O mouse e o megafone

"Ainda que você tenha 5 seguidores no Twitter, você não está numa mesa de bar."

Bia Kunze
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Imagine-se caminhando por uma praça pública onde circulam cerca de 1.000 pessoas. De megafone em punho, você faz uma declaração racista. O que aconteceria? Excetuando-se a possibilidade da agressão física imediata, dá para fazer um paralelo desta situação com a internet em tempos de redes sociais. Dentre as 1.000 pessoas, um tanto se indignou, outro tanto ignorou, e outra parcela passou a mensagem para frente. Difícil saber o número total de pessoas que acabou recebendo a mensagem, mas foi o suficiente para que a Justiça entrasse em ação.

E quem acha que isso não dá em nada, errou. Recentemente, a estudante de Direito que declarou no Twitter que nordestinos eram lixo e deveriam ser afogados foi processada.

Palavras de uma estudante de Direito

Agora as empresas estão advertindo funcionários que se posicionam nas redes sociais a respeito de assuntos polêmicos, como a Marcha das Vadias, da Maconha, da Liberdade de Expressão, dos ciclistas pelados… Qualquer coisa que quebre o decoro na visão dos gestores. Até mesmo sobre políticos de conduta duvidosa. Semana passada, isso aconteceu com um conhecido meu. O Facebook dele é pessoal, mas uma opinião emitida acerca de um ministro recém-demitido custou-lhe uma advertência da multinacional onde trabalha.

Exagero? Talvez sim, talvez não.

Nunca se falou tanto em liberdade de expressão. Há quem não goste de negros ou gays, e usuários de maconha que se dizem cerceados quando manifestam suas idéias.

De fato, somos livres para dizer o que quisermos. Contudo, vivemos num Estado de Direito, e é justamente para mantermos uma sociedade livre e sadia, prezando o respeito mútuo, que existe o Código Penal. Sua opinião não é cerceada, desde que se saiba fazê-la, sem correr o risco de incitar o ódio ou fazer apologia a substâncias proibidas.

É possível, por exemplo, ser favorável a descriminalização da maconha sem fazer apologia. Vide o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Só que, nas redes sociais, há quem não meça o poder das palavras e pensa que está numa mesa de bar. O pior que se pode acontecer depois de contar uma anedota racista é alguém achar a piada ruim. Nas redes sociais não funciona assim — é esse o erro de muitos internautas novatos.

Não, ainda que você tenha 4 ou 5 seguidores no Twitter, você não está numa mesa de bar. Ou melhor, pode até estar, mas seria o equivalente a subir em cima da mesa com um megafone na mão. Qualquer um pode acessar o seu perfil e ler suas postagens. No fundo, nem o Messenger está a salvo: embora as conversas por mensagens instantâneas sejam privadas, elas podem ser no futuro acessadas mediante liminar judicial. Como as conversas telefônicas.

No meio corporativo, o assunto é ainda mais delicado. Não é preciso explicitamente fazer apologia a um crime para ser demitido por justa causa. Basta posicionar-se a respeito de alguma notícia polêmica. Mas a metáfora do megafone continua valendo. Você circularia pelos corredores da sua empresa dizendo algumas verdades para quem quiser ouvir? Há corporações mais liberais e outras mais conservadoras, porém em ambas um desabafo público pode trazer consequências desagradáveis.

Se você ainda acha que internet é terra de ninguém, precisa rever seus conceitos. É possível abrir blogs e perfis usando pseudônimos para ofender a terceiros ou incitar o crime. Mas anônimo ninguém jamais será. Quem sair da linha pode ser facilmente rastreado, e quando se chegar ao destino final, o autor terá que responder pelos seus atos. Exatamente como seria se você fosse em praça pública portando um megafone… Só que usando uma burca!

Bia Kunze

Ex-colunista

Bia Kunze é consultora e palestrante em tecnologia móvel e novas mídias. Foi colunista no Tecnoblog entre 2009 e 2013, escrevendo sobre temas relacionados a sua área de conhecimento como smartphones e internet. Ela também criou o blog Garota Sem Fio e o podcast PodSemFio. O programa foi um dos vencedores do concurso The Best Of The Blogs, da empresa alemã Deutsche Welle, em 2006.

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