Campeões de League of Legends, brasileiros da CNB falam da rotina de treinos e das dificuldades de ser “eSportista” no Brasil
Como não podia deixar de ser, a Brasil Game Show deste ano também foi palco de uma das emocionantes finais de League of Legends. Numa estrutura gigantesca organizada e montada pelo escritório brasileiro da Riot Games, a última etapa do Desafio Internacional de League of Legends teve um público local de mais de duas mil pessoas e os acessos simultâneos de seu streaming chegaram a 110 mil pessoas online.
A finalíssima, que aconteceu na última segunda-feira (28), foi decidida entre os times paiN e CNB, que já haviam se confrontado algumas vezes antes da edição do Brasil Game Show. Além dos times brasileiros, que também incluiam o Keyd Team e o Kabum e-Sports, competiram nas finais times argentinos, peruanos, colombianos e chilenos. Quem acabou levando – merecidamente – o prêmio máximo, um montante de mais de R$ 30 mil, foram os caras da CNB.
Logo de cara, temos uma problemática: o Brasil está preparado para abraçar os jogadores de eSports como de fato os atletas que são? Após declarações feitas por gente que supostamente deveria entender do que fala, o estigma sobre os esportes eletrônicos ficou um tanto mais pesado.
Num papo com Whesley “Leko”, Murilo “Takeshi”, André “Manajj”, Leonardo “Alocs”, Rodrigo “Draek”, Daniel “Danagorn” e os administradores Kleber e Júnior, todos membros da CNB, o TB descobriu como funciona a rotina de um jogador profissional brasileiro de League of Legends, que é um pouco diferente da vivida pelos profissionais de outros países, onde o jogo é considerado esporte.
Por causa da rotina puxada de treinos, os jogadores, que têm entre 20 e 24 anos, trancaram suas matrículas na faculdade (com exceção de Alocs, que se forma este ano) e hoje se dedicam só ao jogo. Como são moradores de cidades diferentes, os treinos são feitos online, e duram em média 7h por dia.
A carga aumenta perto de campeonatos maiores: nessa época, os jogadores vêm a São Paulo, onde ficam incubados num boot camp em que treinam, diariamente, por dez horas. A concentração só acaba quando voltam ao hotel para dormir. “Nem assim a gente desliga do jogo; às vezes um pergunta se o outro tá dormindo, puxa uma cadeira e começa a discutir estratégia até às 4h da manhã”, disse “Leko”, o tank (classe conhecida como “o cara que apanha pra desviar a atenção do time adversário”) da equipe.
Diferentemente do que costuma acontecer nas equipes internacionais, atualmente a CNB não tem um coach, alguém que fica responsável por traçar novas estratégias e perceber onde estão os erros do time. Segundo “Takeshi”, os seis agora são responsáveis por montar a estratégia do time, que consiste em assistir replays de outros times internacionais e adaptar as técnicas para o perfil de cada jogador. “Cada um é um pouco coach“, explica.
Para chegar à final presencial do campeonato, os times passaram por uma triagem feita pela internet. Assim, todos os níveis de equipe podem competir entre si – o que não é muito saudável para os jogadores do topo, que não enfrentam muitos desafios ao jogar com os mais novos, e nem para os que estão começando, que encontram dificuldades e perdem um pouco do incentivo. Para que isso não aconteça mais, a Riot tem planos de criar um novo sistema para separar os times por níveis, diz Bruno “Bagaço” Vasone, gerente de eSports da empresa no Brasil.
O intuito é pegar a grande “poça” dos competidores e transformar em “pocinhas”, colocando cada liga – e os que nem liga tem ainda – em seu próprio quadrado.
LoL BR no mundo
Há pouco mais de um ano e meio no Brasil, a Riot Games é, hoje, uma das maiores forças dos jogos no país. O sucesso da produtora se dá, aparentemente, pela autonomia que a matriz californiana dá às suas filiais: “nós brincamos que não somos nem filiais, somos franquias”, disse Vasone.
Além de promover e organizar por conta própria os campeonatos e torneios que acontecem por aqui, o escritório tupiniquim da Riot também é responsável por medir a opinião de seu público, observando as tendências que movem os jogadores brasileiros e implantando em League of Legends.
O game com maior número de jogadores ativos no país também traz sua força da comunidade. Desde muito tempo atrás, os brasileiros são mundialmente conhecidos como embaixadores da zoeira, mas, ainda de acordo com Vasone, o estigma não procede. A galera do “gibe muny plz” já está deixando esse comportamento tóxico de lado, salvo algumas exceções que são observadas de perto pelos controladores do jogo.
Caso alguém venha sendo agressivo, agindo fora do padrão saudável do jogo ou mesmo recebendo muitos reports de outros jogadores, os “olheiros” enviarão mensagens de aviso, alertando para o comportamento anormal. “Geralmente isso vem resolvendo bem o problema. As primeiras mensagens são de alertas, afinal o jogador pode estar apenas tendo um dia ruim, ter ido mal na prova, brigado com a namorada. A gente avisa pra que ele se toque. Se não adiantar nem assim, aí é banido, mesmo”, comenta.
No campo da profissionalização dos jogadores, a Riot também se mostra bastante ativa. Leonardo “Alocs” conta que a empresa costuma ficar de olho nos times que estão crescendo e fazer o caminho entre eles e os patrocinadores, apresentando ambos. E essa atenção dada à comunidade é bem abrangente: os encontros feitos por jogadores, apelidados de “Bar Legends”, acabaram virando eventos oficiais e hoje contam com a presença dos rioters, que também ajudam a divulgar essas reuniões.
Aceitação difícil
Mesmo com tanto investimento na área aqui no Brasil, ainda é bem complicado conseguir fazer com que uma parcela da população do país aceite os jogos eletrônicos como esportes. “A diferença entre os jogadores europeus e coreanos é principalmente cultural. Lá fora, existem canais de TV que passam partidas desde 1999”, dizem os membros da CNB. “Aqui, quando a criança nasce, o pai não dá um controle de presente, dá uma bola. Se leva pra passear, não é pra jogar videogame, leva na praia, vai jogar basquete”.
A solução pra isso? “É o tempo”, opina Alocs. “Nos Estados Unidos, o pessoal já passou pela mesma dificuldade que a gente passa aqui, agora. Aqui, League of Legends ainda é visto como jogo de moleque, mas dá pra mudar conforme os times forem crescendo.”
“Hoje já temos as equipes grandes, consolidadas, como a CNB, a paiN e mesmo a Kabum, que o patrocinador apoia desde time de basquete até time de LoL“, diz Draek.
E por consolidadas, diga-se de passagem, entenda: hoje, patrocinadores como Razer, Kingston, Philips e CoolerMaster apoiam e têm contrato assinado com times como a CNB, que, só com League of Legends, arrecadou mais de R$ 80 mil em prêmios só na formação atual, estabelecida desde abril deste ano.
Ainda falta um pouco para que os jogadores atinjam o porte mundial dos temidos coreanos e europeus? Falta. Mas as soluções para estes problemas já estão sendo planejadas, também: como treinar em servidores brasileiros (não dá pra jogar lá fora por causa da latência alta) acaba trazendo poucos competidores de mesmo nível para os profissionais, uma possível alternativa seria um esquema de intercâmbio de boot camp. “Uma saída é jogar lá fora, pegar o time e ir todo mundo passar um, dois meses só treinando num intensivo com jogadores profissionais de outros países. Existem projetos, mas ainda dependemos dos patrocinadores”, dizem os administradores da equipe.