Dados de localização “anonimizados” são um mito

12 milhões de celulares têm histórico de localização revelado. Dados eram anonimizados, mas foi possível identificar indivíduos

Paulo Higa
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• Atualizado há 2 anos e 9 meses
Olhando assim, é fácil achar que você é só um pontinho num mapa
Olhando assim, é fácil achar que você é só um pontinho num mapa

A gente sabe que é muito difícil não ser rastreado na internet, mas uma extensa reportagem do New York Times coloca a nossa privacidade em xeque outra vez: o jornal obteve um banco de dados com 50 bilhões de localizações de 12 milhões de cidadãos. A matéria também defende que a anonimização de dados como esses é impossível: eles conseguiram até mesmo identificar uma pessoa e os locais que ela mais frequenta.

O New York Times acessou informações fornecidas por “fontes que pediram para permanecer anônimas porque elas não estavam autorizadas a compartilhá-las e poderiam sofrer punições severas por isso”. Os arquivos contém dados anonimizados com as localizações de GPS (latitude e longitude) obtidas de smartphones durante certos meses de 2016 e 2017.

Empresas com discursos pró-privacidade fazem o que chamamos de anonimização: elas guardam a sua localização, termos de busca ou pesquisas por voz, por exemplo, mas de uma forma que a informação em si não esteja diretamente relacionada a um usuário específico. Na teoria, isso evita que uma pessoa seja facilmente rastreada na internet, mesmo que os dados sejam roubados, ou usados indevidamente pela própria empresa.

Mas aqui está o problema: é “absolutamente impossível anonimizar” dados de localização, como defende o pesquisador Paul Ohm ao jornal. A única coisa mais difícil de anonimizar que isso seria, provavelmente, o DNA, segundo Ohm.

Isso porque os locais que você frequenta dizem muito sobre quem você é, ainda que a informação de localização no banco de dados não esteja diretamente ligada a um usuário. Por meio de informações como endereços residenciais e os horários de cada localização, é possível determinar quem é uma pessoa, onde trabalha e quais são seus hábitos (provavelmente não existe nenhum outro smartphone que faz o trajeto da sua casa até o seu trabalho todos os dias, afinal de contas).

Parece que não diz nada, mas dá para tirar muitas conclusões

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E o jornal conseguiu, com a permissão das pessoas envolvidas, rastrear militares voltando para casa e advogados poderosos voando em jatos particulares com seus respectivos clientes, por exemplo. Uma das pessoas é identificada pelo nome: Mary Millben, uma cantora que se apresentou para três presidentes americanos. Ela era uma das convidadas para um evento na manhã seguinte à posse de Trump e, a partir dessa informação, foi possível obter todo o seu histórico.

Naturalmente, esse tipo de informação pode ser utilizada das mais variadas formas: é possível encontrar casamentos que não estão indo bem, evidências de dependência química, visitas a psiquiatras e outras conclusões mais sensíveis. Para algumas pessoas, a circulação de dados de localização pode representar um inconveniente ou constrangimento, enquanto para outras é até um risco de segurança.

O uso mais óbvio de dados de localização é para direcionamento de publicidade, mas há inúmeras possibilidades, tanto que empresas especializadas em dados chegam a pagar mais de US$ 1 milhão por uma pequena quantidade de informações.

E não há muito o que possamos fazer, já que as leis dos Estados Unidos, onde boa parte dessas companhias está sediada, permitem a venda, troca e negociação dos dados entre qualquer empresa ou órgão. Na prática, é como se o governo obrigasse toda a população a usar um dispositivo que monitorasse sua localização 24 horas por dia. Isso seria um escândalo, mas as pessoas já estão fazendo isso inconscientemente.

Vale a pena ler a matéria completa.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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