As mil e uma utilidades da realidade virtual e aumentada
Qual é exatamente a diferença entre a realidade virtual e a aumentada? E quais são as principais aplicações?
Qual é exatamente a diferença entre a realidade virtual e a aumentada? E quais são as principais aplicações?
Estamos ouvindo bastante sobre duas tecnologias que mexem com a realidade: a aumentada e a virtual. Cobrimos ambas no Tecnoblog, falando de gadgets como Oculus Rift, Gear VR, Google Glass e HoloLens. Mas qual é exatamente a diferença entre elas? E quais são as principais aplicações?
Levamos esses questionamentos ao Prof. Dr. Antonio Carlos Sementille, especialista em realidade virtual e realidade aumentada. Sementille é professor adjunto do Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele explica as inúmeras utilidades dos gadgets que estão surgindo, em áreas como medicina, engenharia e educação.
Tecnoblog — Quais são as diferenças práticas entre a realidade virtual e aumentada?
Antônio Carlos Sementille — Essas duas áreas de pesquisa são complementares. A realidade virtual (RV) consiste em você criar um ambiente totalmente gerado pelo computador, 100% virtual. O usuário pode interagir com esse ambiente, e o ideal seria que ele emergisse nele; ou seja, tudo que ele veria ali seria gerado por computador.
É muito comum usar capacetes de realidade virtual, para justamente o usuário não ver mais o mundo real. As aplicações, do ponto de vista da interação com o usuário, ficariam um pouco mais complexas. Como ele não está vendo o mundo real, como é que ele vai interagir com os objetos? Por isso, usa-se luvas que capturam a posição das mãos e dos dedos, sensores que verificam onde está a posição da cabeça do usuário para ajustar a imagem que ele está vendo, etc.
Além da imersão, da interação do usuário, outro problema na realidade virtual é o envolvimento do usuário. É importante que a aplicação convença o usuário de que aquilo ele está vendo é real. Um exemplo muito comum das aplicações de RV são os jogos digitais. Os games de hoje, em grande parte, são considerados como aplicações da realidade virtual. Só que a maioria deles é o que a gente considera como não imersivo, ou seja, você joga olhando para a tela do computador e continua vendo o mundo real em volta.
No caso da realidade aumentada (RA), o usuário continua vendo o mundo real, complementado de alguns elementos virtuais. De repente, eu olho para um motor real de automóvel e vejo o interior dele com as válvulas se mexendo e a explosão acontecendo, por exemplo, mas eu continuo vendo o mundo real.
Ou eu olho para uma pessoa e vejo informações sobre ela, quem ela é, que escolaridade ela tem, etc. Na realidade aumentada, a ideia é aumentar a realidade com informações adicionais devidamente alinhadas com a visão do usuário e do mundo real. Esse é o objetivo. Também, de certa forma, iludir os sentidos humanos, mas é uma ilusão mais tênue porque o usuário continua vendo o mundo real.
Por isso que eu acredito que, daqui pra frente, será muito mais comum as aplicações móveis de realidade aumentada. Você sai por aí vendo o mundo real, complementado das informações virtuais.
Tecnoblog — Nas demonstrações do HoloLens, a Microsoft usou muitos exemplos voltados para a medicina, mostrando que um médico poderia dar aula para aprendizes mostrando representações do cérebro humano, por exemplo. Os alunos conseguiam ver e girar a imagem, e falaram que era muito mais fácil para a medicina ter essa visualização do corpo humano virtualizada. Como a realidade aumentada pode ser útil nessa área?
Sementille — Acho que ela será muito útil para a medicina. Não só quando o aprendiz, estudante de medicina, está diante de um modelo do corpo humano projetado à frente dele, mas também para que o próprio médico, num procedimento cirúrgico, consiga, olhando para o paciente, ver as informações que foram obtidas a partir de exames, casadas com a visão do médico.
Essa seria a maior vantagem. Já existem sistemas que fazem isso, na verdade. O MIT, desde o final da década de 90 tem um sistema auxiliado por realidade aumentada que combinava em tempo real as informações de tomógrafos, ressonância magnética, raios x e outros no momento da cirurgia. Eles faziam isso com um projetor acima do paciente.
Durante a operação, ele mostrava as informações que seriam úteis ao médico também; ou seja, onde ele pode fazer uma incisão, até que profundidade ele vai, etc. Isso seria projetado diretamente. Com esses óculos, agora, será possível o médico colocar os óculos e, olhando pro paciente, com as informações obtidas previamente, alinhá-las com a intervenção cirúrgica.
A realidade aumentada tem aplicações no ensino, mas também é muito útil para a própria intervenção médica.
Tecnoblog — Ou seja, antes era mais comum cada pesquisador ter o seu equipamento e agora a gente vê o HoloLens, feito pela Microsoft. É positiva essa produção em massa, já que existe todo um SDK por trás?
Sementille — Sim, claro que sim. Veja o caso do Kinect, por exemplo. Ele foi lançado pela Microsoft para ser lançado junto com o Xbox, mas o pessoal da robótica e visão computacional viram que aquele equipamento era muito importante e interessante para ser colocado em robôs.
Por quê? Bom, ele tem um sensor que consegue escanear o ambiente com infravermelho. Isso, para a visão computacional, é muito importante. Antes, os pesquisadores precisavam usar câmeras especiais caríssimas para se desenvolver um protótipo, que a baixo custo, é oferecido hoje pelo Kinect.
Muita coisa desenvolvida com um objetivo acaba tendo um uso diferente. O Kinect foi feito para games, e quem imaginava que ele ia ter uma aplicação na robótica?
Tecnoblog — Algumas pessoas têm labirintite ou enjoo ao utilizar óculos de realidade virtual, né? O Oculus Rift informa no site deles um “nível de nauseamento” do aplicativo ou jogo.
Sementille — Sim, tem esse problema. O sistema gera as informações, a cena virtual (RV) ou a cena combinada (RA) numa certa taxa de frames e o corpo humano acaba se adaptando àquela taxa. Aí você tira aquele capacete e vai dirigir um carro, por exemplo. É perigoso, porque a pessoa pode ter algum descontrole.
Isso ainda não foi suficientemente estudado porque você não tem uma amostra muito grande de pessoas que usam isso corriqueiramente e por muitas horas, mas isso vai ser cada vez mais comum. É só lembrar da polêmica do Google Glass, por exempo. As autoridades americanas estavam preocupadas com gente que usava o equipamento dirigindo, ou entrava no cinema com ele, por medo de filmar. É até uma questão ética. Será que você pode entrar em qualquer lugar e começar a filmar? Aí tem um problema de ética e de segurança que, à medida que isso vai sendo popularizado, as autoridades vão regulamentar.
Tecnoblog — E esse problema da vertigem, como resolver?
Sementille — Acho que a curto prazo vai ser meio difícil. O equipamento precisa ter uma capacidade de processamento que seja fotorrealista e que não haja muito diferença com a nossa percepção do mundo real. Esses equipamentos ainda não conseguem atingir isso, principalmente os de RV. Acho que isso vai persistir.
Tecnoblog — E a realidade virtual, também tem aplicação na medicina?
Sementille — Sim, sim. Primeiramente ela foi usada no ensino, na propaganda, na medicina, os games. Na medicina, a ideia é a simulação. Você não está vendo o mundo real, e sim um mundo simulado, então você pode simular procedimentos médicos. Existem equipamentos já antigos que simulam o uso equipamentos médicos, como uma seringa ou um bisturi.
Existem também os equipamentos hápticos que criam uma sensação de força contrária para o usuário, dando uma espécie de feedback. Por exemplo: ele está usando um capacete e vendo o corpo humano, vendo o que ele deve fazer numa punção. Ao segurar um equipamento desse tipo, ele sente uma força contrária à medida que ele está interagindo com um modelo virtual. Isso para treinamento — não dá pra fazer isso com um paciente real.
Tecnoblog — A realidade virtual pode ser usada até para gerar mais empatia nas pessoas. Pesquisadores conseguem simular condições como surdez ou enxaqueca, por exemplo.
Sementille — Justamente, isso é possível. Auxílio no tratamento de fobias, também. Pra uma pessoa que tem fobia de avião, por exemplo, simula-se que ele está dentro de um avião. É claro que seria melhor se todo um aparato fosse criado para sacudir a cadeira, por exemplo. Mas isso não é novo.
Também dá pra tratar aracnofobia, também. Você cria umas aranhas virtuais. E nisso até a realidade aumentada é melhor, porque o usuário continuaria vendo o mundo real, como uma mesa em que aranhas estão subindo nela e indo para a pessoa. Você teria um grau de convencimento maior com aplicações de RA do que com RV. Tem desenvolvimento nessa área também.
A realidade aumentada já é usada há mais de uma década com caças. São projetadas no cockpit do caça informações para o piloto. Também existem capacetes de RA para os pilotos há muito mais tempo, só que eles custavam US$ 250 mil. É claro, não se compara com o valor do avião.
Tecnoblog — E as aplicações fora da medicina?
Sementille — Na área do marketing, foi desenvolvida uma aplicação recente usando o Kinect, por exemplo, que captura-se o corpo de uma pessoa e ela pode ir trocando a vestimenta, adaptada ao corpo. Dá pra criar aplicações em que você navega dentro de um apartamento virtual antes dele ser construído, por exemplo.
No caso da educação, tem aplicações diversas, porque aí você não precisaria ter laboratórios de física ou química, você poderia simular isso pelo computador.
Na engenharia, o pessoal também usa bastante. Você pode acompanhar o desenvolvimento de uma obra apontando o tablet ou usando capacete e vendo já o prédio virtual como ficaria, ou naquele estágio da construção, onde ele deveria estar e como ele está agora.
Além de implementar manuais de carros, o pessoal da indústria mobilística usa a realidade virtual e aumentada na área de design de produtos também. Para mudar o painel de um carro, por exemplo, dá pra mexer por RV, ampliando e entrando dentro do painel. Mas tudo vai ser virtualizado.
No caso da realidade aumentada, a pessoa pode entrar no automóvel real e enxergar um novo painel ali. Ela pode mudar isso para deixar mais bonito, ergonômico, dentro de um carro real. Isso é interessantíssimo, porque eu preciso contrastar o real com o virtual, será que fica bom num carro de verdade?
Antigamente, você tinha que fazer um protótipo em escala, às vezes até natural para ter essa ideia. Hoje não, você pode lidar com modelos virtuais. Antigamente era só na tela do computador, agora existe uma visão projetada.
O grande problema é desenvolver aplicações para esse tipo de equipamento. É claro que isso vai se tornar cada vez mais frequente com a popularização do equipamento.
Tecnoblog — Vemos muitas aplicações interessantes de RA e RV na ciência, mas os produtos estão muito caros para o consumidor comum ainda, que também tem curiosidade em experimentar essas ferramentas. O senhor acha importante a popularização dessa tecnologia?
Sementille — Claro que sim. Vai somar às aplicações já tradicionais. Imagine, por exemplo, uma aplicação de RA em que você possa, usando o celular, apontar para parte da cidade e o aplicativo te mostrar para onde você tem que ir. Ou você aponta o celular para um prédio, por exemplo, e já vê o que tem dentro daquele prédio em termos de escritório, empresas, apartamentos para alugar.
Nos games também, a possibilidade de você criar games em que você possa se mover pela cidade, por uma área ampla e ter pistas, informações que são dadas à medida que você aponta para determinado marco ali na cidade.
Tecnoblog — Para o consumidor comum, os melhores equipamentos de realidade aumentada são os smartphones e tablets, então?
Sementille — Sim! Ambos, hoje, são bastante sofisticados. Essas tecnologias não existiam há dez anos atrás com esse grau de sofisticação. Você tem câmeras de boa resolução, tanto a frontal quanto a traseira. Você tem telas de boa resolução em alguns equipamentos, outros até com altíssima resolução. Você tem processador quad-core, até octa-core em alguns equipamentos, algo extremamente necessário para a realidade aumentada.
Cartões de memória em alguns celulares também ajudam a remediar o problema do armazenamento. Fora outros equipamentos que estão ali embutidos, como GPS, acelerômetro, giroscópios (que diz quanto o equipamento girou). Você precisa dessa informação em aplicações de RV ou RA, para ajustar a imagem em relação à isso.
Antigamente o pesquisador criava o seu próprio equipamento, um aparato combinando esses sensores separados, porque não tinha smartphone ou tablet como hoje. E aí tinha um protótipo gigantesco. Hoje você tem um equipamento miniaturizado, além de tudo, móvel. Então eu acho que essas plataformas móveis realmente serão o primeiro alvo, conjunto de dispositivos, propícios a aplicações de RA.
Tecnoblog — O que falta essencialmente para a RA e a RV se popularizarem?
Sementille — O barateamento dos dispositivos acho que seria essencial. Com isso, é claro, virá o desenvolvimento de mais aplicações e a diversidade de aplicações, aí você se vê motivado a comprar o equipamento também. Porque se você for comprar o HoloLens e tiver só meia dúzia de aplicações só, será que compensa?
Tecnoblog — De RV também é o preço?
Sementille — Existem também os desafios técnicos, por exemplo, a capacidade de gerar cenas fotorrealistas. É importante numa aplicação de RV que você convença o usuário de que aquilo é real. Para aquilo ser real, você tem que ter imagens fotorrealistas. Um tigre virtual deve se parecer com um tigre real, e não com um cartum.
É claro, é mais fácil processar algo que não tem muita textura, muitos vértices, mas tem que ter o desenvolvimento. Para um game você aceita certas simplificações, mas na realidade virtual elas ficam muito mais gritantes.
Tecnoblog — E o que esperar para o futuro das realidades aumentada e virtual?
Sementille — Temos que aguardar os próximos lançamentos da indústria, porque a popularização vem sempre pela indústria. O trabalho da academia com a indústria.
Eu aguardo com expectativa o aparecimento de novos equipamentos e novos SDKs que permitam o desenvolvimento de aplicações para RA. A plataforma pode ser mobile, tablet, HoloLens, e outros. Mas o problema é: como desenvolver aplicações rapidamente, e com qualidade, para esses equipamentos?
As fabricantes devem oferecer também alternativas para o desenvolvimento. Por exemplo, no caso do HoloLens eles utilizam bastante uma plataforma de games chamada Unity 3D, ambiente gráfico feito primeiramente para games mas hoje está sendo usado para simulações e experimentos científicos.
Alguém que já aprende o Unity também tem capacidade para criar aplicações para o HoloLens, por exemplo, porque ela conhece a plataforma gráfica de desenvolvimento. E o HoloLens é mais uma forma de exibir isso. Poderia ser na tela do computador, mas está sendo diante do olhar do usuário.