Axie Infinity é pirâmide? Por dentro do polêmico jogo com criptomoedas

Funcionando sob um modelo "play to earn", o jogo em blockchain Axie Infinity gera renda, mas as chamadas "escolinhas" são acusadas de serem pirâmides financeiras

Bruno Ignacio
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• Atualizado há 1 ano
Banner promocional de Axie Infinity (Imagem/ Divulgação/ Sky Mavis)
Banner promocional de Axie Infinity (Imagem/ Divulgação/ Sky Mavis)

Axie Infinity é o jogo em blockchain que vem se tornando cada vez mais popular no mundo todo. Através de seu sistema de NFTs (tokens não fungíveis) e que recompensa seus jogadores com criptomoedas, o game já se tornou uma importante parte da renda mensal de milhares de pessoas. Porém, junto à euforia, também vieram as acusações de que o modelo proporciona a aplicação de esquemas de pirâmide financeira: as chamadas “escolinhas” (ou scholarships no inglês).

Axie Infinity é projeto de NFT mais valioso do mercado

Não se trata de um jogo novo, o Axie Infinity foi lançado inicialmente em 2017, mas foi o grande hype sobre as criptomoedas e NFTs ao longo de 2021 que trouxe o game para os noticiários da mídia internacional ao se tornar o projeto de tokens não fungíveis que mais movimenta dinheiro no mercado.

Segundo dados da plataforma de monitoramento CryptoSlam!, o Axie Infinity já contabiliza mais de US$ 2 bilhões em volume de transações de NFTs, com mais de 1,7 milhões de detentores de Axies no mundo todo. Desse montante total, US$ 586 milhões foram transacionados somente nos últimos trinta dias.

Ranking dos projetos de NFT que mais venderam (Imagem: Reprodução/ CryptoSlam!)
Ranking dos projetos de NFT que mais venderam (Imagem: Reprodução/ CryptoSlam!)

Contudo, os NFTs por si só ainda estão longe de representar todo o valor do jogo em blockchain. Segundo os índices do CoinMarketCap, o Axie Infinity Shard (AXS), uma das criptomoedas nativas, possui um valor de mercado de cerca de US$ 3,4 bilhões, enquanto a Smooth Love Potion (SLP), que é gerada aos montes in-game, capitaliza atualmente US$ 140 milhões.

Como funciona o jogo e seu modelo “play to earn”?

O modelo que fez o Axie Infinity decolar nos últimos meses recompensa jogadores com criptomoedas nativas ao realizar missões diárias e competir com outros players, mais especificamente a Smooth Love Potion (SLP). Essas moedas podem então ser convertidas em dólares através de grande corretoras internacionais de ativos digitais, como a Binance. Porém, para se jogar Axie Infinity é necessário fechar um time com ao menos três monstrinhos. Sem eles, não é possível fazer nada dentro do game.

É ai que surge o problema para muitos que querem começar a jogar. Os “Axies”, que são parecidos com Pokémon em muitos aspectos, são tokens não fungíveis e podem custar bem caro. No fechamento desta reportagem, os NFTs mais em conta custavam em média US$ 120 no marketplace do jogo. Assim, o game deixa de ser acessível para muita gente. Para se comprar um time de três monstrinhos considerados “bons” para o sistema competitivo do game, se gasta atualmente algo entre US$ 750 e US$ 1.000.

NFTs mais baratos do marketplace do Axie Infinity (Imagem: Reprodução)
NFTs mais baratos do marketplace do Axie Infinity (Imagem: Reprodução)

Assim surgiu um modelo comercial um tanto curioso: as chamadas “escolinhas (scholarships), um esquema no qual uma organização, empresa, ou até mesmo uma pessoa física empresta três de seus NFTs para alguém que quer começar a jogar, mas não pode bancar o investimento inicial.

Por dentro do Axie Infinity e o modelo de “escolinhas”

O Tecnoblog entrevistou um desses jogadores “escolados” do Axie Infinity. Ele pediu para não ser identificado, pois revelar algumas informações iria contra as políticas da organização que o patrocina.

Gabriel (nome fictício) é brasileiro e se encontra desempregado há meses. Com 23 anos de idade e uma enorme paixão por games, ficou sabendo do Axie Infinity e automaticamente se interessou por sua gameplay que mistura elementos de Pokémon (sua série favorita de jogos) e Hearthstone, o popular jogo de cartas online derivado de World of Warcraft.

Ele explica como funciona o jogo em si, seu sistema “play to earn” e o modelo de empréstimo de Axies que o possibilitou jogar o game.

“Pesquisei sobre o Axie no YouTube e vi tutoriais para conhecer mais sobre o assunto. Um dos vídeos era sobre ‘como montar a sua escolinha’ e ensinava a buscar alunos no Twitter, Discord e Facebook. Descobrindo quais são as principais redes usadas para encontrar uma ‘escolinha’, fiz um perfil e me promovi através delas. Foi quase que instantâneo, algumas pessoas me chamaram para preencher um formulário. No dia seguinte, recebi a mensagem de uma delas informando a minha aprovação junto com os dados da conta com os três axies para eu usar.”

Entretanto, por mais que sua entrada tenha sido rápida e “fácil”, Gabriel destaca que não é tão simples assim encontrar alguém para lhe emprestar monstrinhos no Axie Infinity. Na realidade, se tornou um mercado bem concorrido. Por isso ele buscou organizações internacionais nas redes sociais, uma vez que as escolinhas brasileiras estão com filas gigantescas.

É necessário criar carteiras digitais Ronin e MetaMask para jogar Axie Infinity (Imagem: Reprodução)
É necessário criar carteiras digitais Ronin e MetaMask para jogar Axie Infinity (Imagem: Reprodução)

Como Gabriel está desempregado, conseguir uma renda através de um jogo, algo que pode fazer da sua casa e que ainda lhe traz alguma diversão, foi algo muito benéfico para ele. Se dedicando mais ou menos 8 horas por dia no jogo, o “escolado’ consegue entre R$ 900 e R$ 1.000 por mês na criptomoeda SLP, dependendo da cotação. Para sacar o valor, ele precisa transferir as moedas para uma conta na Binance e converter em dólares.

O player explica com mais detalhes como funciona seu acordo com a organização que o patrocina. Chamada JH Scholars, o grupo administra a seleção de jogadores e os empréstimos através de um servidor no Discord, que já conta com cerca de 130 mil membros.

Gabriel explica como funciona o sistema:

“Há um mínimo de 500 SLP a serem farmados semanalmente, mas o ideal conseguir uma média de ao menos 100 SLP por dia, incluindo finais de semana. Todo mês, os que tiverem melhor desempenho podem ser recompensados com mais Axies na conta, o que aumenta a energia máxima, o tempo de regeneração e te dá mais opções para formar times. Quanto ao pagamento, o combinado é 60% do SLP para o patrocinado e 40% para o ‘manager’. Além disso, você tem que ter no mínimo 1500 SLP para poder realizar um saque. É preciso também ter uma carteira digital Ronin Wallet, que é usada para as transferências.”

O jogador demonstra o quão difícil é farmar esse montante da criptomoeda. “A minha rotina diária tem sido gastar toda a energia no modo “Arena” para conseguir SLP em cada vitória no sistema competitivo, repetir as fases no modo “Aventura” para conseguir 50 SLP, e resgatar a recompensa de 25 SLP das missões diárias”. Com o que o game concede de Smooth Love Potion apenas no modo PvE, Gabriel consegue 75 SLP. O restante ele precisa adquirir através do modo PvP, que, segundo ele, é bem difícil.

Tela inicial do Axie Infinity (Imagem: Reprodução)
Tela inicial do Axie Infinity (Imagem: Reprodução)

O Axie Infinity recompensa SLP aos jogadores por vitória no modo “Arena” de acordo com um sistema de ranking. Assim, um player pode conseguir entre uma e três unidades da criptomoeda por vitória, entre três e seis, seis e sete, e assim por diante, conforme sua colocação aumenta. Porém, cada derrota pode fazer o jogador cair de posição.

Vitórias no modo competitivo do Axie Infinty podem conceder criptomoeda SLP (Imagem: Reprodução)
Vitórias no modo competitivo do Axie Infinty podem conceder criptomoeda SLP (Imagem: Reprodução)

“O jogo te concede 20 de energia por dia. Ela não limita suas atividades, mas quando utilizada, te concede recompensas. No modo “Aventura” ela te dá XP (Experiência) para os Axies, e no modo “Arena” você consegue SLP por vitória”, explica Gabriel.

Missões diárias recompensam SLP no Axie Infinity (Imagem: Reprodução)
Missões diárias recompensam SLP no Axie Infinity (Imagem: Reprodução)

Por que as “escolinhas” são acusadas de serem pirâmides?

No final do mês, Gabriel geralmente consegue mais de 3 mil SLP, montante que é divido com seu “manager”: 60% fica para ele, enquanto os outros 40% ficam com a organização que lhe emprestou os Axies. Para ele, não é um mau negócio, até porque não se está perdendo nada além do tempo dedicado ao game. Como está desempregado, a opção de renda lhe pareceu nada além de vantajosa.

Contudo, os modelos de “escolinhas” chamaram atenção e dividiram opiniões. Trata-se de um terreno muito cinzento e não regulamentado em muitos países. A discussão ainda vai além quando se considera que menores de idade podem estar fazendo parte do esquema. Segundo Gabriel, uma das condições para ser escolado pela sua organização é ser maior de 18 anos, mas isso não é regra para todas que estão atuando.

Por existir alguém, seja um indivíduo ou organização, no topo do esquema, lucrando em cima do trabalho de inúmeros outros jogadores, as acusações de pirâmide financeira, ou esquemas Ponzi, vieram de todos os cantos da internet.

Axie Infinity é acusado de ser pirâmide financeira (Imagem: Junah Rosales/ Pixabay)
Axie Infinity é acusado de ser pirâmide financeira (Imagem: Junah Rosales/ Pixabay)

Gabriel concorda que alguns modelos de “escolinhas” são, de fato, muito ruins para o patrocinado, “quase exploração”. Ele diz que encontrou algumas ofertas que lhe pagavam apenas 30% do SLP gerado, enquanto a organização ficava com 70% do lucro. Mesmo assim, o jogador escolado não acredita que se trata de um esquema de pirâmide, até porque ele não colocou nenhum dinheiro no processo, apenas dedicou seu tempo ocioso.

Segundo a lei brasileira, a prática de pirâmide financeira é crime contra a economia popular (Lei 1.521/51). A legislação define o esquema como aparentemente vantajoso, prometendo rendimentos surreais enquanto atraem novos investidores. No entanto, assim que novos aplicadores param de entrar, o sistema começa a colapsar. Os pagamentos param e quem está no topo ganha com base no dinheiro investido de quem perdeu tudo na base da pirâmide.

A Federal Trade Commission, órgão de defesa do consumidor dos EUA, também diz que esses esquemas oferecem lucros baseados no recrutamento de novos participantes, e não na venda real de algum produto. Em alguns casos até há venda de produtos, mas eles são normalmente usados para ocultar a fraude. Dito isso, o Axie Infinity e os esquemas de escolinhas parecem distantes dessas definições.

Críticos devem “estudar sobre jogos em blockchain”

Para esclarecer o assunto, o Tecnoblog contatou a Yield Guild Games (YGG), organização “play to earn” que reivindica a criação do modelo de “escolinhas no Axie Infinity.

“O jogo Axie Infinity recebeu críticas de que seria uma pirâmide ou esquema ponzi. Claro que não concordamos”, afirmou a organização. A YGG acrescenta que os críticos desse modelo deveriam ler e estudar mais sobre como funcionam os jogos em blockchain.

“Quanto ao modelo de scholarships (escolinhas), é mais como um programa de aluguel em que os ativos geradores de rendimento são compartilhados sob um acordo de divisão de receita”, explica a organização.

YGG promove "escolinhas" de Axie Infinity (Imagem: Divulgação/ Yield Guild Games)
YGG promove “escolinhas” de Axie Infinity (Imagem: Divulgação/ Yield Guild Games)

“É como um motorista de táxi alugando um carro para que possa ganhar dinheiro, ou o proprietário de uma empresa alugando um escritório. Os jogadores podem pedir Axies emprestados para que possam gerar renda. O benefício para os players do Axie Infinity é que eles nem mesmo precisam pagar uma taxa para alugar o ativo gerador de rendimento (ou seja, os NFTs dos Axies). Não há pagamento adiantado e nenhum risco para eles. Eles simplesmente dividem seus ganhos com o proprietário desse ativo.”

Em seu próprio site, a YGG define o que é a “escolinha” oferecida pela organização: “um modelo de participação nos lucros, onde a guilda investe em ativos NFT e os aluga para novos jogadores para que eles possam começar a jogar e ganhar tokens no jogo sem ter que investir nenhum dinheiro adiantado.”

Além disso, a organização “play to earn” afirma que a ideia inicial que culminou na criação desse modelo de empréstimo de Axies foi introduzida pela própria comunidade de jogadores.

O modelo foi se tornando cada vez mais popular e atrativo conforme os preços dos NFTs e das criptomoedas nativas decolavam. “O preço de uma equipe Axie passou de cerca de US$ 5 em meados de 2020, para cerca de US$ 1000 (para ter uma boa equipe) no início de 2021”, explica a YGG.

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Bruno Ignacio

Bruno Ignacio

Ex-autor

Bruno Ignacio é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero. Cobre tecnologia desde 2018 e se especializou na cobertura de criptomoedas e blockchain, após fazer um curso no MIT sobre o assunto. Passou pelo jornal japonês The Asahi Shimbun, onde cobriu política, economia e grandes eventos na América Latina. No Tecnoblog, foi autor entre 2021 e 2022. Já escreveu para o Portal do Bitcoin e nas horas vagas está maratonando Star Wars ou jogando Genshin Impact.

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