Como não fazer uma máquina de cartão “moderninha”

Cegos enfrentam dificuldades ao pagar no cartão em maquininhas com teclado sensível ao toque.
Aparelhos como a Moderninha, do PagSeguro, não são acessíveis para pessoas com deficiência visual.

Paulo Higa
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• Atualizado há 1 ano
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Você falaria a sua senha do banco em voz alta ao pagar uma compra no cartão de crédito ou débito? É isso que as pessoas com deficiência visual precisam fazer ao se deparar com máquinas de cartão sem recursos de acessibilidade, como a Moderninha, vendida pelo PagSeguro, ou certos modelos do Cielo Mobile, que se conecta ao smartphone. Com teclado sensível ao toque, esses terminais não possuem nenhum tipo de retorno tátil ou sonoro, dificultando ou impedindo a utilização por pessoas que não enxergam.

Eu conversei com o engenheiro de software Jonas Marques, de 22 anos, que é cego desde os nove meses e me contou ser um dos afetados pelos projetos falhos de design das máquinas de cartão com teclado capacitivo. “Infelizmente eu preciso passar minha senha para o recebedor do pagamento. Normalmente me deparo com ela [a Moderninha] em táxis e bares menores, mas comecei a achar dessas em grandes restaurantes e uma loja de shopping”, lamenta.

O comerciante que aluga ou compra máquinas de cartão sem acessibilidade também sai perdendo entre os que possuem cegueira ou baixa visão, um grupo formado por mais de 6,5 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com o IBGE. Lucas Radaelli, de 24 anos, que também é engenheiro de software, me diz que nunca passou sua senha para ninguém: “O que eu faço é deixar de pagar no cartão ou, na maioria das vezes, desisto da compra”. Ele também notou o aumento desse tipo de máquina: “No início, era bem raro encontrar. Mas começou a acontecer mais e mais, principalmente em táxis. Aí, chegou ao ponto de lojas terem isso também”.

Reinvenção da roda

Pessoas cegas ou com baixa visão geralmente não enfrentam problemas nos aparelhos com botões físicos da Cielo e Rede, por exemplo, que juntas detêm a maioria da fatia de mercado do setor de máquinas de cartão. Isso porque seus terminais possuem marcações táteis em botões estratégicos. O número “5”, localizado no centro do teclado, é acompanhado de um ponto em alto relevo. Já os botões de cancelar, apagar e confirmar têm marcações específicas, que permitem aos cegos digitar a senha sem dificuldade.

Máquinas com botões físicos normalmente são acessíveis para cegos
Máquinas com botões físicos normalmente são acessíveis para cegos

Segundo Jonas, as máquinas de cartão tradicionais são “excelentes”. Para ele, o único obstáculo é o papel do extrato, que é impresso em tinta e não lhe permite conferir o valor do pagamento. Mas o engenheiro consegue contornar o problema com a ajuda do smartphone, que mostra uma notificação com o valor da compra logo após passar o cartão: “Como uso Nubank, eu sempre fico atento na hora da confirmação do pagamento para verificar o quanto foi cobrado. Só então eu saio da loja ou do transporte”.

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Assim o Nubank, outras instituições bancárias oferecem meios digitais para informar que uma transação foi efetuada no cartão. Os avisos com o nome do estabelecimento e valor da compra costumam chegar por SMS. Como os smartphones possuem leitores de tela, como o VoiceOver (iOS) e TalkBack (Android), as pessoas com deficiência visual podem ouvir as mensagens de texto e conferir rapidamente quanto foi debitado.

As máquinas de cartão com teclado sensível ao toque do PagSeguro e da Cielo são problemáticas desde a sua concepção, portanto, apenas uma substituição dos terminais existentes resolveria o problema, diz Jonas ao Tecnoblog.

“Eu duvido que elas tenham alto-falantes e, se tiverem, como fazer para que o usuário não ative o botão ao primeiro toque na tela? E como fazer para que o usuário não tenha que compartilhar sua senha com todo mundo que tiver boa audição ao redor? O projeto dela foi todo feito de forma não acessível, inclusive o tamanho da área de digitação”, comenta.

Para Lucas, que é cego desde os 4 anos, uma situação complicada ocorreu dentro de um táxi, em São Paulo. “Eu peguei um táxi e precisava passar em dois lugares. No meio da viagem, não sei por qual motivo, falamos da máquina de cartão e descobri que ela era touch. Tive que ir direto para o último destino, porque eu não ia ter dinheiro suficiente, em notas, para pagar a corrida”. E completa: “é estranho você chegar em um lugar e, antes mesmo de fazer qualquer compra, falar: como é sua máquina de cartão?”.

Outro lado

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Máquina de cartão com teclado acessível é a fornecida atualmente no Cielo Mobile, diz empresa
Máquina de cartão com teclado acessível é a fornecida atualmente no Cielo Mobile, diz empresa

Em sua linha de produtos, além do modelo tradicional, a Cielo oferece o Cielo Mobile, um leitor de cartão que tinha design igual à Moderninha e impossibilitava a utilização por pessoas com deficiência visual. Ao Tecnoblog, a empresa informou que os aparelhos são alugados pelos comerciantes e já estão sendo trocados por um modelo acessível, fornecido pela Gertec, em substituição ao antigo Pax D200.

“Em 2015, a partir do momento em que a opção surgiu no mercado, passamos a comprar apenas o leitor de cartões mobile com teclado padrão, acessível. Incluímos esse equipamento de forma prioritária em nosso portfólio de soluções e a base vem sendo substituída organicamente, sem custo para os clientes”, declarou a Cielo.

Eu também procurei o UOL, responsável pelo PagSeguro, que informou ter projetos para tornar sua máquina de cartão acessível. “O PagSeguro e a Pax fazem parte de um grupo na ABECS cujo objetivo é melhorar diversos aspectos de usabilidade dos terminais de pagamento para deficientes visuais. Deste grupo participam a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e representantes das políticas de acessibilidade. Há diversos projetos em teste, no esforço de apresentar soluções que melhorem a interação dos deficientes visuais com os terminais de pagamento”, disse a empresa em nota.

Como o PagSeguro trabalha de maneira diferente da Cielo, vendendo, não alugando suas máquinas de cartão, questionei se as unidades da Moderninha que já foram adquiridas seriam trocadas por modelos acessíveis, caso necessário. A empresa apenas informou que os estudos estão em andamento, não revelando um prazo para apresentar os projetos de melhoria de acessibilidade.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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