O encanto pixelado dos jogos retrô em tempos ultrarrealistas

Jogos 8-bits e 16-bits trazem muita nostalgia até hoje. Mas será que eles ainda têm espaço na era dos super gráficos?

Vivi Werneck
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• Atualizado há 11 meses
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O encanto pixelado dos jogos retrô em tempos ultrarrealistas (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

A saudosa era dos games 8-bits e 16-bits… Nas décadas de 80 e 90 (e até mesmo 70), jogos com visual pixelado e, muitas vezes, jogabilidade desafiadora foram o auge da diversão para os aficionados por tecnologia. Parte desse fascínio, naquela época, pode estar atrelado à popularização dos primeiros aparelhos eletrônicos exclusivamente focados no entretenimento: os videogames. Empresas como Nintendo e Sega reinaram com seus cartuchos, consoles e uma legião de fãs.

“Ah, mas na minha época…” – Jogadores mais old school, ou seja, que viveram ativamente o período da 3ª geração de consoles, que compreendeu principalmente os lançamentos do Nintendo Entertainment System (NES) e Master System, e também da 4ª geração – com o Mega Drive (Sega Genesis), Super NES, Game Boy e Neo Geo, costumam se orgulhar de terem sido jogadores nesse período. Ouso voltar até um pouco mais, na 2ª geração, e também destacar o icônico Atari 2600.

O que a maioria desses games pixelados tinham em comum, além da estética e gameplay únicos, era o desafio à criatividade para game designers, artistas e programadores – que tinham que driblar as restrições técnicas da época para moldar e animar aqueles vários quadradinhos em cenários e personagens, de forma mais verossímil possível.

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Não se engane pelo visual simples de Loop Hero. O game é bem desafiante! (Imagem: Divulgação/Devolver Digital)

Esses títulos, que podem parecer simplistas para alguns, especialmente em tempos de jogos ultrarrealistas, prepararam o terreno para muitos dos games AAA da atualidade. Aprender a fazer o simples (e fazer bem) é fundamental para qualquer pessoa que pensa em entrar nesse mercado. Inclusive, vários dos que hoje estão à frente de estúdios famosos podem ter aprendido com o estilo 8-bits e 16-bits.

Nostalgias à parte, atualmente estamos na 9ª geração de consoles, que começou com o Nintendo Switch (2017) e foi reforçada, em 2020, com as chegadas do PlayStation 5 e Xbox Series X/S. Dito isso, a pergunta que se faz é: ainda há espaço para games estilo retrô? Já dando spoiler da resposta: sim! E tem muita gente desenvolvendo jogos com essa estética, seja utilizando o apelo visual da era 8-bits/16-bits, seja usando suas mecânicas de gameplay como inspiração (ou tudo isso junto).

Por que jogos estilo retrô encantam até hoje?

Alguns desenvolvedores, que continuam apostando no estilo (ou se inspirando nele) nos dias de hoje, afirmam que bons jogos continuarão a ser bons jogos para sempre e isso independentemente da época. Cyrille Imbert, Produtor Executivo da Dotemu (Streets of Rage 4), explica que “a questão é como trabalhar com eles [jogos estilo retrô] para que façam sentido para o público moderno”, pontua. “Mas para que eles [os jogadores] realmente invistam seu tempo e dinheiro em um jogo, você precisa responder suas expectativas e foi isso que fizemos com Streets of Rage 4.”

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Streets of Rage 4 , apesar de ter refinado o visual, também permite gameplay old school (Imagem: Divulgação/Dotemu)

Beausoleil Samson-Guillemette, programador na Guard Crush Games, que também fez parte do time de SoR4, complementa Imbert ao afirmar que existe uma dose de nostalgia que não pode ser negada. “A última década viu o surgimento do free-to-play e, com ele, uma fixação pelo RPG. Cada jogo tinha algum tipo de mecânica de nivelamento, moedas, criação de itens, etc. Em contraste, os beat’em ups são muito mais simples e oferecem tudo desde o início”, comenta o programador.

Samson-Guillemette diz, ainda, que nesse estilo de jogo [beat’em up], com raízes nos 16-bits, como a própria série Streets of Rage, é o jogador que se aprimora conforme progride e não seu avatar. “Isso pode ser muito revigorante e bastante útil em games com multiplayer local, já que você não está preso a um savegame.”

Outro motivo, segundo Samson-Guillemette, é que estamos menos impressionados com o 3D hoje em dia. “Muitos gêneros 2D foram mais ou menos apagados pelo 3D, na virada do milênio. Naquela época, o 3D era sinônimo de venda. O 2D voltou, desde então, primeiro pela estética retrô e agora com a possibilidade de se criar jogos 2D reais, como imaginávamos quando éramos crianças.”

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Loop Hero pode ser considerado um “roguelike” com visual old school (Imagem: Divulgação/Devolver Digital)

Aleksandr Goreslavets, Sound e Game Designer da Four Quarters, responsável por Loop Hero – que teve mais de 500 mil jogadores em sua semana de lançamento no Steam, concorda que os jogos precisam ser divertidos e isso em qualquer época.

Ele acrescenta, também, que títulos com visual retrô têm seu próprio público. “Não há competição direta com jogos ultramodernos. Os gráficos retrô são um dos estilos visuais que podem ser adaptados para jogos. Eles têm seu próprio lugar na indústria dos games e na preferência dos jogadores que amam essa estética”, explica Goreslavets.

E é muito por aí conforme todos disseram: há elementos de nostalgia, especialmente para quem viveu na era 8-bits/16-bits; há o retorno do interesse pelo 2D (o “diferente”) em meio a um mar de ofertas em 3D; e também há o seu próprio espaço, seu próprio lugar na indústria para jogos old school.

Quem joga games 8-bits/16-bits?

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Alex Kidd in Miracle World DX revive um clássico do Master System (Imagem: Divulgação/Merge Games)

Mas será que, mesmo com todos os ventos a favor, este estilo mais old school de fazer games tem força para conquistar uma nova geração de jogadores? Ramon Nafria, Produtor de Alex Kidd in Miracle World DX, o remaster de um clássico do Master System, diz que jogos desse tipo podem ser apreciados por jogadores de diferentes idades, “mesmo que nosso jogo [Alex Kidd DX] seja um pouco mais desafiador, no início, que o game original”, segundo Nafria.

Para exemplificar o quanto títulos com estética retrô podem alcançar diferentes públicos, o produtor de Alex Kidd DX conta que seu filho, de apenas seis anos, está “ajudando” a testar o remaster. “Ele queria jogar enquanto desenvolvíamos e se divertiu muito, então presumo que não haja idade para curtir um jogo de plataforma em 2D. Por outro lado, o que é verdade é que existem alguns games que chamam bastante a atenção do público mais jovem devido aos influenciadores e às tendências do momento.”

Frédéric Gémus, Game Designer de Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge, beat’em up que promete resgatar a nostalgia dos arcades das Tartarugas Ninja, afirma que por mais surpreendente que seja, títulos com temática old school não agradam somente a quem cresceu em meio aos consoles 8-bits e 16-bits, mas a jogadores mais novos também.

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Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge traz novo capítulo para a franquia das Tartarugas Ninja (Imagem: Divulgação/Dotemu)

“Visuais simplificados, mais simples de entender e, geralmente, com mecânicas mais focadas costumam atrair as pessoas”, explica Gémus. “Além disso, alguns jogadores mais casuais podem não se interessar muito por alguns games AAA devido à sua complexidade e requisitos de tempo. Ter um jogo que os lembra dos games com os quais eles cresceram, às vezes, é muito menos intimidador.”

Acrescento também, ao comentário de Gémus, o fato de que, especialmente na realidade brasileira, nem todas as pessoas têm condições de montar um super computador ou mesmo adquirir os consoles mais recentes para jogar títulos mais pesados. Os games com estilos visuais mais simples podem ajudar a incluir mais jogadores ao hobby por, na maioria das vezes, pedirem especificações técnicas menos robustas. E isso falando apenas de PC, sem incluir o sucesso massivo dos jogos mobile em atrair novos públicos.

Plataformas de streaming, como Twitch, YouTube e Facebook Gaming, têm contribuído bastante para a popularização (especialmente entre os mais jovens) de jogos com estética retrô. Danilo Dias, Game Designer e Artista da JoyMasher, estúdio brasileiro responsável por games como Oniken, Odallus e Blazing Chrome, acredita que a maioria do público dos títulos da JoyMasher (todos em estilo retrô e bem difíceis) é ainda o pessoal que cresceu em meio a esses games 8-bits/16-bits.

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Odallus: The Dark Call te fará suar para passar de fase (Imagem: Divulgação/JoyMasher)

“Também percebo muitos jogadores jovens que acabam procurando jogos no estilo retrô por curiosidade e por gostarem de um desafio elevado”, comenta Dias. “Principalmente graças a plataformas como Twitch e etc, observo que os mais jovens se divertem muito fazendo vídeos terminando games antigos difíceis ou mesmo títulos old school que quase ninguém conhece. Virou tipo um nicho.”

O que o futuro reserva para os games retrô?

Cyrille Imbert acredita que conforme o mercado de videogames cresce e faz com que os jogadores tenham diferentes experiências, seus gostos também evoluem. “Hoje você pode encontrar games de qualquer tipo, em qualquer plataforma, para praticamente qualquer pessoa. Portanto, estou convencido de que sempre haverá um público para jogos retrô”, comenta o Produtor Executivo de Streets of Rage 4. “É o mesmo que outras artes, as pessoas ainda ouvem música clássica ou assistem a filmes em preto e branco.”

Danilo Dias, da JoyMasher, prefere olhar com mais de cautela para este futuro e cita um possível, e até previsível, desgaste do estilo. “Acho que atualmente podemos estar sofrendo com um pouco de repetição. Muitos jogos retrô ou pixel art estão sendo lançados ao mesmo tempo”, explica Dias. “Isso pode sim, na minha opinião, criar um desgaste, mas é natural e sempre foi algo meio cíclico nos videogames.”

Alex Kidd in Miracle World DX
Alex Kidd in Miracle World DX tem previsão de lançamento para 2021 (Imagem: Divulgação/Merge Games)

Hector Toro, Diretor de Arte em Alex Kidd in Miracle World DX, compartilha da mesma opinião que tenho a respeito dos games feitos em estilo retrô: bons gráficos não significam, necessariamente, que o jogo vá ser bom.

“Atualmente, temos o recente Loop Hero. Possivelmente, o jogo com os piores gráficos in-game deste ano (hahaha, brincadeira), mas sua mecânica de gameplay e história são emocionantes”, comenta Toro. “Em contrapartida, temos games muito realistas que são um fracasso. Hoje, acho que o jogador médio já chegou a essa conclusão sozinho, ou pelo menos quero acreditar nisso.”

Quero criar games old school! Por onde começo?

Apesar de eu não desenvolver games, o fato de apenas estar envolvida neste meio e conversar com criadores (especialmente de estúdios pequenos) me dá condições de também opinar sobre esta questão: acredito que se você quiser começar a fazer jogos retrô (e até mesmo em outros estilos) é interessante focar em projetos simples e testar mecânicas. Menos pode realmente ser mais, neste caso. Simplificar processos poderá, inclusive, te ajudar a mapear erros com mais facilidade e fazer os devidos ajustes.

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Em SoR4, é possível desbloquear as versões retrô dos heróis da série Streets of Rage (Imagem: Reprodução/Tecnoblog)

Samson-Guillemette, programador de SoR4, também tem esse pensamento. Ele diz que independentemente do tipo de estética, comece simples. “Fazer um jogo pode ser gratificante e, mesmo num clone do Pong, você aprenderá muito”, aconselha. “As Game Jams [maratonas de desenvolvimento de jogos] podem ser uma boa oportunidade para focar no simples. E vai soar estranho, mas não planeje muito. Se tudo for planejado com muito rigor, pode parecer uma tarefa árdua ou, pior ainda, uma montanha intransponível.”

Mas Frédéric Gémus, Game Designer do novo Tartarugas Ninja, faz questão de deixar claro que – apesar do visual simples – desenvolver um game estilo 8-bits/16-bits é, na maioria das vezes, mais complexo do que um título totalmente renderizado em 3D.

“Alterar uma animação num modelo 3D pode levar alguns segundos, enquanto jogos baseados em pixels e 2D exigiriam um redesenho completo! Esse também é o motivo pelo qual alguns estúdios de cinema geralmente optam por filmes renderizados em 3D do que em animação 2D tradicional”, comenta Gémus.

O Game Designer destaca, ainda:

“Se quiser adotar esse visual, precisará se esforçar muito! Quanto à jogabilidade old school, seu ponto forte está na familiaridade: muitos serão capazes de entender o básico do seu jogo em poucos segundos. Depois disso, é uma questão de como lidar com as expectativas que vêm dos jogadores; quebre-as e crie uma nova experiência significativa!”

(Frédéric Gémus – Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge)

Jogos retrô têm sim o seu espaço!

Teenage Mutant Ninja Turtles Shredder's Revenge
Santa tartaruga!!! (Imagem: Divulgação/Dotemu)

“Ah, mas na minha época…” – Ninguém precisa mais sofrer de saudades dos tempos em que os jogos 8-bits e 16-bits reinaram soberanos. Hoje em dia, há muitas opções tanto de meios para jogar os títulos originais do Super Nintendo, Mega Drive e etc, e até mesmo de novas produções, que podem trazer referências aos antigos games.

Como já foi dito, há espaço para todos e mesmo, atualmente, os tempos serem outros e se fale muito em gráficos ultrarrealistas, os games retrô continuam conquistando corações de jogadores de todas as idades, por seu visual pixelado simples e caricato, gameplay muitas vezes desafiador e também como uma excelente opção para gamers que, talvez, não possam investir em PCs mais robustos e consoles da nova geração.

Qualquer que seja o seu estilo preferido, é possível que exista um jogo retrô parecido também ou que (vai saber) tenha sido usado como inspiração. Se não for muito fã do estilo, ao menos dê uma chance, você pode se surpreender. Se já é um fã, pegue seu controle e mergulhe nos pixels!

O encanto dos games retrô

No Hit Kill 22 rolou um papo super legal sobre o fascínio que os games estilo 8-bits e 16-bits fazem até hoje. Vem ouvir!

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Vivi Werneck

Ex-editora assistente

Vivi Werneck é especialista em games e trabalha no mundo tech há 15 anos. Em 2018, recebeu o Prêmio Comunique-se como melhor jornalista de tecnologia. Já escreveu para revistas de games pioneiras no Brasil, como EDGE, PlayStation Brasil e EGW. Também é veterana em eventos de jogos, como a BGS e E3 (inclusive, presencialmente). No Tecnoblog, foi editora-assistente entre 2018 e 2023.

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