pessoalmente enquanto o game era desenvolvido. “O Hollow começou em outubro de 2020, quando participamos do evento Game Jam Plus. Começamos com 10 pessoas, sendo nove de Manaus e uma pessoa do Canadá”, contou Isabelly Rohana, produtora e desenvolvedora Unity, de 26 anos.

O Hollow Harpy ao vencer o Game Jam Plus 2020 (Imagem: Reprodução)
O Hollow Harpy ao vencer o Game Jam Plus 2020 (Imagem: Reprodução)

Do Not Disturb nasceu como o projeto principal para participar do Game Jam, uma espécie de maratona de programação que pode durar dias ou meses, com incentivos e premiações aos vencedores. Não por um acaso, o game rendeu o primeiro lugar ao estúdio, que levou para casa prêmio em dinheiro e outros benefícios, como licença do software Unity para programar jogos e a chance de angariar investidores para tornar o sonho realidade.

Mas não foi fácil, claro.

“Algumas pessoas que iniciaram com a gente em outubro não puderam continuar por questões familiares, logística, impedimentos, tudo por causa da pandemia. A gente foi muito afetado neste sentido, fora a questão psicológica”, adicionou a programadora. Além de dar conta dos “trabalhos titulares”, ainda era necessário continuar com a produção do game, que era um “hobby sério”.

De acordo com Rohana, a produção dentro do Hollow Harpy chegou a parar por duas semanas, no ápice da pandemia em Manaus, justamente entre janeiro e fevereiro, enquanto eles ainda precisavam terminar o projeto para apresentar nas fases seguintes do Game Jam Plus. “Não tava dando. Na época da falta de oxigênio foi um caos geral aqui em Manaus”, lembrou.

Mas, passado o sufoco, ainda que a pandemia não tenha terminado, o Hollow Harpy seguiu adiante e conquistou não apenas a primeira colocação mas frutos que vieram para seus integrantes. Davi Bennier, por exemplo, é um dos game designers de Do Not Disturb e conseguiu vaga em uma empresa de jogos por conta do destaque obtido, aos 25 anos.

Para Davi e Isabelly, apesar de todos os pesares, a colaboração entre a equipe foi fundamental para o sucesso, mesmo sem recursos e apenas com a vontade e ferramentas que estavam à disposição. “A comunicação da nossa equipe foi muito importante. A gente trabalhou 100% remoto, com pessoas que acabamos de conhecer. Ter essa comunicação foi fundamental, ter uma liderança na equipe, falar com as pessoas, ver onde podia melhorar”, apontou Bennier.

Agora a missão do Hollow Harpy é aumentar o terreno conquistado e se tornar referência no mercado, posição que um dia já foi do estúdio Black River, também de Manaus, mas que infelizmente encerrou suas atividades.

Fase 3: A nova geração na pandemia

Era o início da pandemia quando o Diorama Digital Studio, de Recife, colaborava com o desenvolvimento de Returnal, game exclusivo do PS5, que foi lançado em abril de 2021 na nova geração da Sony. Everaldo Neto, um dos fundadores e também gerentes da equipe, contou que a experiência de encarar a pandemia junto ao trabalho remoto trouxe alguns desafios, em especial envolvendo confidencialidade.

O Diorama foi fundado em 2015 e, de lá para cá, acumula experiência e confiança entre diversos estúdios por todo o mundo, graças a trabalhos bem desenvolvidos e seguindo à risca protocolos confidenciais para não deixar escapar surpresas a respeito de grandes projetos. Eles sempre colaboram com outras empresas, gringas, em projetos de grande expressão.

Foi assim que trabalharam em Elder Scrolls Online, Just Cause 4 e Horizon Zero Dawn. Durante a pandemia, inclusive, chegaram a se envolver no lançamento de outros três conteúdos bem relevantes, além do já citado Returnal – DLCs de Borderlands 3, Predator: Hunting Grounds e Override 2 Super Mech League.

“Sempre fomos um estúdio acostumado a trabalhar in loco. Nunca tivemos cultura de trabalho remoto, por conta da natureza do que a gente faz, os termos de sigilo que assinamos. A gente não podia contratar nem freela externo, pois essa pessoa não ia produzir dentro do estúdio, tem nomes e sigilos dos projetos que não podem vazar”, disse Neto.

Exclusivo de PS5, Returnal teve colaboração de estúdio brasileiro durante a pandemia (Imagem: Divulgação/Sony)
Exclusivo de PS5, Returnal teve colaboração de estúdio brasileiro durante a pandemia (Imagem: Divulgação/Sony)

O problema é que, com a pandemia, e o isolamento social, não houve opção. O lado “positivo” é que as empresas parceiras e que já estavam acostumadas a trabalhar com o Diorama aceitaram afrouxar alguns destes protocolos de sigilo e permitir o trabalho ser realizado fora do estúdio, via remoto. “Muitos estúdios não abriam essa concessão, mas foi uma coisa nova pra todo mundo, tiveram que abrir”, complementou o co-fundador.

Everaldo Neto também disse que a empresa foi bastante responsável e se adiantou às notícias, instaurando o “lockdown” antes mesmo de qualquer isolamento ser decretado por governos. “Assim que vimos que as coisas estavam começando a sair do contexto da China e a ganhar status de pandemia, começamos a pensar em trabalhar remoto. Queríamos proteger a nossa gente, muita gente que trabalha aqui tem seus pais idosos e etc”, adicionou.

O esforço parece ter dado frutos. Em março o Diorama contava com cerca de 20 pessoas – só nos créditos de Returnal temos nada menos que 15 envolvidos –, enquanto hoje em dia eles estão em quase 60, agora com pessoas de todo o Brasil: São Paulo, Goiás, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Manaus, entre outros.

Mas Everaldo contou que o estúdio ainda existe, fisicamente, e que pretende retomar as atividades presenciais assim que a situação da pandemia estiver sob controle no Brasil. Desde março de 2020 a empresa mantém o isolamento total entre funcionários e assim permaneceu. Apenas os sócios se reúnem na sede, eventualmente, para resolver demandas pontuais.

Para o futuro a empresa também espera manter o bom cenário que conquistou com os anos e que não foi afetado durante a pandemia, nem mesmo em termos financeiros. “De um ano pra cá tivemos um crescimento absurdos, em projetos, em demanda de entretenimento. Nossa área foi privilegiada com essa crise, enquanto outras simplesmente foram devastadas. Estamos tentando fazer por merecer este privilégio”, disse Everaldo Neto.

E parece que estão, mesmo! Ao final da conversa o executivo contou ainda que uma das novidades que a pandemia trouxe à empresa foi a contratação de uma psicóloga, voltada para tratar da saúde mental de seus funcionários. “Era algo que a gente não tinha e tá sendo uma experiência bem legal. Foi um negócio que mudou muito pra melhor”, finalizou.

Diorama investiu em saúde mental para seus funcionários (Imagem: Reprodução)
Diorama investiu em saúde mental para seus funcionários (Imagem: Reprodução)

Fase 4: A pandemia como personagem

Um exemplo inusitado de como a pandemia impactou o desenvolvimento de jogos no Brasil vem de uma produtora novata do eixo Rio-São Paulo. O BrainDead Broccoli é um estúdio formado durante a pandemia e que tem um jogo em desenvolvimento… Sobre a pandemia! Ou quase isso.

Composto por seis pessoas, metade no RJ, metade em SP, o BrainDead foi criado no final de 2020, depois que o desenvolvimento de Punhos de Repúdio começou. Já falei sobre esse jogo por aqui, em uma notícia sobre seu financiamento coletivo, mas agora resolvi me aprofundar e conhecer mais de quem está por trás do projeto, já que um game desta natureza não poderia ficar de fora deste artigo.

E foi o que fiz quando falei com seus responsáveis, em especial Kainan Lacerda, de 30 anos, que é um dos fundadores e roteirista de Punhos de Repúdio. “Eu nunca tinha trabalhado com jogos antes, como roteirista e animador, então tudo começou como um experimento. Certa vez falei com o Ulisses [Davila, programador e produtor] sobre as notícias que vi, sobre pessoas saindo pra beber na pandemia, sem usar máscara. Fiz esse pitch pra ele, pra fazer um beat’em up, depois foram entrando as outras pessoas no projeto e começamos a criar algo mais formal”, contou Lacerda.

Punhos de Repúdio: bata em quem não usa máscara (Imagem: Reprodução)
Punhos de Repúdio: bata em quem não usa máscara (Imagem: Reprodução)

Punhos de Repúdio tem como premissa combater pessoas que estão nas ruas e que não usam máscaras durante uma “pandemia fictícia”, ainda que totalmente inspirada pelo cenário atual no Brasil e no mundo. Segundo a sinopse, a pandemia está “sendo ignorada por fanáticos que não acreditam que a doença é real, fazendo com que a protagonista Laura, uma cidadã comum adequadamente protegida com luvas e máscara, lide com esses fanáticos e resolva a situação com a força dos próprios punhos”.

Há quem diga que se trata de “ódio do bem” ou “hipocrisia”, mas a equipe sabe onde está se metendo e consegue lidar com as críticas. “Tem dias que me ofendo mais do que outros, com os comentários”, diz Luiza Bartolette, social media da BrainDead. “As pessoas têm mania de traçar falsos paralelos, fazer comparações absurdas, mas no geral não me ofendo. A crítica que mais nos preocupou foi de alguém que reclamou do FPS [Taxa de quadros por segundo] do game e rolaram comentários pesadíssimos, mas conseguimos contornar”, complementou.

Ainda segundo Luiza, há quem tenha sido eleitor do atual governo brasileiro, com posições claras a respeito de isolamento social, mas que apoiou o jogo. “É engraçado, tem muita gente que fala que não concorda com as nossas ideias, mas diz que tecnicamente é um jogo muito bom”, complementou.

No momento em que este texto é finalizado, Punhos de Repúdio já somou mais de 810% do necessário para ser financiado, com total atual de R$ 40 mil. O game já parece ser um sucesso antes mesmo de ser lançado, pois há um mês ele estava com R$ 20 mil arrecadados, dobrando este número no período – e ainda restam 10 dias para a campanha terminar.

Financiamento coletivo de Punhos está com bons números (Imagem: Reprodução)
Financiamento coletivo de Punhos está com bons números (Imagem: Reprodução)

Para o futuro, o estúdio planeja continuar trabalhando no “Punhos”, que sai até o final do ano, trazendo atualizações e possíveis expansões. Depois disso, só o tempo dirá. “O game sai primeiro pra PC, depois PS4, Mac e outras plataformas. Por enquanto estamos focados no Punhos. Tem umas outras ideias rolando, mas que precisariam de mais tempo”, apontou Kainan.

Os produtores também dizem que têm participado de eventos de incentivo e fomento da indústria de games no Brasil, como SBGames e BIG Festival, buscando investimentos ou possíveis parcerias, participando de rodadas de negócios e acumulando experiência, mas no cenário limitado de pandemia, onde tudo acontece no ambiente virtual.

E por falar nisso…

Incentivos e o que se pode fazer

O Brasil é um grande celeiro de produtores de games. Em cenários de crise, pode ser uma boa alternativa para quem quer incrementar negócios – mesmo fora da área de quem produz, falo sobre demanda, de empresas que querem encomendar jogos para uma propaganda ou simplesmente lançar algum produto interativo.

Felizmente, eventos existem por aqui já há alguns anos e, neste cenário pandêmico, tem sido cada vez mais importantes. Por outro lado, não são realizados presencialmente, contam com uma série de limitações por conta do ambiente virtual, mas ainda conseguem bons resultados.

O próprio BIG Festival, citado pelo BrainDead, é um bom exemplo. Realizado anualmente e com edições em São Paulo e Rio de Janeiro, o BIG deste ano foi feito totalmente no virtual, assim como em 2020, ainda que tenha sido bem menor e mais contido naquela ocasião.

BIG 2021 foi virtual e com ambientes explorável (Imagem: Reprodução)
BIG 2021 foi virtual e com ambientes explorável (Imagem: Reprodução)

“Ano passado fizemos online mas só a parte de negócios, optamos não fazer um festival. Não tinha jogo pra ser mostrado, foi um número limitado de palestras e rodada de negócios mesmo”, me contou Gustavo Steinberg, diretor geral do festival.

Ainda de acordo com Steinberg, o foco do evento é ampliar a atividade no Brasil e fortalecer a indústria, essencialmente neste período de pandemia. Empresas de todo o mundo sabem que é nele que acontece a maior exposição do desenvolvedor brasileiro, assim como em algumas feiras gringas, mas sem dividir espaço com estúdios internacionais – o que é ótimo.

Gustavo Steinberg disse também que o BIG 2021 pode ser considerado um sucesso justamente por conta destas empresas. Neste ano foram 545, enquanto o maior recorde da história do festival não passava de 450. “O mundo vem acordando progressivamente para a importância da América Latina, principalmente para o Brasil, como hub de desenvolvimento de jogos. Tem muitas empresas consolidadas e nascentes, com talentos bastante interessantes, a capacidade de desenvolvimento é crescente”, destacou.

Duas coisas corroboram facilmente para o argumento. A primeira delas é que, quando o BIG Festival nasceu, em 2012, tínhamos pouco mais de 20 produtoras no Brasil. Hoje este número passa dos 500, segundo o próprio organizador. Outra é que você leu, neste texto, exemplos de empresas grandes e pequenas, algumas nascentes, que já estão fazendo algum barulho por aí.

Mas neste cenário difícil, onde algumas empresas ainda passam grandes desafios, o que falta de incentivo, além da participação em eventos-chave? Maior apoio do Governo? Da iniciativa privada? “Sim e sim”, respondeu Steinberg. “Havia uma expectativa muito grande por parte do Governo. Antigamente a gente esperava investimentos por parte da Ancine, do BNDS, mas muita coisa parou. É um setor muito forte, com potencial de crescimento no Brasil. O investimento privado tá começando a acordar pra essa área, mas o que está acontecendo é a entrada de players estrangeiros, chineses, russos, europeus, o que é uma ‘pena’, pois poderia ser capital nacional, teríamos mais a ganhar”, explicou o organizador.

Uma das apresentações do BIG, que contou com presença de Resident Evil Village (Imagem: Reprodução)
Uma das apresentações do BIG, que contou com presença de Resident Evil Village (Imagem: Reprodução)

Ainda que estes problemas tenham surgido, e se intensificado com a pandemia, alguns exemplos mostram que há saída. Eventos como BIG Festival, Game Jam Plus, SBGames e até a Brasil Game Show possuem papeis importantes neste incentivo contínuo – e sabem que não podem parar, mesmo com tudo que acontece.

O Brasil dos games na pandemia segue com exemplos diversos e que podem mostrar que há saídas criativas, ousadas e outras que envolvem um bom planejamento, que podem render bons frutos para o dia de amanhã, já que nunca se sabe o que vem por aí e nem sempre temos um “Continue” disponível para arriscar.

Receba mais sobre Brasil na sua caixa de entrada

* ao se inscrever você aceita a nossa política de privacidade
Newsletter
Felipe Vinha

Felipe Vinha

Ex-autor

Felipe Vinha é jornalista com formação técnica em Informática. Já cobriu grandes eventos relacionados a jogos, como a E3, BlizzCon e finais mundiais de League of Legends. Em 2021, ganhou o Prêmio Microinfluenciadores Digitais na categoria entretenimento. Foi autor no Tecnoblog entre 2020 e 2022, escrevendo principalmente sobre games e entretenimento. Passou pelos principais veículos do ramo, e também é apresentador especializado em cultura pop.

Canal Exclusivo

Relacionados