O esquecido gênero “galhofa” dos games
"Nem todo game precisa aspirar a ser uma obra prima pra validar a indústria como um todo."
Você já ouviu este argumento diversas vezes: “videogames são, mais do que nunca, uma forma de narrativa assim como cinema ou literatura”. Ou “games podem tratam de assuntos maduros e não podem mais ser dispensados como simples passatempo pra criança”. No geral, este discurso se condensa no já meio clichê “games também podem ser arte”.
Não que eu mesmo não defenda este ponto; já bati nessa tecla diversas vezes aqui no Tecnoblog. Essa “desculpa” de que games são uma forma de arte (que eu chamo de “desculpa” porque invariavelmente essa explicação tem um tom meio defensivo, como se você precisasse justificar seu hobby) tem mérito, na realidade.
Acontece que ela não precisa ser a única forma de descrever videogames. Nem todo game precisa aspirar a ser uma obra prima pra validar a indústria como um todo.
Eu estava pensando nisso quando vi o trailer recente para Lollipop Chainsaw, um novo jogo da inacabável safra de “game de demolição de zumbis em massa”.
Logo de cara, aceitei o jogo pelo que ele se propõe ser. Mergulhei com vontade no absurdismo gratuito: referências a filmes, palavrões em fartura, uma cheerleader estereotípica no papel de Action Girl (trazendo a tiracolo a cabeça decapitada de seu namorado, que mantem-se viva sem grandes explicações, e uma serra elétrica de tamanho descomunal).
Tudo é esculachado no jogo, e é justamente este o seu maior diferencial. Daqui três ou quatro anos ninguém lembrará de Lollipop Chainsaw pelos gráficos, ou gameplay (se é que vão lembrar de qualquer forma). A única característica marcante será o humor zoado. Talvez haja chances de que a protagonista seja imortalizada em inúmeros cosplays vindouros. Tirando isso, arrisco a previsão óbvia de que será um jogo bem esquecível.
É um “game galhofa“, se me permitem o neologismo, um gênero que parece não ter muitos representantes de peso nos últimos anos.
Embora o game galhofa sirva talvez na mão de alguns como um argumento contra a ideia de que videogames são arte, vejo-os como um necessário extremo do espectro. Assim como nem todo filme precisa ser Cidadão Kane, nem todo game precisa ter a direção artística ou a atmosfera soturna de Shadow of the Colossus.
Lembro de alguns games galhofa memoráveis. O meu primeiro contato com esse gênero, se é que posso categorizar isso como um gênero inteiro, foi Boogerman: um jogo com descrição tão ridícula que eu acreditei estar sendo ludibriado pelo meu colega de escola que me apresentou à ideia por trás do jogo. Para os incautos, Boogerman é um jogo de SNES em que o protagonista é um zelador que se transforma num super-herói cujas habilidades especiais envolvem funções fisiológicas e muco de nariz.
Outro jogo que definitivamente merece pertencer ao gênero é o antológico Conker’s Bad Fur Day, para o Nintendo 64. O jogo, que estrela o esquilo Conker (que teve sua estréia como coadjuvante em Diddy Kong Racing), era inicialmente um game de plataforma com visual e temática direcionados às crianças. Os desenvolvedores mudaram de ideia em relação ao jogo, o que causou uma mudança drástica no tom da produção (e atrasou o lançamento do jogo em vários anos. Quando CBFD saiu, em 2001, o Nintendo 64 já estava com o pé na cova).
Mas valeu a pena. O que seria apenas mais um joguinho infantil de plafatorma pro N64 tornou-se um icônico game galhofa: referências a filmes (alguns até relativamente recentes na época, como Matrix, o que é bastante raro num game), humor derivado de funções fisiológicas, e muito palavrão. Era algo bastante estranho de se ver num console da Nintendo, aliás.
Eu sinto falta de mais jogos como esses: games com tom de palhaçada, que não levam nada a sério (especialmente não a si mesmos) e que fazem valer a histeria que alguns grupos às vezes tocam em relação à suposta “má influência dos games”.
Qual o seu game galhofa favorito?